terça-feira, 10 de novembro de 2015

O Carnaval de Richard Feynman no Brasil

Feynman em um baile de estudantes: This man is rock'n'roll!

Copacabana, 1950
No início da década de 1950, quando Richard Feynman visitou o Brasil, o Carnaval já era uma grande festa popular no país, apesar de serem as marchinhas e não o samba a música dominante. No Rio de Janeiro, em particular, as escolas de samba competiam em disputados desfiles na Praça Onze, e depois na Avenida Presidente Vargas.

Carnaval de rua no Rio, anos 1950. Foto: Marcel Gautherot
A Império Serrano vinha numa sequência de vitórias desde 1948, quando se sagrou campeã pela primeira vez, apostando no samba-enredo “Antônio Castro Alves”, em homenagem ao poeta, autor de “Navio Negreiros” e “Espumas Flutuantes”.

"Corsos", veículos decorados, precursores dos atuais carros alegóricos
Em 1951, com o segundo governo de Getúlio Vargas dando os primeiros passos, deu novamente Império Serrano na cabeça, com o enredo “Sessenta e Um Anos de República”. O primeiro lugar foi divido com a Portela, a maior detentora de títulos da década de 1940, que apresentou o tema “A Volta do Filho Pródigo”, claro, em homenagem a Vargas, o “pai dos pobres”.


Em 1952, havia grande a expectativa entre as três grandes – Mangueira, Portela e Império Serrano – mas a apuração acabou prejudicada por causa das fortes chuvas de verão que inundaram o Rio de Janeiro. Houve desfile, na avenida Presidente Vargas, mas a classificação acabou não contabilizada.

Anos depois, o jornal carioca Correio da Manhã disse que Feynman gostava da Mangueira e do Salgueiro ao mesmo tempo. Fato é que ainda não apareceu um registro da preferência do grande físico quântico por alguma escola naquele 1952. Richard Feynman pode até não ter declarado a torcida, mas certamente deve ter ouvido alguma das marchinhas que faziam a festa nas ruas e nos salões. Se alguém lhe traduziu as letras, deve ter ouvido altas gargalhadas em troca.

Emilinha Borba
Emilinha Borba: "Tomara Que Chova"
Em 1951, atravessando 1952, sucesso onipresente foi Emilinha Borba, com a marcha “Tomara que Chova” (Paquito/Romeu Gentil), retrato fiel de um Rio carente de serviços básicos: “Tomara que chova/ três dias em parar./ A minha grande mágoa/ É lá em casa não ter água/ Eu preciso me lavar”.

Fato curioso, estudiosos apontam que no Carnaval de 1952 muitas marchinhas e sambas foram excluídas dos programas de rádio porque já naquele tempo as sociedades arrecadadoras de direitos impunham condições e tal para a execução das músicas. O povo tinha suas preferências, mas as rádios pareciam de mãos atadas, e não podiam tocar o que o povo queria ouvir.

Blecaute, General da banda
Em 1952, todo mundo cantava “Acho-te uma graça” (Benedito Lacerda/Haroldo Lobo/Carvalhinho), cujos versos dizem “Chora, palhaço/ Chora que passa!/ Pimenta nos olhos dos outros é refresco,/ Acho-te uma graça...”. Sucesso retumbante foi a “Maria Candelária” (Klecius Caldas/Armando Cavalcanti), alta funcionária e vigarista, com Blecaute nos vocais: “Maria Candelária/ É alta funcionária/ Saltou de paraquedas/ E caiu na letra ó/ Óóóó!”

Marlene: poderosa rainha do rádio
Naquele ano, em resposta a Emilinha, a poderosa Marlene gravou o samba “Aquele Amor” (Geraldo Pereira/Arnaldo Passos), mas fulminante mesmo foi “Lata D’Água” (Luiz Antonio/Jota Júnior), sucesso atemporal, um grande clássico brazuca, de letra autoexplicativa: “Lata d’água na cabeça/ Lá vai Maria/ Lá vai Maria.../ Sobe o morro, não se cansa/ Pela mão leva a criança,/ Lá vai Maria...”.

Monsueto Menezes, "parente" do autor deste blog
O carnaval de 52 também testemunhou o aparecimento de “Me Deixa em Paz”, um monumento de canção, de autoria da dupla Monsueto Menezes e Airton Amorim. As músicas mais belas de carnaval são as que tem as letras mais tristes: “Se você não me queria,/ Não devia me procurar,/ Não devia me iludir,/ Nem deixar eu me apaixonar...”.

Virginia Lane, favorita de Vargas
Se essa letra parece deslocada, ainda mais depois que Alaíde Costa, duas décadas após, gravou a versão definitiva com Milton Nascimento no clássico “Clube da Esquina” (1972), a alegria de 52 contou com Virginia Lane, vedete preferida do presidente Vargas, mandando ver “Sassaricando” (Luiz Antonio/Zé Mario/Oldemar Magalhães), que virou até tema de novela da Globo na década de 1980: “Sa-sassaricando,/ Todo mundo leva a vida no arame.../ Sa-sassaricando,/ A viúva... o brotinho... e a madame.../ O velho, na porta da Colombo,/ É um assombro,/ Sassaricando”.

Em 1953, já longe do Brasil, “the king of the frying-pan”, Mr. Richard Feynman perdeu o lançamento da sensacional “Cachaça” (a canção), do trio Mirabeau/Lide Castro/H. Lobato, dos inesquecíveis versos “Se você pensa que cachaça é agua.../ Cachaça não é agua, não.../ Cachaça vem do alambique,/ E água vem do ribeirão...”.

Risadinha
Em tempo, impossível que a física quântica não tenha caído no “rebolation” daquele tempo. Risadinha fez grande sucesso com a marcha “Eu Quero é Me Rebolar” (Arnô Provenzano/Otolindo Lopes) com os insidiosos versos “Bate o bumbo, bate o bumbo,/ Deixa o bumbo rebentar,/ Eu quero é me rebolar!/ Deixa o circo pegar fogo,/ Deixa o feijão aumentar/ Eu quero é me rebolar”.


Richard Feynman voltou outras vezes, a mais comentada, a viagem de 1966, menos de um ano depois de receber o Prêmio Nobel de Física. O jornal carioca “Correio da Manhã”, em sua edição de sexta-feira, 18 de fevereiro de 1966 estampa a manchete “Prêmio Nobel vem ao Carnaval”:


“Sem a austeridade que se esperava de um cientista, desembarcou ontem às 19h30m, no Aeroporto do Galeão, Richard Feynman, Prêmio Nobel de Física, de 1965, acompanhado da esposa Gweneth Feynman. Simpático e sorrindo sempre, mostrou-se divertido com a insistência dos fotógrafos e repórteres que o aguardavam.

Revelou que pretende aproveitar ao máximo o carnaval carioca, tendo trazido na mala dois sarongs, com que brincarão no Municipal. Mostrou logo ao chegar que é um folião autêntico, ensaiando gestos de quem toca cuíca, instrumento com o qual está bem familiarizado, pois possui vários em sua casa, em Pasadena, Califórnia, assim como pandeiros. Esta é a 5ª vez que visita o Brasil, enquanto que a esposa vem pela segunda vez.
...
Feynman é um entusiasta das escolas de samba, especialmente Salgueiro e Mangueira, tendo na sua última visita ao Rio se dedicado às pesquisas das origens do ritmo dos instrumentos de percussão”.

Ah, o amor: Gweneth ouve o marido tocar frigideira

Gweneth e Richard prontos para a folia

Feynman, folião "number one"
Feynman em baile chique no Rio


No dia seguinte, sábado, 19 de fevereiro de 1966, o Correio da Manhã dá o “follow-up” da visita de Feynman ao Brasil, em destaque com a seguinte manchete: “Prêmio Nobel no Rio: macartismo impede progresso”. Àquela altura, com Humberto Castelo Branco e os militares no comando da nação, já era realidade o Ato Institucional Número Um, que cassou os direitos políticos de parlamentares, servidores públicos, sindicalistas, além dos ex-presidentes Jânio Quadros e Juscelino Kubitscheck. En-passant o AI-1 decretou o seguinte: eleição para presidente neste país, só ser for indireta.

Diz o texto do Correio da Manhã:

“O físico norte-americano Richard Feynman, Prêmio Nobel de Física de 1965, que se encontra no Rio a convite da Secretaria de Turismo, como hóspede oficial do Carnaval, e do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, afirmou, ontem, que ‘o Governo não tem o direito de influir nas ideias políticas de um cidadão, pois com isso impede o progresso de um país’.

Ao referir-se à perseguição política sofrida por cientistas brasileiros, dos quais alguns, como Mário Schemberg e Leite Lopes, que são seus amigos pessoais, disse que a fase do macarthismo em seu país foi mais suave, pois as pessoas nem sempre sofriam prisão ou expatriação, mas ressalvou que não tem informações precisas sobre a situação no Brasil, atualmente”.

Niomar Moniz Sodré: refuse, resist!
Um parêntese. Tiremos o chapéu, ainda que tardiamente (49 anos depois, para ser preciso), para o extinto Correio da Manhã. Publicar esse tipo de coisa não era exatamente a informação que os militares queriam ver nos jornais. O Correio da Manhã, por onde passaram, entre outros, figuras como Antonio Callado, Otto Maria Carpeaux, Ledo Ivo, Carlos Drummond de Andrade, Carlos Heitor Cony, Newton Rodrigues, e Márcio Moreira Alves, fez oposição declarada ao regime militar no Brasil. Não deu outra: o jornal faliu e sua presidente, Niomar Moniz Sodré Bittencourt (1916-2003), acabou presa e teve os direitos cassados, em 1969.

Nessa mesma entrevista ao Correio da Manhã, o folião Richard Feynman revelou que tinha convites para brincar o carnaval nos bailes do Copacabana, Glória e Teatro Municipal. “Faz questão de ver o desfile das escolas de samba e pretende também dançar e pular nas ruas”, afirma a reportagem.

Para os que se perguntavam o porquê de um tão renomado cientista demonstrar tanto interesse pela “acabação” momesca no Brasil, o jornal ofereceu aos leitores a seguinte explicação “me engana que eu gosto”:

“Especializado em Física Teórica, não acha que a sua admiração pela alegria carnavalesca interfira com o seu trabalho de cientista, embora saiba ser isso motivo de surpresa para muita gente.

Prêmio Nobel de Física, com seu trabalho sobre a relação entre a matéria e radiação, explicou que a atividade lhe exige um esforço constante e exaustivo, levando-o a desejar alguns dias de total abandono”.

Relax num bar de strip-tease
Feynman era muito figura. Frequentava boates de strip-tease, tomava umas, apesar de ter dito, ainda no período sabático no Brasil que não mais o faria. Na segunda metade dos anos 1970, rodava com a família pela California, o Canadá e o México em uma camionete Dodge Tradesman Maxivan, com os seus famosos diagramas de eletrodinâmica quântica pintados na lataria.

Os Feynman e a famosa van com os diagramas

Restauração em 2012
A filha Michelle com os dois filhos e o carro restaurado
Anos depois a van foi comprada pelo amigo Ralph Leighton, que pode ser visto em um famoso vídeo tribal ao lado de Feynman tocando bongôs. O carro ficou deteriorando em uma garagem até que foi arrebatado por Seamus Blackley, o “pai” do Xbox, o console de games da Microsoft. O veículo passou por um belo trabalho de restauração e agora roda os Estados Unidos em exibições que lembram o físico, um dos pioneiros da eletrodinâmica quântica.

Obituário no Jornal do Brasil, em 16/02/1988
Nosso herói partiu para outra em 15 de fevereiro de 1988, aos 69 anos. Não conseguiu vencer um tipo de câncer abdominal.


Uma bela homenagem foi prestada pelo músico John D. Boswell, que criou o projeto Symphony of Science. Sua premissa é bem interessante: com o auxílio de programas, consegue “musicar” a fala – retirada de diferentes fontes – e sincroniza-la com sons musicais. Assim, temos uma constelação de cabeças pensantes da ciência em clips musicais. Já viram Carl Sagan cantando? E Richard Dawkins? E Neil deGrasse Tyson? E Stephen Hawking? Este nem conta, pois participa de dois discos do Pink Floyd.

Richard Feynman aparece em vários vídeos do projeto Symphony of Science. Em destaque em “We Are All Connected” e “The Quantum World”. Ver é crer. Science rocks!

"We Are All Connected"

Carl Sagan's lyrics written by Carl Sagan, Ann Druyan and Steven Soter)

[deGrasse Tyson]
We are all connected;
To each other, biologically
To the earth, chemically
To the rest of the universe atomically

[Feynman]
I think nature's imagination
Is so much greater than man's
She's never going to let us relax

[Sagan]
We live in an in-between universe
Where things change all right
But according to patterns, rules,
Or as we call them, laws of nature

[Nye]
I'm this guy standing on a planet
Really I'm just a speck
Compared with a star, the planet is just another speck
To think about all of this
To think about the vast emptiness of space
There's billions and billions of stars
Billions and billions of specks

[Sagan]
The beauty of a living thing is not the atoms that go into it
But the way those atoms are put together
The cosmos is also within us
We're made of star stuff
We are a way for the cosmos to know itself
Across the sea of space
The stars are other suns
We have traveled this way before
And there is much to be learned
I find it elevating and exhilarating
To discover that we live in a universe
Which permits the evolution of molecular machines
As intricate and subtle as we

[deGrasse Tyson]
I know that the molecules in my body are traceable
To phenomena in the cosmos
That makes me want to grab people in the street
And say, have you heard this?

(Richard Feynman on hand drums and chanting)

[Feynman]
There's this tremendous mess
Of waves all over in space
Which is the light bouncing around the room
And going from one thing to the other
And it's all really there
But you gotta stop and think about it
About the complexity to really get the pleasure
And it's all really there
The inconceivable nature of nature

“The Quantum World”

[Morgan Freeman]
So, what are we really made of?
Dig deep inside the atom
and you'll find tiny particles
Held together by invisible forces

Everything is made up
Of tiny packets of energy
Born in cosmic furnaces

[Frank Close]
The atoms that we're made of have
Negatively charged electrons
Whirling around a big bulky nucleus

[Michio Kaku]
The Quantum Theory
Offers a very different explanation
Of our world

[Brian Cox]
The universe is made of
Twelve particles of matter
Four forces of nature

That's a wonderful and significant story

[Richard Feynman]
Suppose that little things
Behaved very differently
Than anything big

Nothing's really as it seems
It's so wonderfully different
Than anything big

The world is a dynamic mess
Of jiggling things
It's hard to believe

[Kaku]
The quantum theory
Is so strange and bizzare
Even Einstein couldn't get his head around it

[Cox]
In the quantum world
The world of particles
Nothing is certain
It's a world of probabilities

(refrain)

[Feynman]
It's very hard to imagine
All the crazy things
That things really are like

Electrons act like waves
No they don't exactly
They act like particles
No they don't exactly

[Stephen Hawking]
We need a theory of everything
Which is still just beyond our grasp
We need a theory of everything, perhaps
The ultimate triumph of science

(refrain)

[Feynman]
I gotta stop somewhere
I'll leave you something to imagine

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