quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Com açúcar, com afeto

Yeah, go ahead.

Com o atraso que é peculiar a este espaço, segue comentário a respeito de entrevista feita pelo jornal Valor Econômico com a cantora Fernanda Takai, do Pato Fu, e que também tem carreira solo interessante longe do grupo. O esquema é conhecido: o jornal escolhe uma personagem e leva o (a) entrevistado (a) a um restaurante, boteco, o que seja e a conversa flui entre garfadas e bebidas, não necessariamente alcoólicas.

A série “À Mesa com o Valor”, publicada semanalmente no suplemento “Eu & Fim de Semana”, virou até livro lançado ela editora Apicuri. Personalidades tão díspares como Antonio Delfim Neto, Hermeto Pascoal, Ruy Castro, Gal Costa, Zeca Pagodinho, Fábio de Melo, Fernando Henrique Cardoso, e Fernando Adrià deram opiniões e foram questionados sobre os mais diversos assuntos, não necessariamente sobre economia.

Você pode até dizer que eu estou por fora, ou que estou inventando, e que o jornal está a serviço do neoliberalismo conservador. Claro, quase sempre os entrevistados são chiques, os restaurantes, idem, e os pratos, caríssimos. A questão não é essa. Quem admira o jornalismo e as coisas feitas com competência, percebe o valor de uma entrevista bem conduzida.


Fernanda Takai foi entrevistada em Brasília pelo jornalista Juliano Basile, quando esteve na capital para shows de divulgação de seu trabalho-solo mais recente, o disco “Na Medida do Impossível”. Dentre as informações sobre a carreira, solo e com o grupo, chama a atenção as declarações da cantora sobra a presidente Dilma Rousseff.


Numa época de ódio extremado em que a figura do presidente da República recebe tratamento pior do que cocô de cavalo de bandido, chega a ser audacioso, corajoso, alguém dizer em público: “Eu tenho muito carinho por ela, de antes de ela ser presidente.... Mas nunca tive um momento com ela”.


O texto da entrevista, aliás, começa assim: “Cantora preferida de Dilma Rousseff, Fernanda Takai viajou a Brasília e, mais uma vez, não se encontrou com a presidente da República”. Seguem informações sobre a “amizade” entre as duas, aparentemente iniciada quando Dilma era ministra-chefe da Casa Civil (governo Lula) “e contou que gostava muito de ouvir as músicas de Fernanda durante as caminhadas matinais”.

Longe de ser ombudsman, advogado do diabo, qualquer coisa assim, vale ressaltar que todo mundo tem direito de ser amigo de todo mundo e ninguém tem nada a ver com isso, exceto o Ministério Público e a Justiça, quando a amizade é investigada e vira caso de polícia.

The girl done good

Elogiar Dilma Rousseff a essa altura do campeonato é que o lance. Este espaço tira o chapéu para Fernanda Takai pela qualidade artística e pela integridade, como artista, de expressar suas opiniões.

Convenhamos, a situação do país é periclitante. A presidente não desfruta de prestígio, enfrenta baixos índices de aprovação e a nação entrou numa espiral paranoica: quer vê-la, sei lá, longe do poder, trancafiada no porão mais sujo e escuro, no inferno mais quente, no planeta mais distante; morta e enterrada em cova não sabida, varrida dos livros de história; lembrada, para sempre, quem sabe, no verbete relacionado à corrupção; enfim, na galeria dos piores dos piores, foto ao lado de Joaquim Silvério dos Reis e dos criminosos mais asquerosos e repugnantes que só a literatura pode conceber.

Foto: Wilton Junior (AE)
Motivos talvez não faltem para que muitos pensem assim. Diante de um Brasil cambaleante, fragilizado e com imensos problemas transbordando, Dilma virou a Geni (“Joga pedra na Geni!/ Joga bosta na Geni!/ Ela é feita pra apanhar!/ Ela é boa de cuspir!”). Tudo é culpa dela e do governo petista que estraçalhou o país, não é essa a sua crença?

Esquisita
Olha, de fato a presidente é esquisita: se expressa mal, não tem o brilho dos grandes, nem a sapiência dos intelectuais, muito menos pode ser chamada de líder e estadista, palavras que dignificam quem chega a esse mais alto posto. Ela é do PT e o PT é o que de pior existe na política, não é mesmo? O PMDB e o PSDB são o PMDB e o PSDB, não vem ao caso, não é? Para muitos, ela é pior do que o Collor e merece um “impeachment” (pra ontem!), é o que todos dizem.

A questão é a seguinte: Dilma foi eleita, até onde se sabe, pela via democrática do voto, sufrágio universal; obteve maioria, ainda que não esmagadora, em eleições, aparentemente, sem fraudes, se é que existe, de fato, algo assim. A oposição não teve competência para impedir sua recondução ao poder. O placar foi 51% x 49% dos votos? Não é maioria, mas é fato, e nada é mais brutal do que um fato.

Nossos presidentes: Collor, Sarney, Lula, Dilma e FHC
Particularmente, este escriba não nutre simpatia pela presidente. Como a tribuna (por enquanto) é livre, afirmo peremptoriamente: são todos medíocres, uma longa fila de presidentes medíocres; irmãos brasileiros medíocres, “A gente não sabemos escolher presidente”, mas não somos inúteis. Está mais do que provado que governar o Brasil só funciona na base da coalizão, pobres e ricos, Maranhão e São Paulo juntos, só que as coalizões nunca deram certo. E a gente vai tentando.

Peter Lorre, em "M": rito sumário
Goste ou não, Dilma foi eleita. Fato. Foi fraude? Tudo bem, uma vez provada a tese, que venham os ritos do estado democrático de direito e despache os culpados para os devidos lugares, punição de acordo com o tamanho do delito. Acreditar nisso é acreditar em Papai Noel? Ah, sim, você prefere a força, a porrada, o rito sumário, “M, o Vampiro de Düsseldorf”. Estado de exceção, isso deve ser bacana de experimentar, não é?

Se você crê piamente que a saída do país do atoleiro começa com a deposição, já, da presidente, e a ascensão de presidente da Câmara até que venham novas eleições, mas ignora que o Brasil, constitucionalmente, é um Estado dividido em três poderes; responsabilidade de três poderes, e não apenas um a influir na vida da nação, talvez você esteja sendo levado na conversa e vale a pena ponderar.


As atrocidades perpetradas pelo Congresso Nacional e pelo Poder Judiciário também entram nessa conta. Mas, pra você, que talvez esteja sendo engrupido pela mídia, pelas “vozes das ruas” e pelos apelos gritantes e escandalizados nas redes sociais, a saída é essa, de “Maria vai com as outras”.

Bom é ir pra manifestação, tirar selfie? Tá bom, quando terminar a manifestação, volte para casa, pois a novela vai começar e tem sempre alguém gritando, espumando de ódio: “Eu te odeio, eu te odeio”, eu vou te matar...”.


Não dizem que é preciso ter cuidado com o que desejamos, pois corre-se o risco desse desejo virar realidade? Basta ser sincero e desejar profundo, já dizia o Raul. Tente outra vez.

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