Aaron Copland, compositor norte-americano
Mesdames et messieurs, votre attention, si’l vous plait. Esta matéria, na verdade, o texto que segue aproveita trechos de entrevista gravada com o técnico-afinador de pianos Rogério Resende, da região de Brasília (DF), e cujo resultado foi publicado na revista Roteiro Brasília (www.roteirobrasilia.com.br) que, como o nome indica, é uma publicação impressa, que (ainda) circula na capital do Brasil. Desde já, um agradecimento aos editores da Roteiro, jornalistas Adriano Lopes e Teresa Fernandes, pela compreensão quanto ao uso de informações e fotos originalmente coletadas para a Roteiro Brasília.
Aqui, informações tomadas em 2014 e em 2015 estão juntas para tentar relatar, de forma resumida, o trabalho desenvolvido pelo técnico-afinador de pianos Rogério Resende. Além de ser um requisitadíssimo profissional da área (afinador de piano é igual atuário, difícil achar um), Rogério vai além, pois sua dedicação envolve o reparo, a restauração, a manufatura e a locação de pianos. Sim, algo como um luthier de pianos, alguém devotado à causa do piano, muito embora ele prefira o termo técnico-afinador de pianos. Afinar, assim como tocar, exige técnica (e muita sensibilidade).
Rogério Resende mantém tudo o que está descrito acima na Casa do Piano, um galpão contíguo a sua residência, nos arredores de Brasília. Lá, em meio a geografia e vegetação do Cerrado, coração do centro-oeste brasileiro, funciona sua oficina, ateliê e depósito (onde tudo é meticulosamente organizado e funcional. Sim, a “pianolândia” existe.
Rogério mostra o mecanismo que facilita o acesso de cadeirantes ao Museu |
E se não bastasse o Mágico de (pian)Oz, Rogério Resende criou algo ainda mais incrível: o Museu Itinerante do Piano. Uma carreta carregada de pianos, que roda por aí. Ela transporta uns quinze exemplares, que ajudam a contar a história do instrumento, rei dos instrumentos musicais. O Museu Itinerante do Piano faz com que a gente saiba, por exemplo, quem foi Bartolomeo Cristofori, o italiano inventor do piano, e como a mecânica do instrumento e seus materiais evoluíram ao longo da história.
Cartaz da programação do Museu Itinerante do Piano no Parque da Cidade de Brasília |
O Museu Itinerante do Piano vai estar estacionado no Parque
da Cidade Dona Sarah Kubitschek, em Brasília, nos dias 13 e 14 de junho de 2015. Mais precisamente ao lado da praça Eduardo e Mônica, acesso pelo estacionamento 10. A visitação é pública e gratuita. A carreta tem acesso facilitado, inclusive para pessoas com alguma dificuldade de locomoção.
O mais bacana: ela agrega uma programação musical talentosa, pianística, é claro, mas que reserva surpresas, como a apresentação única do grupo português Toy Ensemble, responsável pela parte musical do espetáculo “Tocado, Falado & Riscado”, baseado na obra “Como Nasceram os Anjos”, de Clarice Lispector.
Muito mais: o professor Joel Bello Soares, executando a magnífica “Grande Fantasia Triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro”, de L. M. Gottschalk (falaremos de Gottschalk num momento oportuno); o trio de Renato Vasconcellos. Vejam a programação e compareçam, caso estejam pela região nos dias mencionados.
Coloquem no motor de busca cada uma das coisas aqui citadas e vocês verão um novo mundo se abrir a cada coisa.
Segue o remix:
O Museu Itinerante do Piano carrega cerca de 15 instrumentos |
É insuspeito imaginar o seguinte: o que uma carreta carregando quinze pianos pode significar para a música e ter importância tão grande quanto a arte em si de escutar, ouvir boa música? Se temos em casa uma coleção de discos antigos, vinis e cds que juntos pesam como um (ou dois) Fusca, - e aqui estamos falando de artefatos que reproduzem música em aparelhos apropriados, portanto, pesam -, por que não a existência de uma carreta tipo baú de 19 metros de comprimento, carregada de pianos antigos e raros (dos séculos XIX e XX)?
A carreta não reproduz música, exceto pelos sons de seu potente motor de caminhão a diesel, mas carrega o Museu Itinerante do Piano, algo raro em qualquer parte do mundo. O Museu Itinerante do Piano carrega lindos pianos, de diferentes épocas, finamente conservados, restaurados e afinados.
Rogério ao lado da réplica do Doublepiano |
Um piano para dois ou quatro executantes (doublepiano); as pianolas que a gente vê nos desenhos do Pica-Pau; piano com castiçais de bronze (para tocar à luz de velas); um piano com um compartimento para o cachorro (para ficar sempre ao lado do dono), enfim, os mais diversos modelos de pianos, como dito, artesanalmente tratados.
Só um parêntese: basta chegar perto de uma “criatura” assim, para sentir a vibração. Fiquem ao lado de um reluzente e imponente piano de cauda. Percebam que o objeto, o instrumento musical parece pronto para engolir o ouvinte/espectador em sons. Algo como estar dentro de um sino aguardando a badalada. E que badalada.
O responsável pela “pianolândia”, incluindo a inusitada carreta, como veremos, é o técnico-afinador de pianos Rogério Resende (60 anos, gaúcho de Pelotas, em Brasília desde 1976) e aqui começa a uma viagem, digo, um caso raro de amor à música e, por conseguinte, um caso igualmente raro de um pianista que pulou para dentro do piano.
Na verdade, mais do que isso. Se olharmos sua dedicação e seu o incrível trabalho em torno do piano, saberemos que Rogério é de uma vida vivida para o virtuosismo. Não para autoglorificar o ego, mas, como diz numa letra do Rush: a spirit with a vision is a dream with a mission.
Encurtando a história: Rogério começou a afinar pianos em 1977, depois que viu um afinador chegar para tratar dos pianos que embalavam as noites da boate Tendinha, no Hotel Nacional de Brasília.
Nessa época, Rogério ganhava a vida como tecladista autodidata.
“Em 1977, fui apresentado a um piano acústico. O Hotel Nacional tinha três, todos importados. Quando vi o trabalho dos afinadores e a mecânica interna do piano, fui despertado de forma arrebatadora. Impressionou-me o funcionamento, a mecânica. Dali comecei a observar como era o trabalho de afinação e reparo”.
Fato curioso que costuma contar em entrevistas, diz respeito à troca de um antigo carro Corcel por um piano vertical, um Fritz-Dobbert. Com a autorização da esposa Alda Molina, Rogério Resende efetuou a troca, que se mostrou de grande valia. O Fritz-Dobbert, que não era lá um grande piano, acabou desmontado e remontado várias vezes, peça por peça, tudo guiado pela curiosidade de entender o funcionamento do instrumento.
À direita, o Kawai, bastante cobiçado pelos artistas que visitam Brasília |
Interessante, porque o Kawai em questão é um piano que utiliza componentes modernos como o plástico, ao invés do que tradicionalmente imaginamos de um piano, todo em madeira, aliás, madeira rara como faia, nativa das zonas temperadas da Europa, Ásia e América do Norte. A questão é a sonoridade e o tamanho, que permite com que o Kawai se ajuste ao palco, além de ser um instrumento apropriado para tocar jazz e MPB.
Rogério Resende e o Essenfelder, provável primeiro piano de cauda de Brasília |
“Tenho aqui no Museu, instrumentos raros, que fazem parte da história de Brasília. Tenho aqui o primeiro piano de cauda que chegou à capital. A pesquisa está em curso, mas é provável que este Essenfelder, construído em Curitiba, seja o primeiro. Estava na Igreja Memorial Batista, fundada em 22 de junho de 1960”. A dúvida é porque um outro piano teria chegado na mesma época ao Hotel Nacional de Brasília.
De qualquer modo, o Essenfelder, de 2,75 metros de comprimento, feito principalmente em imbuia, faia, e pinho de riga, mais parecido com um Cadillac, parece impecável e tem aquele som cristalino, uma máquina arrebatadora de corações, sejam duros ou moles.
Outra raridade ligada à capital: um piano vertical Zeitter & Winkelmann, alemão, doado pela professora Neusa França, que por mais de quatro décadas usou o instrumento em suas aulas particulares. Seria o piano no qual a professora Neusa França compôs o Hino de Brasília (“Todo o Brasil vibrou/ E nova luz brilhou/ Quando Brasília fez maior a sua glória! ...”)?
Mecanismo do piano, com martelo de feltro |
Máquina com pneumático que literalmente vira o piano de ponta cabeça |
Certa vez, numa turnê por Brasília, a pianista Eudóxia de Barros foi perguntada sobre os pianos de Rogério Resende. Olhando para o Kawai, no qual ela acabara de executar a vigorosa “Grande Fantasia Triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro”, de L. M. Gottschalk, e lindas peças de Osvaldo Lacerda, seu esposo, a grande pianista não titubeou: “É tão bonito e bem conservado que dá vontade de levar para casa”.
André Mehmari, o saxofonista Javier Girotto e o Kawai da Casa do Piano
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