Que o piano brasileiro é de beleza incomensurável, poucos se atrevem a contestar. Compositores, intérpretes, concertistas, recitalistas e instrumentistas de diferentes épocas, tamanhos e estilos sempre tiveram espaço nesta terra, desde que D. João VI e a família real portuguesa aqui se instalaram (fugindo de Napoleão), em 1808, trazendo na bagagem a cultura do piano.
Sigismund von Neukomm |
Método de Pianoforte, do Padre Garcia |
Em termos de precursores, parece não ter sido o primeiro. Consta que o padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830) era excelente pianista e escreveu até um método para piano sobre a técnica virtuosística.
Assim, do Império à República, em diferentes épocas, o piano foi protagonista de momentos marcantes da música feita por aqui.
Claudio Santoro |
Este preâmbulo (nariz de cera como gostam os defensores do jornalismo vapt-vupt) fala do quanto o piano é encantador e importante e serve apenas para unir as pontas que nos levam a Claudio Santoro e Luiz Eça, duas ilustres figuras de nossa música, a erudita e a popular, que têm no piano certa razão de ser.
Pablo Marquine |
Diogo Monzo |
Em quatro apresentações, no mês de dezembro, no Brasil e na Europa, Marquine e Monzo fazem recital focado no erudito Claudio Santoro (1919-1989) e no popular Luiz Eça (1936-1992), dividindo o mesmo piano e dando um apanhado da riqueza do trabalho de ambos, cada qual no seu escaninho, e que assim apreciados revelam approach musical singular, de onde se resume o seguinte: dê um piano para um artista e ele lhe devolverá uma obra de arte.
Pablo Marquine toca Santoro e Diogo Monzo, Eça. A dedicação de cada um fica patente nas escolhas. Marquine já foi objeto deste blog, quando comentou o trabalho que desenvolve em cima da obra pianística de Claudio Santoro. Seu esmero chegou ao ponto de reeditar a “Sonata 1942”, que existia apenas em manuscrito não revisado pelo autor.
Pablo Marquine & Milagros Magalhães: sublime |
Do igualmente jovem pianista Diogo Monzo temos notícia do excelente disco “Meu Samba Parece Com Quê?”, autêntica obra de Brazilian jazz, e de sua virtuosística predileção pelo arranjo e improviso.
Eça, Oscar Castro Neves, Nara Leão e Vinicius. De Tom Jobim, só o cabelo liso, atrás |
Aliás, um parêntese. Luiz Eça, o objeto de estudo de Diogo Monzo, é um nome injustamente esquecido neste país, mas que brilha entre os conhecedores de pérolas raras. Em 1962, juntamente com Bebeto Castilho (flauta, baixo, sax e voz) e Helcio Milito (bateria), o pianista Luiz Mainzi da Cunha Eça (da família do famoso escritor português Eça de Queiroz) fundou o Tamba Trio, grupo que redefiniu o som, amálgama de samba, bossa nova e jazz que até hoje se pratica em suas variantes estilísticas.
Se a bossa nova era banquinho e violão, o Tamba Trio resolveu chacoalhar a batida, apresentando irresistível template, do qual fluiu toda a ginga instrumental que encantou os americanos nos anos 1960 e fez surgir mais tarde o Brazilian jazz e o samba-rock. O Tamba Trio não foi o primeiro trio do gênero, mas sedimentou o caminho por onde passariam inúmeros outros trios, quartetos e grupos de igual estirpe.
Falando nisso, neste 2015, completa 50 anos que Luiz Eça lançou o disco solo “Luiz Eça e Cordas”. Basta uma primeira audição dessa joia para perceber sua força: arranjos espetaculares, inventivo piano jazzy e repertório de primeira, do início ao fim.
Também, com peças assinadas por Luiz Bonfá (“Saudade” e “Canção do Encontro”), Baden Powell & Vinicius de Moraes (“Consolação”), Carlos Lyra (“Primavera”), Roberto Menescal (“A Morte de Um Deus de Sal”) e pelo próprio Eça (“Imagem” e “Quase Um Adeus”), de fato “Luiz Eça e Cordas” merece estar na antologia dos “300 Discos Importantes da Música Brasileira”, excelente publicação do músico e pesquisador Charles Gavin (ex-Titãs), e guia perfeito para quem quer se perder nos discos antológicos de nossa música.
Em 1970, o pianista lançou pela Elenco “Luiz Eça e Cordas – Volume II”, mantendo o alto nível de composição e arranjos. Com produção de Roberto Menescal e arranjos do próprio Eça, incluindo as deslizantes cordas, este disco contém interpretações infalíveis de “Wave” (Antonio Carlos Jobim), “Minha Namorada” (Carlos Lyra & Vinicius de Moraes), “Pra Dizer Adeus” (Edu Lobo & Torquato Neto), “Preciso Aprender a Ser Só” (Marcos Valle & Paulo Sérgio Valle), “Travessia” (Milton Nascimento), além de “Daulphine” e “Oferenda”, assinadas por Eça.
Luizinho Eça aparece nos créditos de discos de inúmeros artistas, de Maysa a Antonio Carlos e Jocafi, de Maria Creuza a Ivan Lins. Que tal o “Tema de Luciano”, da trilha da novela “Véu de Noiva” (1969), com Claudio Marzo e Regina Duarte?
E que tal Luiz Eça e Bill Evans dividindo o mesmo piano? Este fato é real, aconteceu no Rio de Janeiro, em 29 de setembro de 1979. Eça cumpria residência no Chico’s Bar. Evans fazia turnê no Brasil com o baixista Marc Johnson e o baterista Joe LaBarbera. Depois de uma apresentação na Sala Cecília Meireles, na Lapa, o gênio do piano esticou a noite no Chico’s Bar. O que se ouve está registrado em “Bill Evans & Luis Eça - Piano Four Hands, 1979 (Label Jazz Lips, 2010). A gravação não é das melhores, mas a música que brota do registro é de deixar amantes do jazz de queixo no chão.
Voltando aos meninos de Brasília, a chance de conferir Pablo Maquine tocando o melhor de Claudio Santoro, e Diogo Monzo arrancando saudade de Luiz Eça, acontece na sexta-feira, 27 de novembro de 2015, no incrível horário de 12h30, no Auditório de Música da UnB.
Isso é uma prévia. O début desse projeto acontece mesmo no dia 4 de dezembro de 2015, no József Attila Culture Hall, Dorog City (Hungria). No dia 10 de dezembro, Marquine Monzo tocam na Universidade de Aveiro (Portugal).
Nenhum comentário:
Postar um comentário