sexta-feira, 24 de junho de 2016

Hello, ISS!

Pirâmide da Legião da Boa Vontade, em Brasília, em contraste com o céu azul sem nuvens
Em Brasília e região, o inverno de 2016 parece ter se instalado nos moldes clássicos de todo ano: nenhuma chuva (isso, o inverno do cerrado é seco), umidade cada vez mais baixa e frio.... Bem, frio para os padrões do nordeste do centro-oeste brasileiro. Não é como em certas regiões do sul-sudeste do País. A temperatura raramente chegando abaixo dos dois dígitos. Quente de dia, sempre, e "frio" à noite, quando as poucas nuvens permitem a dispersão do calor da superfície na atmosfera.

Brilha, brilha, estrelinha:
À direita da árvore, Sirius (Canis Major); à esquerda, Canopus (Carena do Navio)
Com algumas exceções, a noite sempre limpa dessa época favorece a observação celeste a olho nu. E é algo inebriante olhar o céu, a lua, as estrelas, as constelações, os satélites artificiais, e claro, a Estação Espacial Internacional (International Space Station), que volta em temporada de aparições, neste quadrante, sempre ao anoitecer e antes do amanhecer, que é quando, iluminada pelo sol, pode ser vista em contraste no céu escuro, pelo observador em solo.

Parece uma estrela passando (não tão) rápido, mas é a ISS

ISS, o terceiro objeto mais brilhante no céu
Só a parte do centro é habitável
Do tamanho de um campo de futebol

O maior objeto construído pelo homem no espaço, a ISS é tida como um satélite artificial habitável. Tem mais ou menos o tamanho de um campo de futebol, seja o futebol americano ou o soccer. E não foi construída de uma vez só. A primeira parte subiu ao espaço em 1998, quando os módulos começaram a ser montados. É um imenso laboratório de pesquisas espaciais em condições de microgravidade.

Na baixa órbita da Terra
Este engenho é capaz de dar 15,5 voltas na Terra por dia, o que significa, para a tripulação, ver essa quantidade de vezes o sol nascer e se pôr. Lá embaixo, as guerras, as mazelas, o amor, o ódio, as belezas, as ameaças, a natureza animal e mineral, o mundo pequeno dos homens.

Na cúpula da ISS
Astronauta Karen Nyberg
Hello, Earth
Astronauta Tracy Caldwell Dyson
De fato, os astronautas têm visão privilegiada, pois embora esteja no espaço, a ISS se encontra na baixa órbita da Terra, qualquer coisa entre 350 e 440 quilômetros acima de nossas cabeças.

Os mais céticos podem até dizer que se trata de uma caríssima nave - e pouco importa que seja internacional e não exclusivamente norte-americana -, capaz de vasculhar com câmeras e sensores poderosos os quatro cantos da Terra.

O tanto de vezes que a ISS já rodou a Terra e esquadrinhou cada metro quadrado de chão ou de água, contando ainda com a ajuda de inúmeros satélites e sondas, significa que o planeta foi (e continua sendo) todo mapeado e essa informação valiosa é capaz de determinar a localização exata de inimigos, ver em detalhes o que os norte-coreanos e o Estado Islâmico estão fazendo. O melhor de tudo, como está muito alta, ninguém - por enquanto - parece ter mísseis balísticos capazes de derrubar algo assim, com precisão, na órbita terrestre.

Deixemos um pouco de lado as teorias da conspiração, os americanos não estão sozinhos nessa. O objetivo aqui é a coisa lúdica, conseguir ver a ISS passando, ainda que daqui de baixo, como dito, ela pareça um ponto brilhante, passando mais rápido que um avião.

Só avistamos a ISS porque estamos na sombra

Usando poucos recursos, Mr. Menezes bem que tentou fotografar a ISS, utilizando exposição de 15 ou 30 segundos de abertura. Outros também obtiveram resultados semelhantes. Fotografar um ponto brilhante em movimento no céu escuro só pode resultar em uma linha. Nas fotos, a ISS é um risco no céu:

ISS. Foto: Mr. Menezes

ISS. Foto: Mr. Menezes

ISS. Foto: Mr. Menezes

ISS e um avião cruzam trajetórias. Foto: Mr. Menezes

ISS. Foto: Dave Walker

ISS. Foto: George Kristiansen

ISS. Foto: Tony Travaglia
E como é possível saber onde e quando a ISS vai passar? No site Spot The Station, a NASA nos informa, bastando preencher os campos de localização (país, estado, cidade). A agência espacial norte-americana também nos informa esses dados em aplicativos para smartphones. Cinco minutos antes da aparição, o deslumbrado recebe a informação com a data, hora, duração, elevação máxima, altura de aproximação em relação ao horizonte e também o grau de elevação com que desaparece. O resto é com a cabeça sonhadora que se alegra em saber que um grande feito da humanidade passa sobre nós.

App da NASA informa quando a ISS vai passar
Brasília vista da ISS

Lua cheia de 21 de junho sobre a China.
Foto: Jeff Williams, comandante da ISS (Expedition 48)



sexta-feira, 17 de junho de 2016

Airton Lugarinho, astrônomo sem telescópio

“A contemplação desse mundo me atrai como uma libertação”. Albert Einstein (1879-1955)

“Não há deuses e heróis no discurso científico”. Airton Lugarinho (1950-)

A Via Láctea
Guardadas sempre as exceções, difícil achar um único ser humano que não tenha atinado ou no mínimo ficado abismado com a grandeza do céu, a infinidade das estrelas, os mistérios além-mundos. Seja da parte da religião ou da ciência, o deslumbramento com o infinito é provável não seja coisa dos atuais humanos.

Australopithecus africanus (3.000.000 de anos atrás?)
Quem sabe as gerações precedentes, os proto-humanos, já não sentiam o mesmo que eu e você quando de súbito nos deparamos com uma lua gigante no horizonte? Quando foi mesmo que o meio símio, meio homem começou a ter prazer estético olhando para cima?

Constelações do Sul no horizonte de Bogotá (Colômbia)
Cruzeiro do Sul em destaque sobre o céu de Brasília
É verdade, temos pouca consciência de nosso papel no Universo, mas eis uma assertiva: perceber as coisas do céu, admirar sempre a lua, o movimento rotacional que faz o mapa celeste girar, as conjunções dos planetas, o desenho das constelações, talvez tudo seja um tanto romântico e sonhador. Mas talvez tenha sido a partir dessa percepção que muitos tenham se aventurado na ciência da Astronomia. Auditório, uma salva de palmas para os sonhadores, os astrônomos.

Aglomerado de estrelas, em Alfa Centauri (Foto: Hubble)
Com o auxílio de instrumentos potentes de observação, é claro, os sonhadores afirmam: o Universo está se expandindo. O mais louco: outros românticos, bêbados de ciência, dizem que existe uma matéria escura e uma energia escura compondo a maior parte de tudo e para além das bordas do Universo. E se não bastasse, outros sonhadores-românticos afirmam que na verdade não existe só um Universo, mas vários, o Multiverso.


Se tudo parece muito complicado, relaxe. Um bom guia para acalmar o desespero é o livro “Contos das Mil e Muitas Noites – Olhando Para as Estrelas”, do astrônomo Airton Lugarinho, atual diretor do Planetário de Brasília.


Lançado em 2013, pela editora da Universidade Católica de Brasília, a obra tem o título que parafraseia a lendária coleção de episódios “As Mil e Uma Noites”. Nesta, como é sabido, Sherazade conta histórias ao rei, sempre interrompendo a narrativa, para continuar na noite seguinte. Em verdade, um estratagema da jovem, pois o rei, tomado pela loucura, havia prometido ter uma mulher a cada noite, matando-a na manhã seguinte, pois dessa forma não seria mais traído etc e tal.

Airton Lugarinho, em sua sala, no Planetário de Brasília
Com todo o respeito, Airton Lugarinho não é exatamente uma Sherazade, mas “acrescenta” contos para outras tantas noites, em uma fantástica viagem intelectual (sem o pedantismo, ok?), encharcada de cultura, que só o livro, a leitura pode proporcionar.

Interessante, já no primeiro capítulo, a constatação de que a aventura do conhecimento se mistura com a história da evolução. Bem ao estilo de quem entende a Astronomia como ciência holística, Lugarinho nos conduz por caminhos multidisciplinares, que passam pela história, a filosofia, a psiquiatria, a ciência, enfim, para nos dar conta de que, sem o entendimento amplo; sem a mente aberta, nosso destino são as trevas da ignorância, o ódio e a autodestruição.


Airton Lugarinho nos estende a didática de modo generoso. Para além das valiosas informações trazidas à luz do entendimento, nos proporciona ainda com valiosos apêndices e anexos, desses que valem a leitura a qualquer hora do dia.

O viajante sideral não pode deixar de conferir o glossário de termos astronômicos e físicos, muito menos ficar sem o glossário onomástico, que vai de John Couch Adams (1819-1892) a Fritz Zwick (1898-1974), passando por Alexandre Magno (356 a.C.-323 a.C.), Nicolau Copérnico (1473-1543), Galileu Galilei (1564-1642), entre tantos outros que gravaram o nome no Livro de Ouro da Astronomia.



No momento, o anexo preferido de Mr. Menezes é “A Carta de João Faras”, documento que todo brasileiro, toda pessoa inteligente, deveria conhecer e admirar. Lugarinho reproduz a missiva de Mestre João, físico, astrônomo e médico espanhol que integrou a expedição de Pedro Álvares Cabral (1467-1520), aquela que “descobriu” o Brasil.


Endereçada ao Rei D. Manuel I (1469-1521), com a data de 1° de maio de 1500, a carta informa à realeza de Lisboa sobre aspectos de localização da Ilha de Vera Cruz no globo terrestre. É o documento que prova a tese de que, em verdade, os portugueses já sabiam da localização do Brasil e só vierem tomar posse quando a esquadra lusitana aportou em 22 de abril de 1500, ao sul da Bahia.

“... mande Vossa Alteza trazer um mapa-múndi que tem Pero Vaz Bisagudo e por aí poderá ver Vossa Alteza o sítio dessa terra”, afirma o astrônomo real.

A Carta de João Faras só veio à tona em 1843, quando foi publicada na revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

Mr. Menezes teve a oportunidade de conversar com Lugarinho, no Planetário de Brasília, antes mesmo de ler os “Contos das Mil e Muitas Noites”. A entrevista, portanto, não faz referência ao livro, mas encontra-se no contexto da obra em questão.

Lugarinho verifica o entusiasmo do público quando da passagem de Mercúrio pelo Sol 
Professor, astrônomo, o carioca Airton Lugarinho de Lima Câmara é diretor do Planetário de Brasília, desde 2015. Breve currículo:


Formou-se nas fileiras do Colégio Pedro II (“com muita honra”), de onde confessa que matava as aulas de Geografia para assistir às de Filosofia. Desistiu da Faculdade de Medicina e fez vestibular para Física. Encontrou-se na Astronomia, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Trabalhou no Planetário do Rio de Janeiro e foi convidado para vir a Brasília, em 1980.

Antes, adolescente, havia morado em Brasília, no período 1964-1965. Voltou para o Rio com a família. Transferência para a capital só foi concretizada em 1982. Passou 14 anos trabalhando na Editora da UnB (Universidade de Brasília), experiência que resultou na edição de 280 livros e na obra, manu própria, “No Mundo dos Livros”. Este, é perfeito para editores, revisores, escritores, jornalistas e outros artífices da palavra.


Além da principal obra aqui comentada, Airton Lugarinho também é autor de “Introdução à Astronomia do Sistema Solar” (Ed. Brasiliense), livro esgotado e que virou raridade nos sebos.

Fachada do Planetário de Brasília

Blog do Hektor – O senhor exerce a função de diretor do Planetário de Brasília, desde 2015. Porém sua ligação com a instituição é anterior ao convite feito pelo atual Governo do Distrito Federal.

Airton Lugarinho – Em 1982, quando concretizei a minha transferência do Rio de Janeiro para Brasília, o Planetário da capital estava funcionando, mas era completamente diferente do atual. Ele foi fundado em 1974 e funcionava de maneira precária. Éramos ligados à então Fundação Cultural do Distrito Federal. Só a cúpula do Planetário funcionava. No primeiro andar era um aquário que nunca puseram água.

BH – Um aquário dentro de um planetário?

AL – É estranho, mas foi a ideia do arquiteto. No subsolo havia um tanque, que deveria ser usado para climatizar os peixes que depois seriam levados lá para cima. Essa estrutura também nunca funcionou. Era um prédio bastante desconfortável, todo fechado, com ar condicionado; era todo pintado em mostarda, não tinha janelas e era forrado com carpetes. Não era um ambiente muito salubre. Fiquei nele até 1989, trabalhando como astrônomo. Na época, havia um convênio entre a Fundação Cultural e a Fundação Educacional do DF. Quem trabalhava no Planetário eram professores. Eles é quem recebiam os alunos. Aí recebi um convite, na época em que o professor (e atual senador pelo PDT) Cristóvam Buarque era o reitor da Universidade de Brasília (UnB), para ir para lá cuidar da revista Humanidades. Acabei ficando 14 anos na UnB, na revista e na editora da universidade.

BH – Chegou a dar aulas de Astronomia na UnB?

AL – Não. Só existe um curso de Astronomia no Brasil, fica na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

BH – Só esse?

AL – Só e a nossa profissão nem é regulamentada. A de astrólogo é. Pulando no tempo, em 2001, fui convidado pela Secretaria de Ciência e Tecnologia para trabalhar no projeto de reabertura do Planetário, que estava fechado fazia 16 anos. Fiz o projeto dos espaços.

BH – E quanto ao equipamento, o planetário?

Spacemaster, 1974
AL – Isso foi posterior. Todo aparelho que simula o céu com projeções se chama planetário. Aqui temos dois planetários, um analógico e outro digital. O analógico funciona perfeitamente desde 1974. A Zeiss, empresa alemã fabricante dos dois aparelhos, desenvolveu o planetário especialmente para a gente. A curiosidade é que não tiramos o antigo do lugar. O fabricante desenvolveu o digital com oito projetores, de modo que a sombra do Spacemaster, o antigo, não interfere nas projeções do novo equipamento. O Spacemaster é muito poderoso, o “céu” dele é muito bonito, ainda bem que não foi desmontado. Ele continua sendo utilizado nas aulas “ao vivo” aqui no Planetário de Brasília.

Planetário de Brasília (Foto: Bento Viana)
BH – Não deve ter sido fácil reformar o planetário.

AL – Os arquitetos que venceram a licitação da reforma fizeram milagre. O trabalho ficou bem feito, o Planetário ficou muito bonito. Em julho de 2013 eu me aposentei da Secretaria de Educação do DF. O Planetário foi reinaugurado em outubro de 2013. Quando o governador Rodrigo Rollemberg assumiu, fui convidado para dirigir a instituição.

BH – O que o senhor acha que todo planetário deve ter e que não pode faltar no daqui de Brasília?


Público assiste à passagem de Mercúrio pelo Sol, do lado de fora do Planetário de Brasília, maio de 2016

AL – Diversidade de atendimento, tornar esta casa não só de Astronomia, mas multidisciplinar. Vamos abrir uma exposição com reproduções em painéis de obras de arte do Museu do Louvre. O público vai ver a obra contextualizada no tempo. Tipo, o que a astronomia sabia naquele tempo. Temos a visão de mundo da Renascença, do Egito antigo, da Mesopotâmia. As obras não têm a temática astronômica. Apesar disso, os autores  estavam impregnados do conceito de mundo da época em que viveram. A ideia é que as pessoas vejam a reprodução de obras de arte e tenham também a informação científica.

BH – Interessante. Imagino que um artista que viveu na Europa durante a Idade Média devia estar no “sal”, como dizem. Sabemos que a Igreja tinha a palavra sobre os assuntos da ciência. Parece que nesse tempo, a Astronomia era mais avançada no mundo árabe e muçulmano, não é verdade?

AL – Isso. A matemática também era muito avançada e surpreendentemente desenvolvida. É estranho ver o estado em que se encontram hoje. Nós só conhecemos o pensamento grego por causa deles. As obras gregas foram todas queimadas na Biblioteca de Alexandria por um bispo, que tocou fogo em tudo. Mas os árabes adoravam os gregos. Eles traduziram para o árabe muitas obras. Ao invadirem a Península Ibérica, reintroduziram na Europa as obras gregas; essas foram traduzidas do árabe para o latim e circularam a Europa. Foram os árabes que apresentaram aos medievais a cultura grega. Ela estava perdida.

BH – O que se conhecia era romano?

AL – Sim. Na matemática, até hoje temos nomes árabes. Algarismo era o nome de um matemático. Essas coisas – a época do pintor e o modo como vivia – estarão permeando a exposição com as reproduções do Louvre. Ressalto aqui outras atividades importantes que realizamos no Planetário, como a feira de troca de livros e as colônias de férias. Para se inscrever nessas, os responsáveis devem trazer um quilo de alimento não perecível. É o mesmo ingresso das sessões do Planetário. Podemos atender 20 crianças por dia. Além das sessões, elas participam de oficinas. A construção de foguetes com garrafas PET é um sucesso entre a meninada. Já viu? Eles voam com água sob pressão.


BH – Acho que já vi essas coisas. A gente sabe que a Astronomia é ciência das mais importantes e acumula informação em qualidade e quantidade incomensuráveis. Na sua avaliação, o brasileiro médio se interessa por esses assuntos? A Astronomia encontra-se disseminada na cultura brasileira?

AL – Acho que o interesse é muito grande, mas a oferta é muito pequena. Quando se oferece algo nesse campo, o retorno do público é muito grande. A gente vê que as pessoas estão ávidas por isso. No ano passado, recebemos 93 mil pessoas aqui no Planetário de Brasília. No primeiro trimestre deste ano, esse número já chega a 17 mil. Já que este Planetário ficou fechado por tanto tempo, nosso propósito é bota-lo na “boca do mundo”. Já tivemos saraus, com os food-trucks, o pessoal do Clube do Choro veio tocar.


BH – A feira de troca de livros, a intenção dela foi aproximar o público do Planetário?

AL – Sim. Fiquei contente com a resposta do público. Percebi que o livro ainda tem importância na vida das pessoas. Nessa feira, a restrição foi não trazer livros religiosos, de piadas, catálogos de turismo e livros técnicos. Em uma única feira, ficamos com mais de 1.500 livros, doações que as pessoas fizeram. Faremos uma triagem deles; o que servir, ficará em nossa biblioteca. Os outros serão doados. Na verdade, estamos organizando e pretendemos em breve abrir a biblioteca.

BH – Muito bom ouvir essas coisas. Acho que estamos diante de um renascimento do Planetário como polo cultural. A cidade agradece.

AL – Já fizemos concerto de música romântica aqui dentro. Foi no Dia dos Namorados. Ligamos o céu, da cúpula do Planetário. Também tivemos um quarteto de cordas, que tocou na abertura da exposição de painéis sobre o Universo, que ocupou as paredes do primeiro andar. Essa é ideia: a pessoa que vier ao Planetário, aprende sobre ciência, e pode apreciar arte.

BH – Mais uma vez, acho que o Planetário faz um bem enorme a Brasília. Que continue assim. Parabéns.

AL – Quando as escolas trazem os estudantes, todos saem entusiasmados. Digo que o Planetário é uma máquina de transformar aluno. Depois que chegam e entram em contato com o céu estelar e com o espaço sideral não saem os mesmos. O que isso significa? Significa que o professor vai receber de volta novos alunos. Estes vão procurar saber, vão questionar, vão se aprofundar.

BH – De cada mil, se um resolver virar astrônomo, acho que já lucro.

AL – Um em mil é sorte. E virar astrônomo eu não sei, mas vai se interessar pelo estudo de ciências. A Agência Espacial Brasileira nos deu um foguete inativo. Tem 12,5 metros. Está sendo pintado. Quando ficar pronto, vamos colocá-lo ao lado do Planetário. Imagina quando as crianças virem esse foguete de perto.

BH – Muito legal. Vejo que por trás de tudo parece uma vontade de incutir no jovem a sede por um conhecimento mais amplo. Temos um céu sobre nossas cabeças, um conhecimento infinito, que não deixa você se fechar.

Astrônomo antigo: Galileu Galilei (1564-1642)
Astrofísico moderno: Neil deGrasse Tyson (1957-)
AL – A Astronomia não deixa a gente se fechar. Ela é uma ciência peculiar. Ela não gera tecnologia, mas sim conhecimento. A Engenharia faz um robô, uma ponte. Com ela, você desenvolve técnicas de construção de uma barragem. A Astronomia, não. Você não pode pegar Saturno e fazer um experimento direto com ele. Como disse, não gera tecnologia, porém a Astronomia é calcada em enorme espectro de ciência. Você não faz Astronomia sem Matemática, sem Física; você não pensa em Cosmologia sem Filosofia. O Planetário da Escola Naval de Washington fez um estudo e concluiu que em uma cúpula de planetário é possível focar em 247 assuntos diferentes. Inclui aí Geografia, Física, Química.... A Astronomia bebe em um número tão grande de fontes, acho que é por isso que a cabeça do astrônomo seja tão ampla. Claro, estou puxando a brasa para a minha sardinha. Repito: a cabeça de quem lida com a Astronomia é forçosamente mais aberta, porque você precisa ser permeável a diversas formas de saberes.

BH – O astrônomo é uma pessoa que vive literalmente no mundo da lua.

Planetário da Gávea, Rio de Janeiro
AL – Inclusive a Filosofia, que normalmente é evitada pelos cientistas. Quando estava no Rio de Janeiro, lembro de uma experiência. Uma determinada empresa levava seus diretores para o Planetário e os deixava observando o céu na cúpula por uns 20 minutos, com música clássica tocando ao fundo. Depois, eles debatiam as coisas da empresa, todos relaxados e objetivos. A empresa considerava funcional essa atividade e repetia a experiência anualmente. Aqui dentro, em contato com o céu, você praticamente estica mão e pega ele. Quem faz isso se transforma.

Museu da República sob o céu de Brasília
BH – Falando sobre o céu de Brasília, o senhor veio para cá em 1964. Naquela época, chamou a sua atenção que nessa parte do Brasil temos um belo espaço para apreciar o céu? Digamos que as condições de altitude e de clima favoreçam essa observação.

Observatório no deserto do Atacama (Chile)
AL – De fato, aqui temos esse privilégio. O clima é seco. Nos desertos é onde se encontram os melhores telescópios. Veja o deserto do Atacama, no Chile: é frio e seco. Quando dizem que o céu está claro, para o astrônomo é o contrário. Para ele, céu claro é o céu escuro, sem lua. A luz lunar atrapalha a observação e influencia na visibilidade. Uma lua cheia é linda para o poeta, mas péssima para o astrônomo.

BH – A não ser que o astrônomo seja um poeta.

AL – Hahaha. É verdade. Mas veja, a luz da lua ilumina demais o fundo do céu. Se você tem muita água na atmosfera, isso ajuda a dissipar a luz. Na verdade, ilumina a atmosfera. Portanto, os melhores lugares para a Astronomia são aqueles de clima seco. Brasília é um desses lugares. Aqui é um ponto privilegiado.

BH – Diante do que o senhor está falando, não seria o caso de termos algo maior aqui, tipo um observatório?

Observatório do Valongo, Rio de Janeiro (Foto: UFRJ)
AL – A Universidade de Brasília (UnB) tem um observatório. Na fazenda dela, em Água Limpa, no Núcleo Bandeirante. Eles estão com alguma dificuldade em deslanchar, mas têm um telescópio razoável. Os problemas de construir um observatório são muitos. Aqui já não cabe por causa da poluição luminosa. No Rio de Janeiro, o observatório do Valongo, que pertence à Universidade Federal, onde estudei, fica no centro da cidade, atrás da Central do Brasil. Lá já não se faz mais observação, só tem aulas. Em 1977, quando me formei, a gente fazia observação e quando aumentava em 200 vezes o telescópio, só se via fumaça.

BH – Valongo é da época o Império?

AL – Ele é um pouco depois. O Observatório Nacional, sim, da época do D. Pedro II, que era um entusiasta da Astronomia.

Luiz Cruls (1848-1908)
BH – Luiz Cruls foi diretor do Observatório Nacional.

AL – Sim. E o Observatório Nacional fica em São Cristóvão, que também é um bairro superpoluído. Assim, os dois observatórios se uniram e construíram cúpulas de observação, no sul de Minas Gerais. A poluição luminosa nas cidades, incluindo Brasília, é muito grande.

BH – Interessante ouvir falar em ofuscamento do céu, a poluição luminosa. Parece que há uma dispersão muito grande da luz elétrica nessa direção. Isso é realmente um problema e afeta somente a Astronomia?

Cruzeiro do Sul
AL – O Cruzeiro do Sul tem, digamos, cinco estrelas visíveis. No Rio de Janeiro, você só vê três. As estrelas de brilho menor acabam ofuscadas. O céu pode estar limpo, mas a luz não deixa você ver os detalhes. No mato ou em uma praia deserta, o céu é inteiramente diferente daquele na cidade. Aqui no Planetário, as pessoas veem o céu que se via no passado ou então que só é possível ver nos lugares desertos. Nossos olhos são capazes de enxergar 6.300 estrelas, nos hemisférios Norte e Sul. As demais estão muito longe. As cidades com muita iluminação perderam essa capacidade de observação. A luz que está se projetando para cima, deveria vir para baixo, para iluminar a cidade. Há um desperdício da eficiência da iluminação. A luz literalmente vai para o espaço. Mas há solução. Nos Estados Unidos, o famoso observatório de Palomar recebeu ajuda da prefeitura, que se mostrou sensível a esse problema e adotou iluminação pública mais eficiente na região, de modo a não atrapalhar as atividades do telescópio.

Luzes de São Paulo (E) e Rio (D) em breve uma só (Foto: ISS/Nasa)
BH – Imagino que em muitas cidades norte-americanas, devido à iluminação, não seja possível ver os detalhes presentes no céu. Aqui em Brasília, temos o privilégio de ter um firmamento tão limpo.

AL – Sim, muito mais do que nas megalópoles. Em São Paulo, você não vê nada. Lá se juntam a poluição atmosférica com a luminosa. Lá, o Cruzeiro do Sul deve ter só uma estrela.



BH – Na região de Brasília, dependendo da época, vê-se de modo perfeito muitas constelações. O hemisfério Sul terrestre é mais privilegiado que o Norte? Digo, é mais propício à observação de estrelas a olho nu? Corrija-me se eu estiver errado.

AL – É porque estamos acostumados a ele. O pessoal do hemisfério norte acha o contrário.

BH – Nesse lado austral, o campo celeste não tem mais estrelas?

AL – Não.

BH – De qualquer forma, quem está no hemisfério sul não vê a estrela Polar, que fica sobre o polo Norte terrestre. E quem está no hemisfério norte não vê o polo Sul terrestre.

AL – Tudo depende da latitude. Tem um lugar onde você só vê o céu de um hemisfério. É nos polos. Se estiver no Polo Norte, você só vai ver o céu daquele hemisfério; se estiver no Sul, é o contrário. Em qualquer outra posição, você vê grande parte do hemisfério onde você está, e uma parte do outro. A iluminação é o que mais prejudica a visibilidade. Quem está no Equador vê os dois.

BH – Este céu de Brasília, é o mesmo que Luiz Cruls observou?

AL – Sim, mas não é o mesmo céu que estava acima de Platão, por exemplo. As estrelas se movem. Como estão muito longe a gente não percebe isso. Os insetos chamados efemerídeos, por exemplo, passam 20 anos enterrados no húmus da floresta. Um dia eles eclodem, saem, reproduzem e morrem, tudo em 24 horas. Vamos imaginar que esse inseto seja um astrônomo. Ele sai da terra, olha a floresta, faz o que tem que fazer e quando morre, está convicto de que a floresta é imutável. Ele não viveu o suficiente para ver a floresta mudar. Assim somos nós em relação às estrelas. Você nasce, cresce e morre e não vê as estrelas mudarem. Parece que o céu é imutável. Mas a humanidade já viu muitas modificações. Anotações feitas pelos gregos há 3 mil anos indicam que as estrelas mudaram de posição. Primeiro pensaram que eles estavam errados, mas de errado eles não tinham nada.

Eta Carinae, estrela binária
BH – Nessa percepção, li que Eta Carinae, na constelação Carena do Navio, era tida como uma estrela, depois verificou-se que é uma estrela binária, isto é, duas ao invés de uma.

AL – A Alfa do Cruzeiro do Sul, aquela que aparece ao pé da cruz, na verdade são seis estrelas. O sol é uma exceção. A maioria é binária, uma reunião de três, quatro, cinco, seis estrelas. Como estão relativamente perto uma das outras, nós não conseguimos distinguir. Tudo é uma questão de resolução do olho humano.

BH – Como astrônomo, o senhor deve ter um real interesse pelas questões filosóficas. Não sei se foi isso que o impeliu a buscar esses estudos. Quem somos nós, de onde viemos, para onde vamos, essas coisas aqui no grão de areia do vasto oceano cósmico. O senhor tem religião?

AL – Não, sou ateu convicto.

BH – Desde quando? Foi batizado católico?

AL – Fui batizado, mas criado em uma família espírita. Quando estava perto de me formar, fiz meu trabalho de conclusão de curso em cosmologia e me vi diante de um tripé. A cosmologia só entrou para o campo da ciência, em 1932. Até então, pertencia ao domínio da filosofia. Eu me vi diante dos pensamentos filosófico, religioso e científico. E vi que tinham coisas (nesses pensamentos) que eram incompatíveis. Por exemplo, até (o Papa) João Paulo II a Igreja não aceitava o Big Bang; dizia que o mundo havia sido criado 6 mil anos antes de Cristo. Isso é uma sandice. Você encontra pedras mais velhas que isso. Dinossauros são muito mais velhos que isso. A existência do dogma despertou em mim que algo estava errado. É igual aos políticos: quando não deixam você discutir uma coisa, é porque querem esconder outra.

BH – Até então, o senhor era religioso.

Hypollite Léon Denizard Rivali (Allan Kardec) (1804-1869)


AL – É, eu participava, assistia os cultos dentro do Espiritismo. Aí comecei a ver que eles diziam muita bobagem. Alan Kardec defendia a ideia de que em Mercúrio haviam seres muito atrasados, que se arrastavam pelo chão; que em Júpiter os gênios reencarnavam: Mozart vivia em Júpiter. Achei tudo muito fantasioso e passei a acreditar que havia algo errado.

Detector Atlas, Laboratório CERN (Suíça)
Colisão de partículas em busca do Boson de Higgs
BH – Ouvi falar disso. É uma tese interessante. Não sou religioso, mas será que os espíritas não estão falando em um sentido figurado, isto é, mencionam a vida em outra dimensão, a qual nós aqui não conseguimos ter acesso, mas de alguma forma a vislumbramos? Na busca pelo Bóson de Higgs alguns cientistas chegaram a falar que na verdade não existe um único universo, mas um multiverso. Isso tange totalmente a filosofia, uma vez que não temos instrumentos científicos e nem entendimento capazes de provar tal coisa. Quando as religiões falem em Deus, não usam uma linguagem cifrada? O senhor se interessa por esses dilemas?


AL – Depende. Para quem acredita em Deus não é um dilema, está certo que Ele existe. Quem não acredita, está certo que Ele não existe. O dilema é quando essas duas coisas se encontram. O Bóson de Higgs, para mim, é um dilema. Uma parte dos cientistas afirmam que nada encontraram, que o Bóson de Higgs não existe. Outros estão convictos que encontraram. Isso é um dilema, pois são pessoas do mesmo grupo. Quando você coloca frente a frente um ateu e um religioso, não há dilema, mas confronto. Um físico acredita no Bóson e o outro físico não acredita, é um dilema porque eles falam a mesma linguagem. Eu não tenho dúvidas em relação ao universo. Acho que ele nasceu do Big Bang. Não tenho dúvidas em relação a não existência de Deus.

BH – Deus e Cosmos são palavras similares?

AL – Não, de modo algum. Pelo simples fato de que o Cosmos não tem vontade. Deus, necessariamente, tem vontade. São coisas incompatíveis.

BH – A noção de Deus pressupõe essa Vontade?

AL – Ele não criou o universo?

BH – Realmente, é complicado, pois muita gente considera Deus, não só o Criador, mas essa figura interveniente. Deus quis assim, Deus quis assado. Aquela criança morreu: Deus quis assim. Fulano passou no vestibular: vontade de Deus. Sabe como é, o cara tava doente, orou, fez a romaria e agora está curado.

AL – É, ele foi ao médico. O cara passa 12 horas na mesa de cirurgia, o médico usa uma competência de 40 anos para fazer aquilo, salva a vida e a família fala: “Graças a Deus”. Graças a Deus, uma ova! Graças ao médico. Por que não levam os enfermos para serem curados na Igreja? Ele não salva tudo?

BH – Olha, parece que as pessoas precisam preencher o vazio da vida, daí correm para a religião.

AL – O argumento de que a religião preenche, resolve seus anseios e angústias diante do universo.... Imagine você em uma praia deserta com um céu belíssimo. Você olha para tudo aquilo e se sente pequeno: você é religioso. Você olha para tudo aquilo e se sente parte do universo: você é ateu.

BH – Boa.

AL – Os religiosos do século XIX e os de hoje dizem que são “tementes a Deus”. Por que isso? Temente a Deus? Um Ser que é todo só amor, compreensão, perdão, você teme? Eu não temo o universo. Sinto-me parte dele. Quando eu morrer, o universo vai morrer comigo. O universo é um conceito.

BH – Em que sentido?

AL – Cada um tem uma visão do universo. Um grupo de pessoas, como os cientistas, têm uma visão do universo. O universo começou quando o homem passou a pensar nele. A parte material disso preexistiu à existência do homem. A descrição que o homem fez disso é o que conta. Cada um tem a sua visão. Quando morre uma pessoa, morre um universo. Quando o último homem morrer, o universo também vai se acabar. O que vai sobrar? Eu não sei.

BH – É difícil encarar o conceito de vida após a morte?

Nossa estrela, o Sol
AL – Totalmente impossível. O sol tem ferro, ouro, hidrogênio, hélio, todos os elementos da tabela periódica. Quando começou o universo, as estrelas só tinham hidrogênio. Esse hidrogênio, devido à temperatura e pressão formou o hélio. Ao formar hélio, libera energia. Com o passar do tempo, o hidrogênio vai acabando e começa a queimar hélio; daí forma carbono, berílio, as estrelas fabricam todos os elementos que conhecemos, incluindo o ferro. Quando forma o ferro, a estrela está fria e não consegue mais fundir átomos de ferro, que são muito pesados. A estrela, digamos, é uma bênção entre duas forças: uma de dentro para fora, que tenta explodir a estrela; e outra, a gravidade, de fora para dentro, que tenta esmagar a estrela. Enquanto houver esse equilíbrio, a estrela existe. Quando uma das duas ganha, ela deixa de existir. Quando a temperatura da estrela baixa, quando está cheia de ferro, ela encolhe, a gravidade ganha. A gravidade esmaga a estrela. Ao esmagar, a temperatura e a pressão interna ficam de tal violência que a estrela explode. Ela vira uma supernova. Toda essa matéria que ela fabricou é jogada para fora em uma nebulosa remanescente. Com o passar do tempo, essa velocidade vai sendo dissipada e a nuvem que se formou com a explosão faz com que as partículas em dispersão interajam uma com as outras. A parte mais leve que ficou no centro começa a aglutinar, formando uma protoestrela, como o sol, e o material mais pesado da nuvem forma os planetas. O sistema solar é fruto do renascimento.... Você percebe? O sol é uma reencarnação.

BH – Daí vem o aspecto religioso....

AL – É o arquétipo. A reencarnação está presente em vários discursos religiosos, não é só no Espírita. Os hindus, na Mesopotâmia, os gregos.... São arquétipos que nós trazemos. O sol é uma estrela reencarnada. Muitos dos conceitos religiosos são oriundos de verdades inconscientes. Eu lhe disse que antes de me formar em Astronomia, pela UFRJ, eu havia tentado seguir a carreira na Biomedicina. Em outra vida eu tive um pensamento ligado à Medicina.

BH – Como assim?

AL – Eu achava que queria a carreira Biomédica, fiz o curso, mas mudei e me encontrei como Astrônomo. Eu tive uma vida passada em que transitei pela área da Saúde. Você está entendendo?

BH – Não. Peço desculpa. O senhor não se considera ateu? Como pode estar falando em vida passada? Estamos falando de inconsciente coletivo?

AL – Quero dizer que esses conceitos são arquetípicos. Quando você faz hipnotismo e sofre regressão, quando vê o que você foi em vidas passadas, esses foram momentos da sua vida.

BH – O senhor já fez isso?

AL – Não. Vou dar outro exemplo. Um dos argumentos da vida após morte é quando o cara morre e ressuscita. Já viu esses casos de quase morte?

Kevin Bacon e Julia Roberts em apuros
BH – Acho que sim. Tem até um filme com a Julia Roberts sobre isso, não é? Eles induzem a morte, e tal.
Linha Mortal (Flatliners, 1990)
AL – Isso. Linha Mortal. É fantástico. As descrições são todas parecidas. A pessoa se vê em um túnel escuro, depois vem uma luz muito forte, ouvem-se vozes, pessoas de branco. Isso nada mais é do que a visão do parto. O túnel que está atravessando é o canal de parto. Ele está no escuro e é trazido à luz. Quem são as pessoas de branco? Os médicos. Quando está morrendo, vem a memória do instante do nascimento. Na hora da morte, o inconsciente libera as imagens do início. Cada vez que ouço uma descrição de quem esteve quase lá fico mais convicto que se trata de uma memória.

BH – Por que o senhor não se seduziu pelas ideias do Espiritismo?

AL – Porque não acredito na existência de espíritos.

BH – O senhor não tinha uma formação espírita?

AL – Tinha, mas desacreditei.

BH – A sua fé em outras coisas era maior?

AL – Se você quiser chamar de fé esse conhecimento, é com você.

BH – Fé no conhecimento. Muito bom.

AL – O ministro da Saúde não quer liberar remédio, afirmando que fé remove montanhas. Como é que o cara fala uma bobagem dessas? Se ele pode, eu também falo as minhas.

BH – O senhor tem telescópio?

AL – Não.

BH – Não tem o hábito de fazer observações do céu?

AL – Olha, você provavelmente não vai encontrar astrônomo que tenha um telescópio em casa.

BH - Sério?

AL – A diferença dos telescópios profissionais para os amadores é tão grande.

BH – Falo pelo simples prazer de olhar as coisas no céu, tipo as estrelas. Não tem essa curiosidade?

AL – Tenho essa curiosidade, mas a respeito das estrelas, observá-las geralmente é uma decepção. Daqui de longe parece só um pontinho. Quando você vê com o telescópio, não muda nada. Telescópio é bom para observar os planetas, a lua, as luas de alguns planetas. As estrelas estão muito longe. Com o telescópio percebe-se que uma estrela na verdade são duas ou mais.

BH – De qualquer forma, é um encanto magnífico olhar os astros com um telescópio.

AL – Não tenha dúvida.

O centro da Via Láctea
BH – Do mesmo jeito, é fabuloso entender a posição das estrelas. Perceber onde fica o centro da galáxia. Embora você não veja um ponto, é possível ter a referência. Nós aqui em Brasília somos agraciados com essa visão do polo Sul terrestre. Noite após noite há um espetáculo sobre nossas cabeças. Hoje é muito fácil ter um mapa do céu no smartphone. Se me permite, não posso deixar de mencionar que o nosso céu de brigadeiro também nos proporciona ver a passagem da ISS, a Estação Espacial Internacional. Tem um aplicativo da Nasa que avisa cinco minutos antes por onde ela vai passar.

International Space Station
AL – Sai de baixo que lá vem a ISS, hahaha. Você viu o filme “2001 – Uma Odisseia no Espaço”?

BH – Sim.

2001, A Space Odyssey (1968)
AL – Aquela cena da transformação constantemente me vem à cabeça. Aquela em que o primitivo joga o osso para cima.

BH – Sensacional.

AL – Você falou da ISS passando por sobre nossas cabeças. Pensei naquele osso que se transforma em uma nave.

BH – Li em algum lugar que o senhor afirma considerar a Astronomia uma ciência holística. Pode explicar?

AL – Por tudo isso que já falei. Você precisa lançar mão de diversos conhecimentos e fontes para chegar a determinados resultados. Igual ao médico-clínico que de tudo sabe um pouco. Talvez isso esteja em falta na Medicina atual. Lembra que o médico da família resolvia as coisas? Daqui a pouco, o cara vai ser especialista em dedão direito, mas não sabe nada do dedão esquerdo. A Astronomia vai por aí. Ela precisa de tantos berços. Ela é multidisciplinar por natureza.

BH – Na sua opinião, o Universo está se expandindo ou contraindo?

AL – Expandindo. Isso é fato mensurável.

BH – Não teremos, então, o Big Crunch?

AL – A questão é: ele vai parar de expandir? Para termos o Big Crunch, ele precisa parar de expandir e voltar.

BH – Isso é possível?

AL – É possível, mas depende da massa total que o Universo possui, o que ainda desconhecemos.

BH – Daqui a muitos e muitos e muitos e muitos anos.

AL – Nem os espíritas conseguem prever quantas vezes você vai reencarnar porque a Terra vai morrer antes.

BH – Ao que parece existe algo depois dos confins do Universo. Seria a energia escura?


AL – Particularmente não aceito essas teorias. Acho que é um artifício. Você precisa disso para explicar certos comportamentos. A velocidade de expansão do Universo, por exemplo. Você estima a massa do Universo, porém essa massa não consegue explicar a velocidade de expansão. Assim, eles lançaram mão da matéria escura e da energia escura. Essa matéria escura é mágica, porque ela não interage com a luz, não interage com nada, só segura o Universo. Isso é coisa de Mandrake.

BH – Vi em algum lugar que foi detectada uma radiação vinda do além fronteira do Universo.

AL – Dizem que 90% do Universo é formado por matéria escura. Se ela estivesse permeando dessa maneira, taparia o céu, não é?

Buraco negro (concepção artística)
BH – Não sei. Acho que as saídas são os buracos negros.

AL – É bem diferente. Acho que é um artifício, tal qual a constante cosmológica (λ). Criaram para dar explicação a algo ainda incompreensível.

BH – Einstein forjou a constante cosmológica (λ)?

AL – Forjou, não. Ele forçou. Mas depois declarou que esse foi o maior erro da vida dele. Ele não acreditava que o Universo estivesse se expandindo. Achava isso um absurdo.

BH – Essa expansão foi comprovada em 1929 por Hubble, não foi?

Albert Einstein (1879-1955) morde a própria língua
AL – Hubble, o homem. Não o telescópio. Ele proclamou a Lei de Hubble, mostrou a recessão das galáxias, esse troço todo. Einstein estava vivo quando esse negócio foi mostrado e mordeu a língua. A matéria escura nada mais é do que um “acochambramento”.

BH – Ainda não temos instrumentos para comprovar a existência da matéria escura?

AL – Acho que é uma questão de percepção. A razão real disso nós ainda não percebemos. Está na nossa cara. Não faltam instrumentos, nem Matemática e nem Física. Falta só juntar os pontos.

Terra, um pálido ponto azul (Foto feita pela Voyager, 1990)
BH – Incrível é a gente aqui nesse pontinho saber tudo isso.

AL – Acho que o segredo disso tudo está na medição do tempo.

BH – Como assim?

A relatividade resumida a uma equação



AL – Não sei se vou conseguir ser claro o suficiente. A relatividade nos ensinou que o tempo passa de maneira diferente perto de grandes massas. Existe uma coisa chamada “o tempo próprio”. Exemplo: eu vejo uma estrela sair daqui para um outro ponto em dez minutos. Mas para ela não foi dez minutos. Eu estou vendo uma separação angular. Uma mosca pousa nesta parede e voa para aquela. A minha percepção é a de que houve uma variação angular. Para ela foi uma reta. Ela levou o tempo dela para fazer isso. Eu levei o meu tempo para perceber a mudança. As trajetórias são diferentes. A percepção de tempo é função do observador. Acho que o que falta na equação da cosmologia, para perceber essa expansão, é levar em conta o tempo das galáxias, que estão se expandindo. Estão em recessão.

BH – Outro tempo.

AL – Outro tempo. Como a velocidade é uma função de espaço sobre tempo, se você tiver a noção de tempo errada, você vai ter uma velocidade errada. Acho que o Universo não precisa da matéria escura para explicar a velocidade de expansão. O que se precisa é ajustar o tempo. Estamos usando os referenciais da Terra para compreender algo que se passa a bilhões de anos-luz.

BH – Entendo. Quer dizer, não entendo. Mesmo que eu leia a explicação muitas vezes, a situação só piora. Acho que mais importante do que chegar lá é percorrer a trilha.

AL – Sabe aqueles carrinhos de bate-bate? O cientista é isso. Bate em uma parede, volta. Bate em outra, volta. Um dia você encontra o caminho.

Um dia, quem sabe, faremos contato
BH – O senhor tem algum tipo de crença em vida extraterrestre?

AL – Tenho 100% de certeza de que existe vida extraterrestre. E tenho 100% de certeza de que não existem discos-voadores. O Universo está pululando de vida. A dificuldade que temos de ir para uma estrela, é a mesma que eles têm para vir até aqui. As distâncias são tão grandes....


BH – O senhor não acredita que “eram os deuses astronautas?”.

Erich von Daniken (1935-): charlatão?
AL – Não. Erich von Daniken é uma fraude, sofre processo na Suécia. Se ele botar o pé lá, vai preso. Todas aquelas coisas que ele apresentou no livro dele eram falsas, fotos, desenhos. Imagina você vindo de nave de uma estrela, tipo Alfa-Centauri. Você vai desenhar macaco, aranha, para ajudar o seu companheiro a pousar? Qual é? O cara vem de outra estrela, para desenhar macaco lá no Peru? Apesar de o History Channel se esforçar em fazer você acreditar nessas coisas, tenha paciência. Você é do Pará? Eles mostraram uma história bizarra envolvendo a FAB por lá.

BH – O senhor participa desses congressos de ufologia?

AL – Jamais. Esse negócio de “será que estamos sós?”. Isso é bobagem. Nietzsche dizia que a vitória suprema do ser humano é conseguir ficar sozinho. Muita gente não consegue ficar só porque não se suporta. É o mesmo: a gente não consegue imaginar que está sozinho no Universo. Como dizia o Carl Sagan, é um desperdício muito grande de espaço se só houvermos nós aqui. Para viajar de uma estrela a outra, você precisa fazer isso ultrapassando a velocidade da luz, para ter alguma chance. O limite para isso não é tecnológico, achar que um dia você vai conseguir. O limite é cosmológico. Você não pode. Para alcançar a velocidade da luz é preciso usar toda a energia do Universo. A energia necessária para tanto é infinita. E não existe energia infinita. Então, ninguém vai chegar lá. Eles também não. Agora que a Voyager saiu do sistema solar.


BH – O senhor viu aquele filme, “Interestelar”?

AL – Vi. Não gostei. Muita “forçação” de barra, inverossímil. Cheio de paradoxos que não foram levados em conta. Fisicamente impossível.