sexta-feira, 26 de junho de 2015

Aldous Huxley, a música e Brasília I

“Da pura sensação à intuição da beleza, do prazer e da dor ao amor e ao êxtase místico e à morte – todas as coisas que são fundamentais, todas as coisas que, para o espírito humano, têm o mais profundo significado, podem apenas ser experimentadas, e não exprimidas. O resto é sempre, em qualquer lugar, silêncio”.
Aldous Huxley, em 1957
Esse texto é o parágrafo inicial do ensaio “O Resto É Silêncio”, escrito pelo autor britânico Aldous Huxley (1894-1963), e parte integrante do livro “Música na Noite – e outros ensaios”, publicado originalmente em 1931.

Neste ensaio, “O Resto É Silêncio”, Huxley abre, em palavras, uma das mais abrangentes possibilidades que a música representa para o espírito humano ao preconizar: “Depois do silêncio, aquilo que mais se aproxima de exprimir o inexprimível é a música” (“After silence that which comes nearest to expressing the inexpressible is music”).

Huxley desce ainda ao cerne do ato humano de ouvir, a experiência do ouvinte, que se vê elevado a outro patamar ao ficar exposto à mais maravilhosa música, ao lembrar que: “Nós ficamos grato ao artista, em especial ao músico, por ‘dizer com clareza o que sentimos, mas nunca fomos capazes de expressar’”.

De fato, como descrever a arte dos sons e seu poder de expressão, quer sejam nas peças instrumentais, quer sejam nas canções, que carregam em si forte carga comunicativa, uma vez que passam uma “mensagem” ao ouvinte e, portanto, direcionam o pensamento para o seu conteúdo? A evocação subjetiva da música se presta às mais variadas vontades humanas, dependendo da circunstância em que é utilizada.
ACDC: música para o bem, música para o mal
Assim, temos um rock pesado, tipo AC/DC, embalando a torrente de adrenalina e aceleração do ritmo cardíaco, em combinação capaz de alegrar e levar euforia à uma multidão em um estádio; da mesma forma que temos o mesmo som sendo utilizado como “arma psicológica”, em incursões de guerra, como a utilizada pelos norte-americanos diante de inimigos muçulmanos, seja ao ar livre no teatro de operações no Iraque ou no Afeganistão, ou em lugares fechados e obscuros como a prisão de Guantánamo. Nesses lugares, o alegre rock pesado foi utilizado em altos decibéis, para “perturbar” (na verdade, torturar) a alma do inimigo.
Guantánamo: música como tortura
A música depende da circunstância e da atividade humana a ela relacionada. Ela tanto pode ser ouvida com atenção ou com a atenção dispersa, tal qual a música de fundo no supermercado ou na sala de espera. O conceito de música ambiental cunhado pelo britânico Brian Eno passa exatamente nesse ponto da curva. Mas deixemos um pouco de lado a atitude passiva do ato de ouvir música, para nos concentrarmos em seu inverso, a vontade de ouvir música e de se expor deliberadamente diante dela.


No ensaio “Música na Noite”, Huxley relata a experiência de aleatoriamente tocar um disco, numa noite mediterrânea de junho sem luar. Aparentemente estava escuro e não dava para ver a escolha, na pilha de discos. O silêncio da noite é interrompido pelo “Benedictus”, da “Missa Solemnis”, de Beethoven. “É o equivalente da noite num outro modo de existência, como uma essência é o equivalente das flores, das quais ela é destilada”, compara o autor, ao tentar exprimir o inexprimível.
Huxley não fala qual gravação da Missa Solemnis foi tocada na escuridão

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