sexta-feira, 10 de junho de 2016

Monsieur Verdeaux (versão brasileira)

Valeu, progarchives.com
Amamos prog, o rock progressivo. Isso, aquele som que os punks um dia juraram destruir. Esqueça por um instante a pompa e circunstância, os excessos e as maravilhosas capas de discos. Essas coisas mesmo tendo marcado o passado da música, nos deram obras-primas atemporais.
Pink Floyd - The Dark Side of the Moon (1973)

King Crimson - In The Court of The Crimson King (1969)

Yes - Close To The Edge (1972)
Jethro Tull - Aqualung (1971)
Mahavishnu Orchestra - Apocalypse (1974)

Clássicos tipo The Dark Side of the Moon (Pink Floyd); In The Court of The Crimson King (King Crimson); Close To The Edge (Yes); Aqualung (Jethro Tull); e Apocalypse (Mahavishnu Orchestra) são exemplos de longa lista de artistas que fizeram música para corações e mentes ao invés de apenas servir de fundo para o corpo dançar (o que não é de todo uma má ideia).

Mapa da França, por Michael Tompsett
Quando se fala no prog feito em França, a concordância é quase unânime de que este era um pouco diferente daquele feito no Reino Unido, a grande Meca mundial do gênero. Uma vez que o som progressivo se expandiu mundo afora, França também deu sua contribuição. Aficionados e entusiastas sabem que artistas franceses do tipo Ange, Ame Son, Magma, Jean-Michel Jarre, Zao, Harmonium, Shylock, Didier Malherbe, Gong (verdade, são franco-britânicos), Cyrille Verdeaux e seu projeto Clearlight, Lard Free, e Nemo podem ser colocados em pé de igualdade junto a colegas de gênero da Inglaterra, Alemanha, Itália e Estados Unidos.

Daevid Allen (1938-2015)

Da mesma forma, rola o entendimento de que a cena do progressivo no país de Danton & Robespierre é tributária de dois aspectos culturais considerados primordiais. Primeiro, o caldeirão fervente que misturou direitos políticos e noção de liberdade de maneira avassaladora a partir dos anos 1950. Incontestável a influência desse caldo de cultura nos mundos artísticos e acadêmicos. Em segundo lugar, houve um certo Daevid Allen (1938-2015), o australiano responsável pelo Gong, aquele combo psicodélico que lançou discos que falavam de chaleiras voadoras, duendes e You, magnífico álbum lançado em 1976.

Polícia de Paris detonando as barricadas estudantis, anos 60
O primeiro aspecto, o bafafá político-cultural teve óbvias conexões com o então mundo polarizado entre capitalismo e comunismo. Os embates ocorridos entre a direita e a esquerda são antológicos e preenchem muitas páginas da História. O Brasil e o seu “Oh, não. As coisas deram erradas por aqui” é um grande exemplo dessa contenda.

Protestos durante a ditadura militar. Rio de Janeiro, 1968
Digamos que 50 anos atrás, a ideologia permeava o que as nações decidiam e as escolhas da sociedade. Eis o substrato por trás da definição de fronteiras globais e da imposição do status quo dominante. Tudo isso teve reflexo na juventude dos anos 50/60, então formada pelas crianças surgidas ao longo da Segunda Guerra Mundial. O pico dessa refrega direita-esquerda aparece bem representado nas barricadas de rua dos estudantes parisienses e o maio de 1968.

Soft Machine, com Daevid Allen (primeiro d-e)
Quanto a Daevid Allen, antes de fazer história com o Gong, o cara já era conhecido como membro do Soft Machine, uma das grandes bandas prog de todos os tempos. Dizem que o progressivo começou em França depois que Daevid Allen para lá se mudou no final da década. A chegada foi meio acidental. O músico teve negada uma reentrada na Inglaterra, depois de uma excursão com o grupo pela Europa continental. O jeito foi ficar em Paris, lugar que Allen já conhecia e havia estabelecido conexões culturais.

Allen, um alien em Paris
Pode até ser que o prog francês não tenha começado exatamente devido ao problema de Allen com a migração. Fato é que o líder do Gong exerceu grande influência junto aos artistas franceses que embarcaram no gênero.

Cyrille Verdeaux, em Brasília, abril de 2016
Essa longa introdução serve para que a gente perceba o pano de fundo no qual aparece o já mencionado músico Cyrille Verdeaux, o homem por trás do legado da banda-projeto Clearlight. Antes de mais nada, monsieur Verdeaux mora em Brasília faz uma década. Ele aqui está porque assim deseja, ora. Embora não goste dos termos prog, progressivo, não deixa de ser uma maravilha que a gente tenha uma estrela do prog, um mestre do gênero aqui em nossa vizinhança na capital do Brasil.

Monsieur Verdeaux, herói do prog, em Brasília
Mike Oldfield, 1973
Nascido em Paris, em 1949, o pianista Cyrille Verdeaux é considerado o único artista francês que fez parte do cast da Virgin Records, famoso selo independente inglês criado nos anos 1970 pelo bilionário, aventureiro e empreendedor Richard Branson. Virgin Records, a mesma empresa que deu ao mundo o maravilhoso disco Tubular Bells (1973), composto e tocado quase inteiramente por Mike Oldfield, um dos heróis do som progressivo. Tubular Bells marcou época, ainda mais depois que virou sensação mundial ao ser usado em sequência do sinistro “O Exorcista”, filme do barra-pesada diretor norte-americano William Friedkin. O resto é história.


Virgin Records lançou Clearlight Symphony, o álbum que deu início à carreira de Cyrille Verdeaux, em 1975. Na cola do sucesso de Tubular Bells, Cyrille Verdeaux compôs e gravou Clearlight Symphony em Londres, em termos parecidos com a obra mais conhecida de Mike Oldfield. Duas longas peças, fantástico mix psicodélico de jazz fusion e symphonic rock. Nessa viagem, monsieur Verdeaux teve como companheiros de aventura, entre outros, os compatriotas Christian Boulé (guitarra) e Didier Malherbe (sax), bem como os membros do Gong, Tim Blake (coprodutor do álbum) e o estupendo guitarrista Steve Hillage.

Monsieur Cyrille Verdeaux
A história de Cyrille Verdeaux está bem documentada na internet. É possível achar biografia, discografia, atividades e pontos de vista em incontáveis sites em francês, inglês, espanhol, português, japonês, por aí. Além de sua música, é claro.

CD Baby é uma grande referência.

O que segue é uma entrevista com monsieur Cyrille “Clearlight” Verdeaux, feita em seu apartamento, uma tarde em Brasília. A conversa inicialmente deveria centrar em torno da música mas foi longe, alcançando aspectos como vida e morte, crenças políticas e filosóficas, religião, o meio ambiente global, como melhorar a saúde, Deus e manipulação sonora.

Se o visitante deste blog levar a leitura até o fim, é muito provável que fique a fim de ouvir a música de Cyrille Verdeaux. Esse é o propósito aqui. Portanto, relaxe, pegue um café, uma cerveja, um chá, um beque, um vinho, um copo d’água, o que for. E aproveite para passar um tempo com um cara que certamente você não encontra assim fácil, no seu dia-a-dia.

Cyrille e Fatima Verdeaux, com Miloux e Raphael (no sofá)
De antemão um agradecimento a Cyrille Verdeaux por dispor de sua paciência, elegância e tempo.

Blog do Hektor – Como você gosta de ouvir seu nome sendo corretamente pronunciado?

Cyrille Verdeaux – Meu nome é Cyrille “Verdô”. Como Bordeaux, mas pronuncia Verdeaux. Meu nome significa copo d’água, em francês.

BH – É daí que tirou a ideia do nome Clearlight?


CV – Clearlight vem do Livro Tibetano dos Mortos, o qual afirma que ao morrer você pode alcançar o sétimo céu. Meu primeiro álbum foi baseado nisso. Você passa por sete diferentes estágios até ver a luz, o túnel branco, os anjos e tal.

BH – Mitologia tibetana?

CV – Sim, tibetano, embora as escrituras egípcias lidem de maneira similar com o que acontece depois da morte. Na verdade, um grande mistério. Ninguém sabe, mas temos pistas de pessoas que estiveram naquele limiar entre a vida e a morte.

BH – Acredita em vida após a morte?

CV – Prefiro acreditar que sim, pois de outra maneira seria um tanto sem sentido viver neste planeta. Ao não acreditar, as pessoas se matariam ao menor problema, tipo: “Ah, eu não quero viver essa vida estúpida”, e bam! Um abraço. Mas se você crer em uma natureza diferente pronta a transcender a matéria, se torna mais fácil entender o conceito de uma vida futura.

BH – O plano pós-morte. Isso é um ponto de vista religioso?

CV – Só pequena filosofia, pois não sou religioso. Não creio em dogmas. Acredito que todos têm olhos, ouvidos e cérebros para entender o que se passa neste planeta tão especial.

BH – Você não tem religião. Você não é católico?

CV – Minha mãe me batizou católico quando eu tinha três meses de nascido. Éramos todos Católicos. Só que eu tinha três meses, ninguém perguntou a minha opinião.

BH – Agora você é livre.

A dúvida de Tomé, por Caravaggio
CV – Aos quatorze anos abandonei o Catecismo. Estava mais interessando em Budismo. Estudei e pratiquei o Budismo, as coisas que você precisa saber da sabedoria de Buda. Depois, fui para a Índia, onde descobri que os ensinamentos de Jesus Cristo eram melhores que a carga cármica ensinada pelos Hindus. Considero Buda e Jesus meus mestres. Ambos convergem nas coisas mais importantes. Assim, não há dificuldade.

BH – Quão melhores são os ensinamentos a que você se refere?

CV – Compaixão. Quando você vê alguém sofrer. Na Índia eles dizem: “Ah, esse cara tem carma ruim, daí merece o que acontece a ele. Deixa que morra”. Se você é pobre na Índia, eles não dão a mínima.

BH – Eles não conhecem compaixão pelo próximo?

Buda, o Augusto
CV – Os Budistas entendem melhor compaixão do que os Hindus.

BH – Talvez compaixão não seja algo que pertença exclusivamente aos Budistas e Cristãos. Parece ser uma coisa humana.

CV – Estou dizendo que os indianos acreditam firmemente nesses dogmas sobre carma ruim. É tipo, você sofre é “porque numa vida passada você praticou o mal, etc.”.

BH – Você não pensa assim.

CV – No fundo, prefiro ver as coisas como o Cristão deve ver. De todo modo, a Índia é um país muito especial; eles têm uma maneira de pensar e grandes mestres, como Yogananda, Krishnamurti, Yogi Bajan, Sri Aurobindo, etc. Não sei se você já esteve lá.

BH – Ainda não.

CV – É uma cultura muito desafiadora. Você não volta o mesmo se passar seis meses por lá. Agora, eles já são mais de um bilhão de pessoas. Quando estive na Índia, eram apenas 700 milhões. Isso foi 30 anos atrás. Acredito que a situação demográfica se encontra completamente fora de controle.


BH – Aqui no Brasil nós também somos um país superpopuloso, apesar de muitos brasileiros ignorarem isso. Esse é apenas um dos nossos inúmeros problemas.

CV – Superpopulação é um dos grandes problemas que a humanidade em breve vai encarar. Veja a poluição. Mais pessoas vão precisar de mais eletricidade, carros, empregos, comida. Mais gente, mais problemas com a poluição. Já estamos no limite.

BH – Isso é um grande problema. Mas como você vai fazer? Como você vai dizer para as pessoas: “Ei, não tenham filhos”?

CV – Bem, os chineses tentaram.

BH – É, mas viu no que deu.

CV – Agora, os chineses ultrapassam a marca de um bilhão e meio. Loucura. O país encontra-se todo poluído, o que só piora as condições de vida dos chineses.

BH – Apesar de a China ser imensa.

CV – Sim. Esse é o tipo da coisa sem solução. A não ser que você esterilize todo mundo, hahaha. Ou se tivermos algo tipo uma guerra atômica capaz de destruir 4 bilhões de pessoas.

BH – Imagine se tivermos essa guerra atômica. Provavelmente não teríamos uma segunda chance. As coisas parecem maiores agora, muito mais poderosas do que no passado. Cada país parece ter uma bomba ou no mínimo a capacidade de construir uma. Ao fim das contas, nunca sabemos o que os caras no comando estão fazendo para manter a paz mundial. Melhor acreditar ou ficar alerta de que bombas existem e vão ser usadas.

O irascível Donald Trump
CV – Tudo o que se passa politicamente nesse mundo me faz ficar contra. Todos os políticos, suas decisões, sou contra. Eles vão todos na direção contrária e isso todo mundo está vendo, não apenas eu. Por exemplo, você ouviu o que Donald Trump disse a respeito das mudanças climáticas? Do uso de combustíveis fósseis? E como tantos cidadãos americanos ficaram entusiasmados com declarações tão irresponsáveis? Só que ninguém liga para o que eu estou falando, hahaha. Nenhuma entrevista que dei jamais mudou o mundo. Mas me faz bem dizer as coisas. Fica para a posteridade. Quanto aos políticos, eles continuam a cometer erros, um após o outro. Mas, seriam “erros” ou parte de um plano para pouco a pouco tomar conta do poder, contra NÓS, O POVO? Como os radicais islâmicos tentam fazer com o mundo muçulmano.... Um bilhão e meio de indivíduos submetidos ao Corão e suas múltiplas e opostas interpretações. E não estou mencionando as coisas que acontecem aqui com a Dilma, o PT, Temer e a lista interminável de corruptos. Cadê O político decente que vai botar o Brasil de volta ao caminho certo?

BH – Olha, tá rolando um golpe de Estado por aqui.

CV – Golpe? Golpe se baseia em corrupção. Corrupção nessa magnitude deve ser punida, de modo a um dia cessar. Todo o processo contra Dilma foi feito segundo as normas constitucionais. Mais de 63% dos congressistas votaram pelo fim de seu mandato como presidente, e 70% dos brasileiros concordaram com essas medidas, segundo as pesquisas. Não tivemos militares nas ruas, portanto, cadê o “golpe”? Acredite, “coup” normalmente cobre as ruas de sangue e é feito de atos inconstitucionais. Não foi o caso aqui. Por isso não acredito em golpe. Maneira racional francesa de pensar, talvez.

BH – Embora discorde, respeito sua opinião. Ao mesmo tempo, neste país, se botarem todos na cadeia, haverá muito mais esperando na fila. Quem sabe uma herança maldita, algo que começou quando éramos colônia. A propósito, este foi um golpe à brasileira.

CV – Mas é a verdade. Tem muito dinheiro nesses paraísos fiscais. Muito mais coisas  sairão desse “Panama Leaks”. É esperar para ver. Estamos falando de um pequeno país e milhares de pessoas investindo ilegalmente seu dinheiro lá.


BH – Isso é capitalismo, amigo. Traga seu dinheiro e eu o multiplicarei. Sem regras e sem fronteiras para tanto.

CV – E por causa disso, os pobres pagam a conta. Os pobres, mais que a classe média, arcam com as consequências. Esqueça os ricos. Esses continuam a ser bilionários. Gastam em hotéis de luxo, vida de luxo, carros, mansões, mulheres. Acha que isso vem de dinheiro ganho honestamente? Não creio.

BH – Tudo isso proporcionado pela corrupção.

CV – Sim, o dinheiro enlouquece as pessoas. Enlouquece quando elas não têm, enlouquece quando têm demais. Se não tivéssemos corrupção, talvez a maioria estivesse na classe média. Não haveria mais pobres. Mais recursos seriam colocados na educação, na melhoria da saúde pública. Seria melhor. No entanto, veja o que acontece. Eles querem mais e mais e é preciso achar um bom lugar para esconder fortunas. Sabemos que isso ocorre mas não ouvimos falar de ninguém preso por esse tipo de corrupção.

BH – Toda essa loucura há de acabar um dia.

CV – É a decisão que os políticos não querem tomar: fim dos paraísos fiscais. É ilegal, porém eles continuam fazendo o de sempre. Perceba: as Nações Unidas poderiam criar regras em uma tarde. Só que os países jamais assinariam esse tipo de convenção. Porque os países precisam dessas coisas para uso em benefício próprio.

BH – Como você se define politicamente?

CV – Sou um anarquista e também crente em um todo poderoso e amado Deus. Não acredito nos políticos, nem no poder sagrado que vem de fora. Não preciso de ninguém decidindo o que é bom ou ruim. Tenho minha consciência, pois Deus está dentro de mim. Não preciso de nada de fora. Posso levar algo disso, por prazer, não porque seja necessário. Não preciso de livros nem de padres. Não preciso de dogmas, pois tudo que quero saber está dentro. Posso explicar usando um exemplo atual. Imagine que você é o computador (ou o mac); a fé, a conexão de internet e o Google, o poderoso Deus que acredito. De qualquer PC conecta-se facilmente a internet, o Google, e tem-se todas as perguntas respondidas. Creio que esse processo se passa com cada indivíduo. A fé em um Deus interior permite a todos estarem conectados.

BH – De que maneira se chega lá?

CV – Meditação, prática de yoga, esse tipo de atividade.

BH – Autoeducação, é isso?


CV – Autoconsciência. É preciso exercitar, malhar a autoconsciência. Você não nasce assim. É preciso trabalhar esse tipo de coisa, o que significa dedicar tempo a isso. Primeiro, acreditar na existência. É mais fácil encontrar quando você sabe o que procura. Obras escritas por verdadeiros mestres podem ser úteis, para se chegar aos lugares certos e seguir seus passos, na medida do possível. Recomendo “Autobiografia de Um Iogue”, de Paramahansa Yogananda. Esse livro foi muito útil em minha jornada espiritual, assim como foi na de muitos outros, acredito.

BH – Certamente essas coisas não vêm assim, fáceis.

CV – É possível trabalhar usando muitas técnicas, como yoga e meditação. Quando as pessoas praticam essas coisas, chega um ponto em suas vidas, quando bem lá no fundo elas conectam Deus e sentem Sua Presença Divina. Quando você Sente algo é difícil negar, concorda? Na Índia isso chama “Namasté”, a pura luz interior. E o que vem a ser isso? Uma parte de Deus, o Terceiro Ouvido, o Terceiro Olho....

BH – Você reserva um tempo em seu dia a dia para praticar essas coisas?

Nosso homem meditando sob o sol de Brasília
CV – Sim. Em um dado momento da minha vida quis ser professor de yoga, na Califórnia, anos 80. Tentei ser um mestre de yoga, mas não deu certo. Acho que vou ser um eterno estudante.

BH – Isso se reflete na sua música?

CV – Sim, porque faço música new age. Você fecha os olhos, toca e deixa a música fluir. Daí não ser preciso aquele tipo de som boom-boom-boom.

BH – Você gosta dessa rotulagem new age?

CV – Sim, fui um dos pioneiros do movimento, no início dos anos 1980, na Califórnia. Foi o melhor lugar para acontecer esse tipo de coisa. Californianos foram pioneiros em muitos domínios, sabia?

BH – Eles tinham estações de rádio new age, não? Como era naquele tempo?

CV – Tinham toda a estrutura de rede montada. Tudo funcionava muito bem. Estive na Windham Hill, fiz um disco de piano para eles.

BH – Você quer dizer, o selo new age Windham Hill, que lançou discos de George Winston?

CV – Sim, George Winston, Scott Cossu....



BH – Gosto disso. Nos anos 1980, aqui no Brasil tivemos muitos discos da Windham Hill nas lojas. Acho que venderam muitas cópias por aqui. Sei dessa coletânea Windham Hill Piano Sampler 83, com você em uma das faixas.

CV – “Messenger of the Son”, é o nome da faixa. Eu a compus como um réquiem após a morte acidental de meu filho. Ele tinha quarto anos.

Jonathan e Cyrille Verdeaux
BH – Ouvi falar. Meus pêsames, amigo. Essa faixa é uma música muito linda. Que melodia maravilhosa. Ele foi seu único filho?

CV – Também tenho filhas gêmeas, nascidas e vivendo na California. Nasceram lá, cidadãs americanas. Acho que prefiro assim, que sejam americanas e francesas. Dois passaportes, melhor que apenas um em nossos dias. Também tenho um garoto vivendo em França.

BH – Você também tem nacionalidade americana?

CV – Não. Sou somente francês. Para se tornar americano você precisa de um Green Card e deve ter trabalhado lá por anos. Sou músico e eles não dão Green Cards assim tão fácil. Eles não consideram músico um emprego regular, a menos que você venda muita música e pague muitas taxas. Se você não vende o bastante, logo não é considerado interessante.

BH – Você não tem problemas para ir até lá.

CV – Como turista, posso ficar lá um período limitado. Exatamente como no Brasil, antes de meu casamento.

BH – Você produziu muitos discos ou pelo menos realizou muitas gravações dos Estados Unidos. Gosta de trabalhar lá?

CV – Oficialmente, não trabalho lá. Se fizer algum trabalho para alguém e for pago por isso, é ilegal. Mas de graça, tudo bem. Dessa maneira fiz muita música por lá.

BH – Quantos álbuns você produziu nos Estados Unidos?

Clearlight Symphony (2014), o mais recente, é um belo disco
CV – Não sei ao certo. Talvez seis ou sete. O mais recente, Impressionist Symphony (2014) foi feito em San Francisco, enquanto visitava minhas filhas. Steve Hillage, Tim Blake e Didier Malherbe gravaram suas partes em suas casas, na Inglaterra e em França. Daí, mandaram o material pela internet. Eu também gravei algumas partes em França.

BH – Essas são as mesmas pessoas com quem você gravou em seu primeiro disco, Clearlight Symphony, não é?

CV – Exato. Todos membros do Gong. Daevid Allen faleceu no ano passado. Fomos amigos por mais de 40 anos. Eles mandaram os arquivos para San Francisco, onde meu amigo e produtor Don Falcone mantém seu humilde estúdio, usando Pro-Tools e apenas dois computadores. Esse cara é um gênio no Pro-Tools. O baterista estava no Arizona, para onde fui ajuda-lo a gravar sua parte sobre a base pré-gravada. Não foi fácil, mas (o baterista) Paul Sears mandou ver muito bem. Ao final, tive 20 faixas e mixei tudo para o stereo, em São Francisco, no estúdio de Don Falcone. O produto final considero como meu melhor disco. Um belo álbum para encerrar o legado do Clearlight.

BH – Parabéns. De fato, é um disco excelente, um que os fãs do rock progressivo deveriam ir atrás. Nesse você fez umas brincadeiras com os títulos, não foi?

CV – Sim, coisas do tipo Renoir En Couleur, Time is Monet, Van Gogh Third Ear.

Didier Malherbe
Tim Blake
Steve Hillage
BH – “Lautrec Too Lose”. Saquei o lance. Novamente, que belo trabalho, monsieur. E para completar, a mesma formação de músicos (Hillage, Blake, Malherbe) que esteve com você 40 anos atrás, em Clearlight Symphony. A faixa que encerra esse trabalho, Monet Time, é muito interessante, um dueto de piano e violino.

CV – É a mesma faixa Time is Monet, que por sua vez é uma versão orquestrada. Quando estava mixando essa peça, ouvindo cada pista, em um determinado momento ficaram somente o piano e o violino. Achei tão bonito o resultado e tão diferente da versão orquestrada, que decidi mantê-la como suave dueto, para calmamente encerrar o álbum. Essa se tornou minha favorita, engraçado isso.

BH – Por que decidiu você mesmo fazer a mixagem?

CV – Quem mais poderia? Tinha todos os arquetipos dentro de mim. Don Falcone fez tudo o que eu pedi que fizesse. Ele foi um assistente perfeito. O melhor da cidade, certeza. Tenho muita sorte em tê-lo como amigo. Sem ele, esse disco não teria sido possível.

BH – Esse foi gravado em San Bruno, na California.

CV – Não, apenas algumas partes de teclados e os violinos acústicos. Tem um aeroporto bastante movimentado por lá, o San Francisco International. Volta e meia tínhamos que interromper a sessão com os microfones porque havia um grande jato passando por nossas cabeças. O aeroporto fica a alguns quilômetros do estúdio, na casa de Don Falcone. Felizmente, a maioria dos aviões pega uma outra pista, longe do estúdio.

BH – Muito bem. Mudando um pouco de assunto, há quanto tempo você está aqui em Brasília?

CV – Conheci Fátima, minha esposa, pela internet, em 2002. Ela me convidou a vir após meses de troca de e-mail. Achei que não havia motivo para voltar para a França. Adorei Brasília, amo Fatima, eu era divorciado, ela era divorciada. Daí que em 2006 decidimos casar, e cá estou nos últimos 14 anos.

BH – Gosta de morar nesta cidade?

CV – Sim, Brasília é legal. Não moraria em São Paulo. Lá eles têm tudo o que detesto: poluição, barulho, enormes engarrafamentos, violência. Em Brasília temos excelente padrão de vida, nada de poluição, o tempo é bom o ano inteiro. Adoro estar aqui.

Brasília, cidade cartesiana
BH – Ouvi certa ocasião de uma francesa que Brasília era muito chata. Para ela, a cidade tinha um ridículo traçado cartesiano, era um tanto militarizada com setor disso, setor daquilo, obviamente um produto de uma mente tirânica que a concebeu.

CV – Não vejo assim. Creio que aqui temos liberdade. Bebo um vinho, dirijo, nada acontece. Sinto liberdade aqui, mais do que em Paris. No anoitecer, bares e restaurantes estão repletos de gente se divertindo. Essa cidade pulsa viva e tem muito a oferecer.

BH – Sim, a cidade é agradável. Obrigado pelo elogio. Porém, tome cuidado. Você pode ser parado em blitzes de trânsito, daí vão dizer que você estava bebendo, o que não é nada bom. Sobre Paris, acredito que você se refere à Europa de hoje. Coisas ruins também acontecem por lá. Terrorismo, por exemplo.

CV – Olha, sei o que é problema com a polícia. Em 1968, quando era estudante, em Paris, tinha cabelo grande, barba, a polícia sempre nos parava para averiguar documentos e fazia aquela busca por drogas.

BH – Com a sua licença, creio que naquele tempo você parecia mesmo um hippie, monsieur. Você esteve nos levantes de ruas?

Polícia x estudantes = Paris, 1968
Foulcault (ao megafone) e Sartre saem da teoria e partem para a prática
CV – Isso foi parte de minha juventude. Enquanto metade dos jovens eram cabeludos, a outra parte era reacionária, cabelo curto, gente da extrema direita. Havia muita briga de rua entre seguidores da direita e da esquerda. Tudo isso parece voltar agora. França está novamente sob pressão. De novo e de novo….

BH – Falando de seu primeiro álbum, Clearlight Symphony, parece que quando você o gravou foi também a primeira vez em que esteve em um estúdio de gravação. Confirma essa informação?

CV – Na Inglaterra, em 1974. Metade no The Manor Studio, metade no experimental White Noise Studio, de David Forhaus.

The Manor, Oxfordshire
BH – Estúdio Manor, que vem a ser o mesmo onde Mike Oldfield gravou o Tubular Bells.

CV – Exato.

BH – Com as mesmas pessoas, técnicos como Simon Heyworth?

The Tubular Bells
CV – Foi um ano após o Tubular Bells ter sido gravado, digamos que a situação era a mesma.

BH – Acredito que os sinos tubulares ainda ressoam nas paredes do estúdio.

CV – Eles o alugaram. Os sinos não estavam permanentemente no estúdio.

BH – Foi uma piada. Que lembranças você tem desse tempo?

Mellotron MK2
CV – Lembro de tudo. Não tínhamos sintetizadores, mas mellotron fazendo os violinos e tudo o mais. Nunca tinha visto um mellotron antes. Era muito difícil tocá-lo. Você tinha exatamente seis segundos por nota e se esquecesse, havia um barulho, tipo “clack”. Tocar órgão e piano é bem diferente do que com esse tipo de teclado. Pode colocar esse álbum no Guinness Records pelo uso de mellotron no mesmo disco. Tem partes em que tudo é mellotron, fazendo o coro, trompetes, saxofone e violinos. Didier Malherbe toca sax somente no lado dois. Lado um foi todo feito com mellotron.

BH – Lindos sons.

CV – Foi meu primeiro álbum e tudo foi feito instintivamente. Foi um experimento, minha primeira vez em um estúdio. Não sabia nada sobre técnicas de gravação, só teoria. E ainda mixei tudo, as dezesseis pistas em duas, em estéreo. Há pequenos erros. Se pudesse remixá-lo agora, com minha experiência de mais 40 anos, soaria muito melhor.

BH – Espero que haja a edição “versão do diretor”. Você é destemido.

CV – Destemido? Hahaha. A Virgin não me conhecia, eu era completamente desconhecido. O destemido foi Branson, por ter me contratado.

BH – Naquela época, Virgin se interessava por esse tipo de som.

CV – Foi o tempo em que eles estavam abertos para esse tipo de música experimental. Vinte minutos de música sem parar, em cada lado do vinil.

BH – Na mesma linha de Tubular Bells.

CV – Sim, mesmo formato.



BH – Você encontrou Mike Oldfield durante as sessões no Manor Studio?

CV – Nunca o encontrei pessoalmente. Lamento, é claro. Quando comecei as gravações ele tinha tido um colapso nervoso. Depressão, ouvi dizer. Ele se tornou rico muito rápido com o Tubular Bells. Era muito jovem para lidar com toda a situação, algo assim.

BH – Você gosta de seus discos?

CV – Sim, adoro, o primeiro em especial. Ele foi uma influência quando fiz Clearlight Symphony, não apenas a música, mas o formato. Se Tubular Bells podia ter vinte minutos de cada lado, com todos os problemas relacionados à divulgação nas rádios, eu também podia fazer o mesmo, caso a Virgin concordasse. E eles concordaram.

BH – Você gravou outros álbuns para a Virgin.

Richard Branson
CV – Gravei dois discos pela Virgin Records. Eles me dispensaram porque minha esposa estava grávida e Richard Branson queria que eu fosse viver em Londres, de modo a administrar minha carreira. Minha esposa disse “não, quero ficar em França”. Assim, tive que dizer não, pois a família vinha em primeiro lugar. E quando você diz “não” para Richard Branson, é o fim da linha.

BH – Mas a França não é assim tão longe da Inglaterra.

CV – Certo, mas eles me queriam em Londres, como uma artista da Virgin, disponível 24 horas por semana no burburinho londrino.

BH – Você encontrou com Richard Branson?

CV – Sim, assinei o contrato em seu escritório, em dezembro de 1974.

BH – Lamenta ter tomado aquela decisão?

CV – Sem remorsos. Eu era desconhecido e fui eventualmente o único artista francês contratado pela Virgin. Essa experiência me ajudou bastante a chamar a atenção de produtores, especialmente na California.

Tangerine Dream e Nico, Cathedrale de Reims, 1974
Monsieur Verdeaux, artista da Virgin, na primeira fila daquele concerto 

BH – Os caras do Tangerine Dream fizeram o mesmo, isto é, assinaram com o selo e passaram a lançar discos pela Virgin, tipo Phaedra e Stratosfear. Eles se mudaram da Alemanha e viraram artistas da Virgin.

CV – Klaus Schulze fez o mesmo. Eu os encontrava nas festas. Não éramos amigos, só cumprimentos.

Edgar Froese (1944-2015)
BH – Edgar Froese faleceu ano passado.Que tristeza.

CV – Tanta gente morreu nos últimos dois anos, digo, gente da música dos anos 70. A lista é grande. David Bowie, Prince, e também George Martin, um herói, o melhor ouvido do mundo.



BH – Sim, o lado B do disco original Yellow Submarine, dos Beatles, é George Martin e sua orquestra. Música incrível e ele fez muito mais que isso.

CV – Incrível pensar que Sgt. Peppers foi feito com apenas uma máquina de quatro canais. Até hoje, muita gente se pergunta, como eles conseguiram tornar aquilo possível.

BH – Sim, mudou o jeito de gravar um disco.

CV – Acredito que a obra-prima de George Martin é (o disco) Apocalypse, da Mahavishnu, com a London Symphony Orchestra. Na minha opinião, está em primeiro no ranking dos álbuns do século XX. Produzido por George Martin.

BH – Você autoproduz os próprios discos?

CV – Sim, com a exceção do primeiro, que foi coproduzido com Tim Blake. Nos outros, escolhi produzir eu mesmo a ter alguém por atrás. O problema é que nunca fui remunerado por isso. Mesmo que eu o faça, todo o dinheiro vai para selo responsável pelos lançamentos e ainda me fazem pagar a despesa. A cada seis meses recebo um lembrete: agora você nos deve 3 mil liras, agora você nos deve 2,5 mil liras, considerando ter coberto todos os custos do lançamento. Se isso ocorrer, me pagam 7%. Em um caso assim, só vou ser rico se vender um milhão de discos ou mais.

BH – Não parece ser bom negócio. Você tocaria com músicos brasileiros, digo, tocaria sua música com os profissionais daqui?

CV – Toquei com o violinista americano, baseado no Brasil, Ted Falcon. Mas ele estava mais interessado em música brasileira com fins comerciais.

BH – Você curte música brasileira? Gosta de Bossa-Nova?

CV – Não, não gosto de Bossa-Nova. Até minha esposa brasileira não gosta, portanto não temos problema com esse assunto.

BH - Sério? Por que não gosta?

CV – É tão chata. É o mesmo de sempre. Gosto de ser surpreendido pela música. Hermeto Pascoal é muito bom. A maioria das coisas da MPB é o mesmo de 30, 40 anos atrás. Parece não haver evolução. É igual heavy metal. Sem evolução. Gosto de música progressiva, pois esta evolui constantemente.

BH – Você não gosta de heavy metal?


CV – Detesto. Estou mais com a música clássica, melodias harmoniosas, vocais, e virtuosidade significativa. Lancei um disco assim, em 2001: Futur Anterieur, inspirado nos cantos de Hildegarde Van Bingen.

BH – Ah, vai. Que tal o som hard rock, tipo Deep Purple?

CV – Quando era jovem, tudo bem. Não atualmente. Em verdade, escuto pouca música agora. Acho que já queimei tudo. Todo o interesse que tenho em música se apagou agora.

BH – Não acredito.

CV – A música atual é enfadonha. É aquele boom-tschak, boom-tschak, boom-tschak, musique trance. Tudo com sintetizadores tocando sozinhos.




BH – Mas você tem dois discos de som assim, trance: Solar Transfusion e Tribal Hybrid Concept.

CV – Sim, mas fiz a minha maneira. Com o etnógrafo Pascal Menetry. Falar nisso, ele se enforcou há alguns anos. História muito triste.

BH – Cara, isso é triste.

CV – Em Tribal Hybrid Concept (THC), tem uma faixa chamada Raoni Song, onde ele fala e canta.

Cacique Raoni
BH – Isso tem a ver com aquele índio brasileiro, Cacique Raoni?

CV – Sim, da tribo dos Caiapó.

BH – Tribal Hybrid Concept. THC. Isso tem a ver com maconha?

CV – Para ser honesto, chamo isso de cannabis. Essa planta cura o câncer, Alzheimer, Parkinson, glaucoma, epilepsia, dores crônicas e muitas outras doenças. É bem conhecida há milênios.

BH – Um presente de Deus, né?

Shen Nung, pai da medicina chinesa, usava cannabis

CV – Os chineses usam com fins curativos há milhares de anos. Assim como na Índia e em outras culturas. Sou contra essa proibição sem sentido e também contra a mistura que fazem dessa planta curativa com as drogas artificiais que podem matar ou deixar as pessoas loucas. Tal qual o álcool. É ilegal? Não. Qual a lógica nisso? Pepe Mujica entendeu bem essa premissa e fez do Uruguai o primeiro país na América do Sul a legalizar a cannabis. O que aconteceu desde então? O país entrou em colapso? Aumentaram as mortes acidentais? Aumentou a violência? Não, pelo contrário. Então por que o povo uruguaio deve ter mais liberdade que os brasileiros? Em nome do quê?

BH – Bem, há controvérsias, mas entendo o que quer dizer. Qual o conceito por trás do projeto Kundalini Opera, um conjunto de CDs que você lançou durante os anos 1980?

CV – Foi um disco por Chakra. Temos sete Chakras, portanto, sete álbuns. Tribal Hybrid Concept é o primeiro Chakra.

BH – Perdoe, mas não entendo muito sobre Chakra. Tudo que sei é que tem a ver com a fonte de energia, algo que precisa ser harmonizado para a saúde do corpo e da alma. A outra coisa é que nesse projeto colaboram Frederick Rousseau e Jean-Philippe Rykiel, aquele tecladista cego.


CV – Tudo bem. Chakra lida com o centro de energia do corpo. Segue do fundo da espinha dorsal até o topo da cabeça. Quando você atinge o sétimo Chakra, que está relacionado com a consciência, é quando não há mais ego e você está preparado para abrir o Terceiro Olho. Você chega a esse estágio praticando a meditação e a yoga. Se souber fazer, é possível sentir individualmente. Sei que esses Chakras existem e onde estão localizados, pois consigo senti-los. O Primeiro Chakra é a energia vital; o segundo, a energia sexual; o terceiro, a energia do ego; o quarto, a energia do coração; o quinto, leva à consciência de Deus; e o sexto, o autoconhecimento, o qual você ensina a si próprio com algo que vem de dentro. Normalmente leva sete anos cada Chakra para se chegar ao kundalini. Em outras palavras, tendo começado cedo e feito tudo, por volta dos 50 anos é possível atingir a iluminação. Isso não ocorre porque normalmente nossa vida material não permite a evolução espiritual. A maioria morre antes de atingir o quinto Chakra.

BH – Quando você atinge o Sétimo Chakra significa que você está morto, não é isso?

CV – Não. Vivíssimo, porém não há mais ego. Você tipo virou um santo, como São Francisco, que sabe de tudo assim, porque no fundo não fazia as coisas pensando em benefício próprio, mas sim no bem dos outros.

BH – Desculpe a ignorância. Creio que você pratica essas coisas ou tenta transmiti-las com a sua música.

CV – Sim, procuro ilustrar essa situação musicalmente. A frequência vibratória dos Chakras. Funciona, pois muita gente gosta.

BH – Parece, então, que toda a sua obra tem essa orientação espiritual.

CV – Para mim, a música é espiritual. Observe Johann Sebastian Bach, Mozart, Wagner, Messian, Listz, todos eles pessoas espiritualizadas. E grandes instrumentistas também.

BH – Você afirma que expressa sua espiritualidade com seus discos.

CV – Veja, a música é a musa. As musas são anjos. Anjos pertencem ao próximo reino, o mais alto de todos. Portanto, nós músicos temos essa conexão com o próximo reino. O reino material e espiritual, ao mesmo tempo. Conseguimos pegar coisas de lá e transmiti-las através da pintura, da música, o que for. A missão artística é a de compartilhar no mundo real o que obtemos do próximo reino.

BH – Você quer dizer que não faz arte só para si próprio. Eis uma velha questão.

CV – Todo o conhecimento que guarda só para si é inútil. Você é útil quando compartilha o que sabe com alguém.

BH – Eis um belo conceito. Gostei.

CV – Só que hoje em dia, muitos músicos não podem se dedicar a essa busca. A maioria não tem dinheiro para pagar as contas porque essas plataformas de livre download e streaming são um completo desastre para os músicos independentes.

BH – Você está falando da música grátis na internet. Por outro lado, não acha que a internet permite que seu trabalho seja amplamente reconhecido por um público maior? Muita gente que nunca ouviu falar de Clearlight de repente tem a chance de conhecer o seu trabalho, mesmo que façam o download grátis de seus discos. Elas o encontram e vão atrás do que você produziu.

CV – Não, isso está feito. Falo do futuro das coisas. Não há futuro para músicos independentes e suas criações diante do que está ocorrendo. A gente se agarra ao que foi feito no passado, que com certeza é bom, a música dos anos 60, dos 70, dos 80, temos centenas de milhares de boa música. O difícil hoje é bater em qualidade o que foi feito no passado. Acho que caímos na armadilha da estagnação, o que significa retroceder. O universo vai sempre para a frente. Creio que é o que se passa com a humanidade. Minha opinião é de que meus filhos merecem uma vida melhor, só que a vida deles é mais difícil que a minha. A minha foi mais difícil que a dos meus pais. Cada geração deveria melhorar. Só que isso está acabado. Daí porque vemos as coisas retrocederem.

BH – Monsieur não parece pessimista.

CV – Não, estou sendo realista. Vejo as coisas como elas são. Não boto cores onde é preto e branco. Neste momento, a visão política dos Estados Unidos é uma merda com o seu famoso slogan “nova ordem mundial”. Não funciona, é óbvio. A poluição é uma merda. O petróleo é uma merda. As guerras religiosas são uma merda. Os pesticidas em todo o canto são uma merda. Tudo isso vai parar? Não, ao invés disso, só se desenvolvem.

BH – Você afirma que a vida moderna é um lixo?

Mecca
CV– Certos aspectos da vida moderna são de fato lixo. Mas algo da vida tradicional também é lixo. Por exemplo, muçulmanos não têm liberdade, nem mesmo para se vestir do jeito que gostariam. Se você abandonar o Islã, um membro da sua família pode mata-lo e não ir preso. O mesmo se você for homossexual, ateu, livre-pensador, ter vida sexual ativa antes do casamento, cristão, judeu.... É proibido acreditar em algo diferente se você nasceu em uma nação islâmica. Que tipo de religião é essa? Sem liberdade de escolha? Isso piora minha sede de liberdade. Não entendo como não piora a deles, francamente.

BH – Não acha que talvez esse seja um ponto de vista de quem está aqui no Ocidente. Temos um choque de civilizações como dizem?

CV – Não. No Século XV, os católicos fizeram o mesmo com os cristãos não católicos, isto é, da mesma maneira que vemos o Islã radical fazendo hoje. Na Idade Média, houve a terrível Inquisição. Os ancestrais de minha esposa eram judeus e tiveram que deixar Portugal, para salvar suas vidas. Eles vieram para o Brasil, e se estabeleceram em Pernambuco, onde, à época, havia mais judeus do que católicos portugueses. Nos séculos XV e XVI, católicos eram iguais ao Islã radical de nossos dias.

BH – Não teme fazer declarações assim? Facebook e internet estão em todos os lugares. Suas opiniões podem ser confundidas, ou quem sabe, você pode ser visto como um inimigo. Muito cuidado, amigo.

CV – Ao contrário, é um dever sagrado apontar o que está errado, quem sabe as coisas mudam. Cristãos no Oriente se veem forçados a abandonar seus países, e salvar suas vidas. Da mesma forma que aconteceu com os judeus cinco séculos atrás. Um ciclo cármico interminável de besteira. Devemos botar panos quentes e deixar que esse massacre continue, porque tememos ou somos indiferentes? Não é desse jeito que creio em um ser humano. Isso é o mau entendimento de religião, segundo os ensinamentos de Jesus deveriam ser. Jesus disse amem uns aos outros. Ele não disse matem uns aos outros. Ao menos, os católicos quando se voltam para os Evangelhos encontram bons conselhos.

BH – Caramba, tudo isso é péssimo. Você já esteve em um país muçulmano?

CV – Sim, estive no Paquistão, Marrocos e Tunísia, mas não pretendo mais ir. Quando estive lá, eram mais amigáveis. Tudo mudou depois que Bush ordenou o ataque ao Iraque, e também devido à Primavera Árabe.

BH – Você quer dizer, após o 11 de Setembro. Esse mundo enlouqueceu desde então.

CV – Sim, quando toda essa loucura começou. O mundo muçulmano encontrou forte motivo para pirar depois que Bush atacou o Iraque por algo que Saddam Hussein não tinha feito. O braço saudita da Al-Qaida foi quem executou (os ataques de 11 de setembro), isso não é segredo.

BH – É, gente ruim. Queriam o Saddam fora de combate. Lembra que disseram que que ele tinha armas de destruição de massa. Veja como esse mundo ficou depois dessa.

CV – Todos mentirosos. Abriram o espaço para o Islã radical aparecer. Quiseram remover os ditadores apenas para ter acesso mais fácil ao petróleo. Fizeram o mesmo na Líbia, com os mesmos propósitos. Como resultado, milhões de refugiados desempregados e aterrorizados de vários países agora tentam fugir da África e chegar até a Europa. Não vou nem falar da bagunça que se estabeleceu na Europa e como isso alimenta a extrema direita, que ganha mais poder e admiradores. Como ser otimista no futuro próximo diante de um cenário assim?

Nice guy Obama
BH – Após todos esses anos, parece que esse mundo deu uma guinada rumo ao conservadorismo. E com a mentalidade atrasada, não acha? Você pode até achar o Obama um cara legal, com boas intenções. Porém, ao final das contas, eles não deixam com que faça as coisas importantes, de modo a melhorar a vida dos pobres na América, e da mesma forma incrementar a paz mundial.

CV – A direita tem maioria no Senado norte-americano, pois os americanos assim quiseram. Essas pessoas não querem democracia. Primeiro, elegem Obama, e depois os políticos que vão obstruir tudo o que ele quiser fazer, incluindo vender nas lojas de armas menos máquinas de guerra para um bando de lunáticos. Lamentável, não? E, claro, Donald Trump quer mais armas nas ruas e não dá a mínima para a questão do aquecimento global.

BH – Que louco!

CV – O único louco aqui certamente não é ele. Ele pode pensar o que quiser. Loucos são os que querem votar nele. Essa é a loucura real. Donald Trump é um maluco mas é sozinho. Se milhões de pessoas começarem a pensar como ele, aí, sim, teremos um enorme problema. Mais um....

BH – Acho que temos uma situação parecida por aqui. Olhe as pessoas que querem afastar Dilma em definitivo e riscar Lula do mapa.

Dilma e Lula traíram suas promessas?
CV – Lula e Dilma traíram suas promessas e portanto merecem a situação que criaram. Obama não traiu suas promessas. Ele não consegue fazer o que pretendia porque o sistema político norte-americano concede aos mandatários o poder de se opor ao presidente, caso este obtenha a maioria.

BH – Não sei. É claro que eles não são santos, mas veja os caras que tomaram conta do poder. Pobre Brasil.

CV – Você pode ter essa simpatia pela esquerda. O problema é que as pessoas que estão na esquerda não fazem o que deveriam fazer. A esquerda tem como premissa combater a corrupção. Se você se corrompe, rouba milhões de Reais das pessoas, você vai para a cadeia. É o mesmo de alguém que rouba um carro, concorda? Olha para o Lula e sua família. Agora eles são ricos.

BH – Não sei.

CV – Todo esse dinheiro vem da Petrobras, é o que dizem.

BH – Por que ele ainda não foi preso? Não gosto de ficar defendendo o Lula, mas talvez as coisas não sejam exatamente do jeito que a mídia quer que a gente acredite. Vejo um movimento da direita se alastrando neste país. Eles sabiam que através do impeachment de Dilma seria mais fácil tomar conta do Brasil. Outra coisa muito clara é que os partidos de oposição reclamavam de tudo relacionado à Dilma e ao Lula porque eles estavam do lado de fora da festa. Trocando em miúdos, não eram eles que controlavam os recursos públicos, muito menos compartilhavam esse dinheiro com os amigos.

CV – Eles tinham ciúmes. “A esquerda está fazendo o que a gente queria fazer, que droga!”.

BH – Exato. A má notícia é que a esquerda acabou. Em quem acreditar agora?

CV – Há cada vez menos diferença entre a direita e esquerda.

BH – Sabe, muita gente ainda acredita no poder da Bandeira vermelha.

CV – Daí porque sou um anarquista. Há 40 anos. Nada de bandeiras, obrigado. As estrelas no céu são a minha bandeira. Acredito na união do Homem como solução para todos os problemas.

BH – Escute, fomos longe demais com esse blá-blá-blá político e sobre gente ruim. Falemos de música, por gentileza.

CV – Sim, voltemos ao reino musical, ou ao que sobrou dele.

BH – Você encontra inspiração aqui em Brasília para continuar trabalhando no processo de composição de novas músicas?

CV – Sim, compus aqui Time Is Monet (do disco Impressionist Symphony), por exemplo. O problema é que agora não ganho mais dinheiro com a música. Prefiro passar meu tempo livre com coisas que demandem menos.



BH – Acho que entendo. Vejo que você está usando uma camiseta do Gong. Francamente, você parece um membro da Família Gong. Você conheceu o falecido Daevid Allen? Era seu amigo?

Gong gravado em São Paulo

CV – Sim, meu amigo nos últimos 41 anos. O encontrei pela primeira vez em 1972, antes de assinar com a Virgin. Babylone, a banda que tive com (o guitarrista) Christian Boulé tocou algumas vezes nos mesmos festivais em que o Gong se apresentou.

BH – Você tocou com ele?

CV – Eles que tocaram comigo. Contratei o Gong para o meu primeiro disco, hahaha. Se tivessem me convidado para tocar nos discos deles, aceitaria com o maior prazer. Mas acabou nunca acontecendo.

Teapot de verdade

BH – Considero Flying Teapot, do Gong, um disco incrível.

CV – Sim, fizemos turnê juntos quando estive com meu grupo e eles tocaram You. Que repertório fantástico.

BH – Você vem de um país com incrível tradição em música para piano. Lembremos de Erik Satie, Claude Debussy e Maurice Ravel. Você teve treinamento clássico e educação musical formal, não é verdade?

CV – Sim. Conservatório Francês, em Paris. Excelente escola, grandes professores. Na verdade, a melhor.

BH – Li em algum lugar que você tinha um piano Pleyel na casa de seus pais.


CV – Era um (piano) Gaveau. Continua na casa de campo de meus pais. Trata-se de um piano tão bom quanto um Pleyel, com belos sons. Usei esse piano em algumas gravações que realizei. Compus e gravei Messenger of The Son nele. Aluguei um gravador Atari de 8 pistas, uma mesa de mixagem, algumas pessoas vieram com seus instrumentos (Rousseau, Rykiel, Boulé), e lá fizemos o álbum. Provavelmente um dos primeiros discos gravados em home studio privado. Foi em 1980.

BH – Você era familiarizado com os antigos teclados e sintetizadores. Falo de coisas como ARP, Moog, PPG e Prophet 5.

CV – Sim, usei esses instrumentos em meus primeiros discos. Eram tão bons quanto o equipamento moderno.

BH – (Jean-Michel) Jarre utilizou bastante dessas coisas. Você o encontrou durante aquele período?

CV – Nunca o encontrei.

Frederick Rousseau
BH – Frederick Rousseau tocou com você. Ele também está nos discos de Jarre.

Jean-Michel Jarre
CV – Após a morte de meu filho fui para os Estados Unidos e isso interrompeu minha parceria com Rousseau, com quem toquei em vários shows com dois teclados. Daí iniciei estudos de meditação e yoga nos Estados Unidos, no mesmo período em que Rousseau começou a trabalhar com Jarre. Depois da morte de meu filho, fazer música na França se tornou um fardo para mim. Perdi o momento.

BH – Você prefere o equipamento analógico? Acredita que ele tenha um som mais orgânico?

CV – Prefiro os sons sampleados, pois (atualmente) você consegue obter um verdadeiro trompete ou percussão, e não mais uma imitação. Todas as frequências verdadeiras dos instrumentos estão lá.

BH – Gosta da manipulação de sons? Coisas que os samples podem oferecer.

CV – Sim, é o mesmo som. O que tínhamos antes era imitação. As possibilidades são ilimitadas agora. Se fosse um músico bem-sucedido iria para o estúdio e trabalharia nisso até que a morte viesse me buscar. Também ficaria feliz em ajudar outros a gravar em um estúdio. Portanto, me peçam, pessoal!

BH – Você também toca guitarra?

Bons tempos: Valerie Lagrange, Cyrille Verdeaux e Christian Boulé, no estúdio
CV – Só quando estou de férias. Quando precisei de uma parte de guitarra, tive um guitarrista. Tive Christian Boulé e Steve Hillage. Gostaria de tocar cítara Indiana. Até comecei a estudar, quando estava na Índia. É um instrumento incrível, difícil de afinar, especialmente devido à variação de temperatura que temos na Índia. Esses citaristas são uns verdadeiros heróis, viu?

BH – Imagino que deve ser bem difícil, mesmo. A música indiana é baseada em uma concepção diferente de som.

CV – É baseada em escalas de quarto de tom. A música ocidental é baseada em meio tom, um sistema diferente. Indianos tocam entre as notas. É possível obter quartos de tom nos sintetizadores. Acho que na Índia eles ouvem detalhes que nossos ouvidos ocidentais não percebem.

BH – Você usou esse conceito de música indiana em algum dos seus discos?

Didier Lockwood
CV – Sim, isso aparece em Full Moon Raga, presente no disco Visions, que lancei em 1978. Nele tive, ao vivo, cítara, tablas e tamboura. Didier Lockwood tocou violino indiano nesse álbum. É uma música monotônica, com a mesma linha de baixo. Mas o que se pode criar em cima disso não tem limites.

Jean-Luc Ponty

BH – Você mencionou Lockwood, que considero um músico brilhante. E que tal Jean-Luc Ponty. Você já participou de improvisos com ele?



CV – Nunca o encontrei, mas adoro a música que ele faz. Especialmente o ele fez em Apocalypse e Visions of Emerald Beyond, da Mahavishnu Orchestra. Nesses ele toca o melhor violino, melhor até do que nos próprios discos. É a magia de John McLaughlin....

BH – Parece que ultimamente você tem andado longe dos estúdios. Como você grava suas ideias?

CV – Não faço mais isso.

BH – Não entendi.

CV – Por que fazê-lo? Para quê? Ninguém quer distribuir esse tipo de coisa.

BH – Por favor, não diga isso. Haverá sempre um ouvinte ávido por um próximo trabalho seu.

CV – Tem meu telefone divulgado na internet, website, vídeos no Youtube e ele nunca toca. N-U-N-C-A! Portanto, o que devo concluir?

BH – Talvez porque você esteja aqui, escondido em alguma parte do Brasil.

CV – Estou na internet, rede mundial de computadores. Todos os meus discos encontram-se de graça na internet. Por que alguém os compraria, a não ser que seja um colecionador?

BH – Você não tem um empresário?

CV – Não mais. É um tanto quanto frustrante no momento. Se houver a chance de tocar por aí, estou nessa. Obrigado por sua paciência.

BH – Obrigado, monsieur. Espero o quanto antes comparecer a uma apresentação do Clearlight. Desfrute de sua estada aqui. Além do clima maravilhoso, temos incríveis frutas tropicais. Você deveria experimentá-las. Fazem bem à saúde.



Cyrille Verdeaux - starlight888music,com

Clearlight - Infinite Symphony - 4e Mouvement (live 2012)

Clearlight - Crescendo Festival 2012

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