quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Faces of Brazilian Piano


Que o piano brasileiro é de beleza incomensurável, poucos se atrevem a contestar. Compositores, intérpretes, concertistas, recitalistas e instrumentistas de diferentes épocas, tamanhos e estilos sempre tiveram espaço nesta terra, desde que D. João VI e a família real portuguesa aqui se instalaram (fugindo de Napoleão), em 1808, trazendo na bagagem a cultura do piano.

Sigismund von Neukomm
Método de Pianoforte, do Padre Garcia
O austríaco Sigismund von Neukomm (1778-1858), discípulo de Haydn, e professor de Franz Xavier Mozart, o filho mais novo de Wolfgang Amadeus Mozart, desembarcou no Rio de Janeiro em 1816, permanecendo até 1821, marcando o início de uma longa era do piano em nossa cultura brasileira.

Em termos de precursores, parece não ter sido o primeiro. Consta que o padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830) era excelente pianista e escreveu até um método para piano sobre a técnica virtuosística.

Assim, do Império à República, em diferentes épocas, o piano foi protagonista de momentos marcantes da música feita por aqui.

Claudio Santoro

Este preâmbulo (nariz de cera como gostam os defensores do jornalismo vapt-vupt) fala do quanto o piano é encantador e importante e serve apenas para unir as pontas que nos levam a Claudio Santoro e Luiz Eça, duas ilustres figuras de nossa música, a erudita e a popular, que têm no piano certa razão de ser.

Pablo Marquine
Diogo Monzo
Os dois são os nomes por trás do projeto “Faces of Brazilian Piano – Claudio Santoro e Luiz Eça”, que os pianistas brasilienses Pablo Marquine e Diogo Monzo ora desenvolvem como extensão do mestrado que realizam na Universidade de Brasília (UnB).

Em quatro apresentações, no mês de dezembro, no Brasil e na Europa, Marquine e Monzo fazem recital focado no erudito Claudio Santoro (1919-1989) e no popular Luiz Eça (1936-1992), dividindo o mesmo piano e dando um apanhado da riqueza do trabalho de ambos, cada qual no seu escaninho, e que assim apreciados revelam approach musical singular, de onde se resume o seguinte: dê um piano para um artista e ele lhe devolverá uma obra de arte.

Pablo Marquine toca Santoro e Diogo Monzo, Eça. A dedicação de cada um fica patente nas escolhas. Marquine já foi objeto deste blog, quando comentou o trabalho que desenvolve em cima da obra pianística de Claudio Santoro. Seu esmero chegou ao ponto de reeditar a “Sonata 1942”, que existia apenas em manuscrito não revisado pelo autor.

Pablo Marquine & Milagros Magalhães: sublime
Mr Menezes teve o privilégio de acompanhar algumas das apresentações de Pablo Marquine, como a interpretação das Canções de Santoro, os Prelúdios, em sublime dueto com a soprano peruana Milagros Magalhães. By the way, um repeteco não seria nada mal.

Do igualmente jovem pianista Diogo Monzo temos notícia do excelente disco “Meu Samba Parece Com Quê?”, autêntica obra de Brazilian jazz, e de sua virtuosística predileção pelo arranjo e improviso.

Eça, Oscar Castro Neves, Nara Leão e Vinicius. De Tom Jobim, só o cabelo liso, atrás

Aliás, um parêntese. Luiz Eça, o objeto de estudo de Diogo Monzo, é um nome injustamente esquecido neste país, mas que brilha entre os conhecedores de pérolas raras. Em 1962, juntamente com Bebeto Castilho (flauta, baixo, sax e voz) e Helcio Milito (bateria), o pianista Luiz Mainzi da Cunha Eça (da família do famoso escritor português Eça de Queiroz) fundou o Tamba Trio, grupo que redefiniu o som, amálgama de samba, bossa nova e jazz que até hoje se pratica em suas variantes estilísticas.

Se a bossa nova era banquinho e violão, o Tamba Trio resolveu chacoalhar a batida, apresentando irresistível template, do qual fluiu toda a ginga instrumental que encantou os americanos nos anos 1960 e fez surgir mais tarde o Brazilian jazz e o samba-rock. O Tamba Trio não foi o primeiro trio do gênero, mas sedimentou o caminho por onde passariam inúmeros outros trios, quartetos e grupos de igual estirpe.


Falando nisso, neste 2015, completa 50 anos que Luiz Eça lançou o disco solo “Luiz Eça e Cordas”. Basta uma primeira audição dessa joia para perceber sua força: arranjos espetaculares, inventivo piano jazzy e repertório de primeira, do início ao fim.


Também, com peças assinadas por Luiz Bonfá (“Saudade” e “Canção do Encontro”), Baden Powell & Vinicius de Moraes (“Consolação”), Carlos Lyra (“Primavera”), Roberto Menescal (“A Morte de Um Deus de Sal”) e pelo próprio Eça (“Imagem” e “Quase Um Adeus”), de fato “Luiz Eça e Cordas” merece estar na antologia dos “300 Discos Importantes da Música Brasileira”, excelente publicação do músico e pesquisador Charles Gavin (ex-Titãs), e guia perfeito para quem quer se perder nos discos antológicos de nossa música.


Em 1970, o pianista lançou pela Elenco “Luiz Eça e Cordas – Volume II”, mantendo o alto nível de composição e arranjos. Com produção de Roberto Menescal e arranjos do próprio Eça, incluindo as deslizantes cordas, este disco contém interpretações infalíveis de “Wave” (Antonio Carlos Jobim), “Minha Namorada” (Carlos Lyra & Vinicius de Moraes), “Pra Dizer Adeus” (Edu Lobo & Torquato Neto), “Preciso Aprender a Ser Só” (Marcos Valle & Paulo Sérgio Valle), “Travessia” (Milton Nascimento), além de “Daulphine” e “Oferenda”, assinadas por Eça.

Luizinho Eça aparece nos créditos de discos de inúmeros artistas, de Maysa a Antonio Carlos e Jocafi, de Maria Creuza a Ivan Lins. Que tal o “Tema de Luciano”, da trilha da novela “Véu de Noiva” (1969), com Claudio Marzo e Regina Duarte?


E que tal Luiz Eça e Bill Evans dividindo o mesmo piano? Este fato é real, aconteceu no Rio de Janeiro, em 29 de setembro de 1979. Eça cumpria residência no Chico’s Bar. Evans fazia turnê no Brasil com o baixista Marc Johnson e o baterista Joe LaBarbera. Depois de uma apresentação na Sala Cecília Meireles, na Lapa, o gênio do piano esticou a noite no Chico’s Bar. O que se ouve está registrado em “Bill Evans & Luis Eça - Piano Four Hands, 1979 (Label Jazz Lips, 2010). A gravação não é das melhores, mas a música que brota do registro é de deixar amantes do jazz de queixo no chão.


Voltando aos meninos de Brasília, a chance de conferir Pablo Maquine tocando o melhor de Claudio Santoro, e Diogo Monzo arrancando saudade de Luiz Eça, acontece na sexta-feira, 27 de novembro de 2015, no incrível horário de 12h30, no Auditório de Música da UnB.

Isso é uma prévia. O début desse projeto acontece mesmo no dia 4 de dezembro de 2015, no József Attila Culture Hall, Dorog City (Hungria). No dia 10 de dezembro, Marquine Monzo tocam na Universidade de Aveiro (Portugal).

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