domingo, 29 de novembro de 2015

Viva Morrissey!


Levou um certo tempo, mas definitivamente é hoje, domingo, 29 de novembro de 2015, a primeira passagem de Morrissey por Brasília. O cantor britânico, ex-Smiths, sobe ao palco do Net Live Brasília, às 20h00.

Desviando um pouco o foco, esse Net Live Brasília definitivamente é um péssimo lugar para shows musicais. O Deep Purple esteve lá, em 2014, e o áudio estava extremamente alto, dificultando o entendimento do som da banda. Aliás, problemas com acústica são recorrentes nas casas de espetáculos em Brasília, e Morrissey merecia melhor sorte com a escolha do espaço. Sem falar no desconforto de chegar e sair, ficar em pé, bares, banheiros etc.


Chega de reclamar. Conforme a mídia vem divulgando, nesta terceira turnê de Morrissey pelo Brasil, o cantor e compositor vem privilegiando as músicas do mais recente álbum, World Peace Is None of Your Business, como a Kiss Me A Lot, Istanbul, One of Our Own e a canção que encerra o disco, The Bullfighter Dies. Aos navegantes, o aviso de que um vídeo alternativo desta, disponível na web, vem sendo mostrado na turnê e contém cenas nada agradáveis da irracionalidade por trás das touradas.

Take a look at the lyrics (full of irony, of course):

Mad in Madrid
Ill in Seville
Lonely in Barcelona
Then someone told you and you cheer

Hooray, hooray
The bullfighter dies
Hooray, hooray
The bullfighter dies
And nobody cries
Nobody cries
Because we all want the bull to survive

Gaga in Málaga
No mercy in Murcia
Mental in Valencia
Then someone tells you and you cheer

Hooray, hooray
The bullfighter dies
Hooray, hooray
The bullfighter dies
And nobody cries
Nobody cries
Because we all want the bull to survive

Mr Menezes says: Hehehe, we all want the bull to survive!

Se você for esperando um show com músicas dos Smiths, I'm sorry to tell you, você chegou 30 anos atrasado. Ok, How Soon Is Now? e Meat Is Murder (yes it is) estão no setlist da turnê. There Is A Light That Never Goes Out? Quem sabe? But Johnny Marr is not there.

Morrissey in Ecuador

Kiss Me A Lot, I'm Moz

Morrissey - Suedehead (Britain, America, Byron, James Dean, snow, miserable days, that's entertainment, that's Morrissey!)

Morrissey - First of the Gang To Die (Mr Menezes favourite because it says: "Hektor was the first of the gang with the gun in his hand...").

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Terra de gigante


Na contagem regressiva para o encerramento da exposição “Lição de Anatomia – Luteria de Piano”, dedicada ao luthier Rogério Resende, no Museu Nacional do Conjunto Cultural da República, em Brasília, temos a oportunidade de contar na programação com o recital do pianista Joel Bello Soares, um gigante desse instrumento, em plena atividade, aos 81 anos de idade.

Exposição Lição de Anatomia - Luteria de Piano, no Museu Nacional da República, em Brasília
O recital acontece na sexta-feira, 27 de novembro de 2015, no espaço de exposições do Museu. A exposição dos pianos de Rogério Resende termina no domingo (29/11). Quem ainda não viu, que se dê essa chance de apreciar a fina arte da manutenção de pianos e, por conseguinte, da manutenção das coisas do espírito. E que coloque na agenda a apresentação de Joel Bello Soares, às 19h30, na mencionada sexta-feira, 27/11. Detalhe: grátis e sem restrição de idade.

No programa do recital de Joel Bello Soares constam as seguintes peças (que podem ser alteradas, sem aviso prévio):

1) L. van Beethoven - Sonata op. 27 nº 2

Adagio sostenuto
Allegretto
Presto agitato

2) F. Chopin - Fantasia op. 49;

3) C. Debussy - 4 prelúdios:

La puerta del Vino
La fille aux cheveux de lin
La sérénae interrompue
Les collines d'Anacapri

4) F. Chopin - Balada op. 23

Joel Bello Soares, decano do piano erudito em Brasília
Mr Menezes nada sabe sobre tocar piano, mas no campo da apreciação tem certeza que no recital do professor Joel Bello Soares teremos o máximo de habilidade, técnica pianística refinada, o domínio da situação em execução de peças eruditas de intrincadas construção e beleza sonora.

Joel Bello Soares é o decano dos pianistas eruditos de Brasília. Alagoano da cidade de Rio Largo, tem um belo currículo como concertista e professor de piano. Teve formação pianístico-musical sob orientação de Hermínia Roubaud (Rio de Janeiro), Jacques Février (Paris), e Rosa Sabater (Santiago de Compostela).

Joel Bello Soares, nos anos 1980
Como concertista, apresentou-se na Europa, América do Norte, América do Sul, Ásia e África. No Brasil, apresentou-se nas principais salas de concertos, em Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Petrópolis, Salvador, Recife e Maceió. Em Brasília, fez o primeiro recital de piano na Sala Martins Penna (Teatro Nacional Claudio Santoro).

Como professor de piano atuou na Escola de Música de Brasília, Departamento de Música da Universidade Brasília, e Instituto de Música do Distrito Federal. Também atuou como professor convidado em escolas de música em Portugal.




Gravou e lançou, entre outros, os discos “Valsas, Polkas e Mazurkas – A música alagoana do início do século” (Brasil) (1987); “Heitor Villa-Lobos e Francisco Mignone” (Portugal) (1992), “Recital Joel Bello Soares – 25 Anos de Colaboração com o Projecto CCM/Artave” (Portugal) (2008), e “José Guerra Vicente – Peças para piano solo” (Brasil) (2011).

JBS, Doutor Honoris Causa pela UFAL
Recebeu o título de Doutor Honoris Causa, pela Universidade Federal de Alagoas; é membro titular da Academia Nacional de Música; e foi coordenador artístico e pedagógico dos Cursos Internacionais de Verão de Brasília (1980-1985).

Sarau na sala de estar do professor Joel Bello Soares
Joel Bello Soares mantém intensa atividade no ensino avançado de piano. Em sua casa, no Lago Norte de Brasília, costuma oferecer saraus a convidados. O aconchego de sua sala de estar e o alto nível dos músicos e programas musicais são experiências únicas, que fazem a vida valer a pena. E que também fazem de Brasília um lugar de pequenos grandes achados. Difícil encontrar quem não saia com a alma gratificada, depois do privilégio de ouvir bela música sentado em um confortável sofá.

Numa manhã quente e ensolarada, em Brasília, o professor Joel Bello Soares concordou em trocar uma prosa com o Blog do Hektor.

Rio Largo (AL), 1956
Blog do Hektor – O senhor nasceu em Rio Largo, Alagoas. Pouco se ouve falar de Rio Largo.

Joel Bello Soares – É uma cidade diferente de Maceió, mas muito próxima, 80 quilômetros, no máximo. O aeroporto de Maceió fica em Rio Largo. As distâncias são relativas.

BH – O senhor começou os estudos de piano em Maceió?

JBS – Comecei a tocar o piano, sozinho, em casa. Minha mãe tocava piano. Tinha cinco anos e toquei em um aniversário. Aprendi umas músicas, na véspera. Como eu desenvolvi cedo, puseram-me em uma professora, amiga da família, em Rio Largo. E depois fui estudar em Maceió, com o afamado professor João Ulysses Moreira. Aí, fiquei estudando, estudando...

BH – Em conservatório, escola formal?

JBS – Não, em particular. Na época, ninguém pensava em escola profissional. Música, em Maceió? De jeito nenhum.

BH – Não tinha escola desse porte?

JBS – Tinha no Recife. Mas Recife é um pouco longe.

Maceió, cerca de 1950
BH – Quem quisesse se aperfeiçoar tinha que sair de Maceió?

JBS – Maceió era uma cidade muito pequena. Devia ter os seus 80 mil habitantes, em 1940. Fiquei em Maceió, mas eu tinha minhas ideias em relação à música. Desenvolvi bastante, sempre no piano erudito.

BH – Que ideias?

JBS – Essas ideias eram fantasias minhas. Eram coisas que não existiam em canto nenhum. Então, enveredei por outros caminhos, fui estudar medicina. Fiz dois anos de medicina. Aconteceu que, no segundo semestre do segundo ano de medicina, houve um congresso de juventudes musicais, em São Paulo. E, em função desse congresso, a juventude musical de Alagoas, que já existia, me enviou como um dos representantes. Quando cheguei em São Paulo, eu acordei: o que eu imaginava, existia. De São Paulo, peguei um ônibus e fui para o Rio de Janeiro. No Rio, verifiquei que (a minha fantasia) existia mais que em São Paulo.

BH – O que aconteceu no Rio?

Theatro Municipal, no centro do Rio de Janeiro
JBS – No Rio, quase não saí. Fui direto para o Theatro Municipal. Era uma época de muitos concertos. Daí, voltei já com a cabeça virada.

BH – O senhor viu alguém famoso à época, algum pianista?

JBS – Para mim, todos eram famosos.

BH – Nomes?

JBS – Os nomes eu não lembro. Mas eram orquestras, música de câmara, solistas. Quando voltei para Maceió, minha cabeça continuou trabalhando. No ano seguinte, refiz todos os planos, voltei para o Rio de Janeiro e para o bê-á-bá do piano. Estudei com a professora Hermínia Roubaud. Na verdade, minha vida musical começou a partir daí.

BH – Que ano foi isso?

JBS – 1955. Morando no Rio, fiz todos os cursos, os exames de piano. Terminei o curso superior, ganhei uma bolsa, com muita dificuldade, e fui para a França. Em Paris, fiquei mais quatro anos.

BH – Isso, em 1960.

JBS – Sim, fiquei de 60 a 64, em Paris.

Maurice Ravel e Jacques Février (ao piano)
BH – Estudando com o Jacques Février.

JBS – Sim.

BH – Esse período foi todo na França? Não veio aqui nem de férias?

JBS – Vim numa ocasião, para participar de um concurso de piano, no Theatro Municipal do Rio. Nesse, ganhei um prêmio de música brasileira. Mas depois voltei para Paris. E fiquei lá até 1964, quando voltei definitivamente para o Brasil.

BH – Voltou, mas não para Brasília.

Maestro Alceo Bocchino e o jovem pianista Nelson Freire
JBS – Não, fui para o Rio de Janeiro. Lá fiquei tocando em concertos, um deles foi com orquestra, a Orquestra da Rádio Globo, direção do falecido maestro Alceo Bocchino. Nessa época, telefonei para alguns amigos de Alagoas, para avisar que o concerto passaria na tevê, ao vivo, no domingo. Eram os “Concertos para a Juventude”, feitos no auditório da TV Globo, que passavam (na televisão) todos os domingos de manhã. Nessa troca de telefonemas, recebi um convite para vir a Brasília, para fazer uma apresentação de piano na “Festa dos Estados”. Essa apresentação foi em 1967, na Sala Martins Penna, do Teatro Nacional. Esse espaço estava fechado, nunca tinha sido usado para a música. A Universidade de Brasília (UnB) cedeu um piano. Então, fiz o primeiro recital na sala Martins Penna. A Sala Villa-Lobos (do Teatro Nacional) ainda não estava pronta.

Teatro Nacional de Brasília em construção, anos 1960
BH – O senhor gostou da Brasília dessa época?

JBS – Vim por causa daquele recital, que acabou servindo para mim como um exame de admissão, pois todos do Departamento de Música estavam presentes. Eles, na verdade, estavam precisando de um professor de piano. Depois do recital, fui ao Departamento de Música, para agradecer a cessão do piano e, para a minha surpresa, acabei convidado a integrar o corpo docente da universidade.

BH – Quem dirigia o Departamento àquela época?

Maestro Miguel Arquerons e Coral Paulista, 1961
JBS – Maestro Miguel Arquerons, hoje falecido. Brasília ainda estava muito no começo. Eu tinha uma vida muito bem estabelecida no Rio, com muitos conhecimentos por lá. Eu relutei, disse que não podia tomar uma decisão precipitada; disse que precisava pensar, ouvir pessoas mais experimentadas. Todos foram unânimes, acharam que eu deveria vir para Brasília.

BH – Qual era o seu temor em vir para Brasília?

Policiais invadem a UnB e prendem professores e estudantes, em 1968
"Subversivos" presos na UnB

Os piores dias da Universidade de Brasília
JBS – Era a vida musical, que praticamente não existia por aqui. No Rio, a vida era ativa. Em Brasília, havia a universidade com poucos alunos e só. Assim, depois de ouvir os conselhos, desfiz minha vida no Rio de Janeiro e vim para cá, fazer parte do corpo docente da universidade. No ano seguinte, 1968, houve a conflagração política – a invasão da UnB – e grande parte dos professores foi “convidada” a deixar a universidade. Eu fui despedido. Estava para voltar para o Rio de Janeiro, para retomar a minha vida carioca, quando recebi convite da então Secretaria de Educação do Distrito Federal, para entrar para o antigo Núcleo de Música de Brasília; a Escola de Música ainda não existia com esse nome. O que existia eram duas salas, na escola “Elefante Branco”, na Asa Sul.

BH – Consta que o senhor trouxe um piano do Rio para Brasília e nessa época teria que levá-lo de volta para o Rio de Janeiro.

JBS – Era um Essenfelder de armário. Para sair daqui, voltar ao Rio, carregando todas as coisas de volta não era fácil. Para a minha sorte, recebi um convite para permanecer. Fiquei animado. A Escola de Música não existia, mas tinha muito o que desenvolver. Dali fomos para outras instalações e, por fim, a Escola de Música foi instalada onde hoje se encontra, na avenida L2 Sul.

BH – O senhor é um dos fundadores da Escola de Música de Brasília.

JBS – Sim, a partir do momento em que a Escola começou, montaram o quadro docente, os alunos, a grade curricular. As coisas foram acontecendo aos poucos. Fiquei muito satisfeito, porque aquilo tinha futuro. E teve futuro.

BH – O senhor trocou uma vida de concertista, no agitado Rio de Janeiro, por uma vida pacata de magistério aqui em Brasília.

JBS – Não, eu consegui combinar as duas coisas. Sempre tinha a oportunidade de dar concertos no Brasil e fora do país, também. Tempos depois, eu estava na França, para onde tinha ido passar um mês trabalhando. Quando voltei, para a minha surpresa, recebi telefonema para passar no Departamento de Música da UnB. Eles queriam saber por que eu havia saído da universidade.

BH – Eles estavam anistiando os professores que foram demitidos?

JBS – Não foi isso. Eu tinha os meus papéis e eles tinham destruído toda a documentação do Departamento de Música.

BH – Quem destruiu?

JBS – Eu não sei.

Jânio Quadros: forças ocultas
BH – “Forças ocultas”.

JBS – Forças ocultas. Eu mostrei que tinha trabalhado lá, etc. Tinha até os recortes de jornal mostrando os fatos da época. Aconteceu que na minha volta da França fui readmitido como professor no Departamento de Música.

BH – O senhor conseguia conciliar a vida na Escola de Música e na UnB?

JBS – Sim. E me aposentei pela UnB.

BH – Quem eram os seus contemporâneos na UnB?

Maestro Nasari Campos
Violinista Natan Schwartzman
Método de técnica vocal de Vanda Oiticica
JBS – Maestro Miguel Arquerons era o diretor; maestro Nasari Campos, foi muito amigo meu; professora Vanda Oiticica, foi um nome muito respeitado; a professora Maria Aparecida Tavares, muito boa pianista. Professor Natan Schwartzman, grande violinista. O Departamento era muito bem sustentado de professores. Muitos deles desapareceram com o tempo.

Maestro Levino de Alcântara (1922-2014)
BH – Levino de Alcântara?

JBS – Foi o fundador do grupo de música, que virou a Escola de Música de Brasília. Foi ele que muito trabalhou pela música aqui em Brasília. Foi quem me convidou para ser o coordenador dos cursos de verão da Escola de Música. Graças a isso, tive grande experiência em ter alunos de todos os cantos do mundo.

BH – O senhor foi coordenador artístico e pedagógico dos cursos de verão.

JBS – Não de todos os cursos. Foram muitos alunos, alguns desses são maestros hoje.

Maestro Claudio Santoro (1919-1989)
BH – Foi contemporâneo do maestro Claudio Santoro? O senhor esbarrou o cotovelo nele?

JBS - Como?

BH – Maneira de dizer. Dizem que quando a gente está tão perto, acaba esbarrando em alguém.

JBS – Quando fui para a UnB, teve aquela convulsão política. O maestro Claudio Santoro já estava lá. Depois, houve uma intercessão do maestro Levino Alcântara e do professor Paulo Afonso de Moura Ferreira junto à Secretaria de Educação do DF, com o então secretário Wladmir Murtinho, para trazer o Santoro de volta para Brasília. Nessa época eu não estava mais lá.

BH – Tocou com ele?

JBS – Sim. Ele regendo e eu tocando. Nos concertos do curso de verão, no auditório da Escola de Música

BH – Tocou o quê?

JBS – Possivelmente Beethoven.

BH – Tocou peças de Santoro, com ele regendo?

JBS – Não.

BH – O senhor gosta de dar aulas de piano?

JBS – Sim.

BH – E sua discografia? O senhor gravou vários discos dedicados a compositores pouco divulgados.


JBS – Gravei alguns. Um deles foi “Valsas, Polkas e Mazurcas – A Música Alagoana do Início do Século”. Não quero falar mal de ninguém, mas muitos artistas estão interessados em gravar músicos europeus, música europeia. Eu parti para outra linha. Prefiro gravar coisas que estejam ligadas à nossa cultura. Essa é uma maneira de reviver esses autores, a maioria desconhecidos do grande público.

BH – Ninguém conhece Misael Domingues, Tavares de Figueiredo, Heitor Cardoso...

JBS – Isso mostra que essas coisas existiram. Temos muitas gravações de artistas conhecidos, a música boa não existiu apenas em um único lugar.

BH – O senhor gosta de música popular?

JBS – Sim.

BH – O piano na música popular.

JBS – É muito interessante. Eu toquei muita música popular, mas depois achei que não fazia parte do meu estudo. Hoje tal música está na moda, amanhã já é outra, as modas vão se sucedendo.

BH – Ernesto Nazareth e Chiquinha Gonzaga são uma mescla de popular e erudito.

JBS – Entraram em moda, saíram de moda e entraram novamente.

BH – Hoje são os nossos clássicos brasileiros. O senhor gosta de tocar Nazareth?

JBS – Toquei muito.


BH – O senhor lançou um livro chamado “Alagoas e Seus Músicos”, no qual mapeia os principais compositores de seu estado natal. É interessante notar tantos nomes, para nós desconhecidos, inclusive de associações culturais que fizeram história.

JBS – O professor Vicente Salles, em conversa, disse: por que você não faz um livro sobre a música em Alagoas? Eu disse: não sei como fazer, se contar nos dedos, acho que não chegam a dez os nomes que me ocorrem. Ele disse: faça uma pesquisa e você vai ter uma surpresa. Pesquisei em arquivos, em Maceió e em Brasília, fiz pesquisas com parentes.

BH – O senhor tem predileção por algum autor em particular? Beethoven, Brahms?

JBS – Chopin.

Suposta última fotografia de Frederic Chopin, 1848
BH – O senhor se considera um especialista em Chopin?

JBS – Não, mas gosto muito de tocar Chopin.

BH – O que o senhor enxerga de qualidades em Chopin?

JBS – Foi uma questão de educação, de ter convivido bastante com a música de Chopin.

BH – O senhor gravou um disco dedicado ao piano de Portugal.



JBS – “Romantismo e Pós-Romantismo na Cidade do Porto”. Artur Napoleão, um dos compositores gravados, é um português-brasileiro. Este disco foi gravado em Portugal.

BH – O senhor teve alguma atração pelos movimentos de vanguarda da música, o atonalismo, o dodecafonismo de Schoenberg, por exemplo?

JBS – As pessoas querem ser pra frente. E esse pra frente, muitas vezes, botam as pessoas pra trás.

BH – Como assim?

JBS – Tem certas pessoas que querem estar muito em voga.

BH – É um tipo de música que lhe atrai? Essa coisa da melodia despedaçada.

JBS – Esse tipo de música não atinge as pessoas.

BH – O senhor acha que essa música de vanguarda fica restrita a um seguimento de apreciadores e tocadores?

JBS – Fato não é fazer música assim ou assado; fato é fazer música boa. Se ela é boa, será sempre aceita.

BH – Para o executante de obras conhecidas, como a de Beethoven, não é um desafio acrescentar um algo mais em algo tão conhecido?

JBS – É mais uma repetição.

BH – O senhor guarda lembranças do período militar no Brasil?

JBS – Eu viajei para Paris antes do (golpe do) regime militar. Quando voltei, os militares estavam no poder. Fui para o Rio de Janeiro, mas nunca me envolvi na política.

BH – O senhor presenciou aqueles dias de invasão militar à UnB? Que recordação tem daquela época?

JBS – Minha vida era tranquila. Eu percebi que grande parte das pessoas que batalhavam politicamente, o faziam em seu próprio proveito.

BH – Não havia aquele clima de conflagração ideológica?

JBS – Podia ser que fosse assim, mas na época a minha impressão era de que as pessoas faziam aquilo em proveito próprio. Hoje isso está provado.

BH – Se considerarmos que, quem esteve no cenário, em 68, e hoje está onde está, é verdade. O senhor tem razão.

JBS – Vamos mudar de assunto.

BH – O senhor é uma pessoa da praia. Maceió, Rio de Janeiro. De repente, está no matão do cerrado, Brasília.

JBS – Acontece. Eu devia ter meus oito anos e recebi de meu pai um grande mapa do Brasil. Nele estava escrito: “Futuro Distrito Federal”. Hahaha. Eu fiquei sem saber o que significava o “Futuro Distrito Federal”.

BH – Quando morou no Rio de Janeiro, o senhor sempre esteve ligado à música erudita? Nunca lhe atraiu a música popular?

JBS – Até tentei. Uma vez estava precisando de dinheiro e fui com um colega que disse que não podia tocar sozinho em uma boate.

BH – Qual boate?

JBS – Não lembro.

BH – Em Copacabana? Beco das Garrafas?

JBS – Não, era coisa séria.

BH – Existe boate séria, professor?

JBS – Era uma boate em um lugar muito bom em Copacabana. Fiquei lá durante 15 dias, trabalhava até tarde da noite, chegava em casa e dormia a manhã inteira. À tarde, não tinha vontade de estudar. Foi quando cheguei à conclusão de que estava ali para estudar e não para tocar em boates. Até que pagavam bem.

BH – Tocava o quê? Bossa Nova?

JBS – Música popular da época.

BH – O senhor gosta de Bossa Nova?

JBS – É muito americanizada, não é?

O polêmico e temido José Ramos Tinhorão
BH – Quem diz isso é o (crítico, historiador e escritor) José Ramos Tinhorão.

JBS – O que foi a Bossa Nova? Era aquela turminha que se reunia em apartamentos de luxo no Rio, que ia aos Estados Unidos, e começou a fazer aquele negócio já com o intuito de vender música para os americanos.

BH – O senhor particularmente gosta?

JBS – Não. Não aprecio.

Magda Tagliaferro (1893-1986)
BH – O senhor teve contato com Magda Tagliaferro?

JBS – Conheci. Tive contato com Dona Magdalena, em Paris e aqui. Ela foi a um concerto meu, no Rio de Janeiro. Toquei com uma orquestra. Depois ela foi me cumprimentar e fez elogios em altas vozes. Não gosto de citar nomes, porque a gente esquece alguém, ganha inimigos. Aprendi o seguinte: Joel, não cite nomes.


BH – Vi o senhor tocando a “Grande Fantasia Triunfal Sobre o Hino Nacional Brasileiro”, de Gottschalk. Ela é magnífica. O senhor gosta de tocar essa obra?

Guiomar Novaes (1895-1979)
JBS – Essa peça fez muito sucesso. Quando a conheci eu era criança. Só quem tocava era dona Guiomar Novaes, que tinha licença para tocá-la. Na época da ditadura de Vargas, ninguém podia tocar essa peça, só o hino em si.

BH – Variações e improvisos em cima do hino não eram permitidos?


JBS – Não. Mas ela (Guiomar Novaes) tocava. Já me pediram para gravar. Essa peça é de domínio público. (O compositor) Gottschalk veio para o Brasil na época da Princesa Isabel. Essa fantasia ficou muito bonita e muito bem-feita. Ele também fez uma fantasia sobre o hino de Portugal, mas não é a mesma coisa. Pensei em gravar as duas, mas a portuguesa é muito fraca.

BH – Nosso hino parece uma ópera de Rossini, cheio daqueles rompantes.

JBS – O hino nacional brasileiro é curioso, ninguém sabe quem realmente o compôs. 

BH – A música não é de Francisco Manuel da Silva, o mesmo que viria a fundar o Conservatório de Música do Rio de Janeiro, posteriormente Escola Nacional de Música?

Niccolò Paganini (1782-1840)
JBS – Oficialmente. Acontece que antes esse hino já era cantado com outra letra. Dizem que a melodia era de Paganini. Ele, de fato, tem uma peça que lembra muito o hino brasileiro. Depois foi feita a orquestração por Francisco Manuel da Silva e a letra por Joaquim Osório Duque Estrada.

Heitor Villa-Lobos rege canto orfeônico no estádio do Vasco, Rio de Janeiro
BH – O senhor estava no Rio quando Heitor Villa-Lobos regia aqueles cantos orfeônicos, como aquele evento lotado no estádio São Januário, do Vasco da Gama?

JBS – Não. Nessa época eu ainda morava em Maceió. Mas quando fui para o Rio de Janeiro, tive a oportunidade de conhecer Villa-Lobos em concerto, no Theatro Municipal.

BH – Ele regendo?

JBS – Não. Ele já estava doente e pouco tempo depois ele veio a falecer. Eu não morava no teatro, mas ia a tudo no Municipal: concertos, óperas, recitais...

BH – O Municipal ainda funciona um pouco assim, com aquele esquema de assinaturas. Concertos no sábado à tarde.

JBS – Atualmente caiu um bocado. Fizeram uma outra sala na Barra da Tijuca. Para mim, a Barra não é a cidade do Rio de Janeiro.

BH – O senhor gostava do Rio? Andava por onde?

JBS – Eu andava por toda parte. Eu frequentava o centro da cidade, os bairros da Zona Sul. Morei no centro, na avenida Mem de Sá. Depois fui morar em Copacabana. Da Tijuca até o Leblon eu tinha acesso. O resto era o subúrbio.

BH – O senhor gostava do Carnaval, o samba? Saía fantasiado em blocos?

JBS – Não. O Rio de Janeiro, para mim, sempre foi uma grande cidade. A cidade era espetacular.

BH – O Rio perdeu alguma coisa com a mudança da capital para Brasília?

JBS – A população passou a responder de uma outra maneira. A cidade sofreu com essa mudança, pareceu abandonada durante um certo tempo. Culturalmente acho que houve um retrocesso, principalmente na questão da música. A música foi para São Paulo.

CABRA CEGA

Joel Bello Soares, ao vivo em junho de 2015, no Parque da Cidade, em Brasília

A pedidos, Joel Bello Soares aceitou a proposta deste blog de ouvir trechos de músicas e tentar identificar os autores e/ou executantes.

Claudio Arrau - “Noturno n° 1, em Si Bemol Menor” (F. Chopin). “Chopin, o primeiro dos Noturnos. Não sei quem está tocando”.

Jacques Février – “Gnossienne N° 1” (Erik Satie). “Isso é francês. Lá, lá, lá, lá, lá, lá... Quem está tocando? Jacques Février? Ele foi meu professor”.

Jacques Loussier – “Pastorale In Do Minore” (J.S. Bach). “Não sei o que é isso. Bach? Versão jazz? Eu ia dizer que para ser Bach está um pouco falsificado. Acho interessante para ouvir”.

Glenn Gould – “Caresse Dansée (Deux Morceaux)” (Alexander Scriabin). “Isso é brasileiro. Não? Scriabin? É russo”.

Martha Argerich – “Rapsódia Húngara N° 6” (Franz Liszt). “Rapsódia Húngara, de Liszt”.

Marvin Hamlich – “Solace” (Scott Joplin). “Chiquinha Gonzaga? Isso, Scott Joplin”.

Bill Evans – “My Foolish Heart” (Young/Washington). “Não conheço. Estou mais para o clássico”.

Maria João Pires – “Nocturne N° 2 in E Flat major” (F. Chopin). “Noturno, de Chopin. Quem está tocando? Maria João Pires? Sim, sei quem é”.

Thelonious Monk – “Round Midnight” (Monk). “O que é isso, um duo? Tem coisas que escuto, mas não me ligo”.

Nina Simone – “Little Girl Blue” (Richard Rodgers / Lorenz Hart). “Uma variação… Não sei. É tudo igual, a maneira de cantar, o caminho harmônico das músicas. Igual à nossa música popular. Acho que é coisa de momento”.

JBS, gigante ao piano


quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Faces of Brazilian Piano


Que o piano brasileiro é de beleza incomensurável, poucos se atrevem a contestar. Compositores, intérpretes, concertistas, recitalistas e instrumentistas de diferentes épocas, tamanhos e estilos sempre tiveram espaço nesta terra, desde que D. João VI e a família real portuguesa aqui se instalaram (fugindo de Napoleão), em 1808, trazendo na bagagem a cultura do piano.

Sigismund von Neukomm
Método de Pianoforte, do Padre Garcia
O austríaco Sigismund von Neukomm (1778-1858), discípulo de Haydn, e professor de Franz Xavier Mozart, o filho mais novo de Wolfgang Amadeus Mozart, desembarcou no Rio de Janeiro em 1816, permanecendo até 1821, marcando o início de uma longa era do piano em nossa cultura brasileira.

Em termos de precursores, parece não ter sido o primeiro. Consta que o padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830) era excelente pianista e escreveu até um método para piano sobre a técnica virtuosística.

Assim, do Império à República, em diferentes épocas, o piano foi protagonista de momentos marcantes da música feita por aqui.

Claudio Santoro

Este preâmbulo (nariz de cera como gostam os defensores do jornalismo vapt-vupt) fala do quanto o piano é encantador e importante e serve apenas para unir as pontas que nos levam a Claudio Santoro e Luiz Eça, duas ilustres figuras de nossa música, a erudita e a popular, que têm no piano certa razão de ser.

Pablo Marquine
Diogo Monzo
Os dois são os nomes por trás do projeto “Faces of Brazilian Piano – Claudio Santoro e Luiz Eça”, que os pianistas brasilienses Pablo Marquine e Diogo Monzo ora desenvolvem como extensão do mestrado que realizam na Universidade de Brasília (UnB).

Em quatro apresentações, no mês de dezembro, no Brasil e na Europa, Marquine e Monzo fazem recital focado no erudito Claudio Santoro (1919-1989) e no popular Luiz Eça (1936-1992), dividindo o mesmo piano e dando um apanhado da riqueza do trabalho de ambos, cada qual no seu escaninho, e que assim apreciados revelam approach musical singular, de onde se resume o seguinte: dê um piano para um artista e ele lhe devolverá uma obra de arte.

Pablo Marquine toca Santoro e Diogo Monzo, Eça. A dedicação de cada um fica patente nas escolhas. Marquine já foi objeto deste blog, quando comentou o trabalho que desenvolve em cima da obra pianística de Claudio Santoro. Seu esmero chegou ao ponto de reeditar a “Sonata 1942”, que existia apenas em manuscrito não revisado pelo autor.

Pablo Marquine & Milagros Magalhães: sublime
Mr Menezes teve o privilégio de acompanhar algumas das apresentações de Pablo Marquine, como a interpretação das Canções de Santoro, os Prelúdios, em sublime dueto com a soprano peruana Milagros Magalhães. By the way, um repeteco não seria nada mal.

Do igualmente jovem pianista Diogo Monzo temos notícia do excelente disco “Meu Samba Parece Com Quê?”, autêntica obra de Brazilian jazz, e de sua virtuosística predileção pelo arranjo e improviso.

Eça, Oscar Castro Neves, Nara Leão e Vinicius. De Tom Jobim, só o cabelo liso, atrás

Aliás, um parêntese. Luiz Eça, o objeto de estudo de Diogo Monzo, é um nome injustamente esquecido neste país, mas que brilha entre os conhecedores de pérolas raras. Em 1962, juntamente com Bebeto Castilho (flauta, baixo, sax e voz) e Helcio Milito (bateria), o pianista Luiz Mainzi da Cunha Eça (da família do famoso escritor português Eça de Queiroz) fundou o Tamba Trio, grupo que redefiniu o som, amálgama de samba, bossa nova e jazz que até hoje se pratica em suas variantes estilísticas.

Se a bossa nova era banquinho e violão, o Tamba Trio resolveu chacoalhar a batida, apresentando irresistível template, do qual fluiu toda a ginga instrumental que encantou os americanos nos anos 1960 e fez surgir mais tarde o Brazilian jazz e o samba-rock. O Tamba Trio não foi o primeiro trio do gênero, mas sedimentou o caminho por onde passariam inúmeros outros trios, quartetos e grupos de igual estirpe.


Falando nisso, neste 2015, completa 50 anos que Luiz Eça lançou o disco solo “Luiz Eça e Cordas”. Basta uma primeira audição dessa joia para perceber sua força: arranjos espetaculares, inventivo piano jazzy e repertório de primeira, do início ao fim.


Também, com peças assinadas por Luiz Bonfá (“Saudade” e “Canção do Encontro”), Baden Powell & Vinicius de Moraes (“Consolação”), Carlos Lyra (“Primavera”), Roberto Menescal (“A Morte de Um Deus de Sal”) e pelo próprio Eça (“Imagem” e “Quase Um Adeus”), de fato “Luiz Eça e Cordas” merece estar na antologia dos “300 Discos Importantes da Música Brasileira”, excelente publicação do músico e pesquisador Charles Gavin (ex-Titãs), e guia perfeito para quem quer se perder nos discos antológicos de nossa música.


Em 1970, o pianista lançou pela Elenco “Luiz Eça e Cordas – Volume II”, mantendo o alto nível de composição e arranjos. Com produção de Roberto Menescal e arranjos do próprio Eça, incluindo as deslizantes cordas, este disco contém interpretações infalíveis de “Wave” (Antonio Carlos Jobim), “Minha Namorada” (Carlos Lyra & Vinicius de Moraes), “Pra Dizer Adeus” (Edu Lobo & Torquato Neto), “Preciso Aprender a Ser Só” (Marcos Valle & Paulo Sérgio Valle), “Travessia” (Milton Nascimento), além de “Daulphine” e “Oferenda”, assinadas por Eça.

Luizinho Eça aparece nos créditos de discos de inúmeros artistas, de Maysa a Antonio Carlos e Jocafi, de Maria Creuza a Ivan Lins. Que tal o “Tema de Luciano”, da trilha da novela “Véu de Noiva” (1969), com Claudio Marzo e Regina Duarte?


E que tal Luiz Eça e Bill Evans dividindo o mesmo piano? Este fato é real, aconteceu no Rio de Janeiro, em 29 de setembro de 1979. Eça cumpria residência no Chico’s Bar. Evans fazia turnê no Brasil com o baixista Marc Johnson e o baterista Joe LaBarbera. Depois de uma apresentação na Sala Cecília Meireles, na Lapa, o gênio do piano esticou a noite no Chico’s Bar. O que se ouve está registrado em “Bill Evans & Luis Eça - Piano Four Hands, 1979 (Label Jazz Lips, 2010). A gravação não é das melhores, mas a música que brota do registro é de deixar amantes do jazz de queixo no chão.


Voltando aos meninos de Brasília, a chance de conferir Pablo Maquine tocando o melhor de Claudio Santoro, e Diogo Monzo arrancando saudade de Luiz Eça, acontece na sexta-feira, 27 de novembro de 2015, no incrível horário de 12h30, no Auditório de Música da UnB.

Isso é uma prévia. O début desse projeto acontece mesmo no dia 4 de dezembro de 2015, no József Attila Culture Hall, Dorog City (Hungria). No dia 10 de dezembro, Marquine Monzo tocam na Universidade de Aveiro (Portugal).