sábado, 20 de junho de 2015

Juninas x Ecad

Turminha legal mal sabe quanto custa tocar uma música nas festas juninas
Se você mora na região central do Brasil, mais precisamente no quadrado do Distrito Federal, deve achar perfeitamente normal a quantidade de festas populares tipo juninas que acontecem nessa época (meados de junho) nas igrejas, clubes e associações recreativas.
No Congresso Nacional, um lugar não muito confiável, triste, porém verdadeiro, os parlamentares costumam justificar ausência de suas obrigações diante dos tradicionais festejos que acontecem nos estados. Festejos, aliás, que tem por base a tradição católica de comemorar as datas alusivas aos santos.
Pobres moços, ah se soubessem o que sabemos...
Até aí, morreu o Neves. O Brasil é o maior país católico do planeta, e os feriados nacionais, tirando as datas alusivas à pátria, estão repletos de dias “santificados”, conforme supremacia católica apostólica romana que dura milênios.

Na região de Brasília, dada a enorme concorrência, as paróquias e clubes sociais começam esses festejos em maio e até setembro ainda se fala em quadrilhas (a dança) e comidas da estação. Erroneamente, por ignorância e/ou discriminação (o que dá no mesmo), atribui-se à quantidade de nordestinos residentes na área o alto interesse por esse tipo de festejo.

Não temos dados para corroborar tal afirmação, mas fato é que, as festas juninas não são exclusividade do Nordeste e contaminam (ou empolgam) a maioria dos brasileiros, principalmente aqueles que seguem as datas comemorativas como marcos do curso “natural” do ano. É época de Carnaval, então comemora-se o Carnaval. É Semana Santa, então não se come carne, mas chocolate em forma de ovo.... Por aí vai, a pessoa é comandada.
Gonzagão: sinônimo de boa música e arrecadação
No que nos tange, falemos de música. Essa é a época do ano em que é perfeitamente normal se ouvir por aí os versos “Olha por céu, meu amor / Vê como ele está lindo”. É Gonzagão (1912-1989), o Rei do Baião, um dos patrimônios dessa nação, sempre presente e sinônimo de animação musical nas festas juninas. Mas tire o seu sorriso do caminho, pois aqui a coisa começa a ganhar um outro contorno.

Os versos descritos acima, de “Olha Pro Céu” (Luiz Gonzaga / José Fernandes de Carvalho), datam de 1951 e trata-se da quarta obra mais executada no período referente às festas juninas (dados de 2014), segundo informação divulgada pela assessoria de imprensa do polêmico Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad). Falemos depois das canções mais tocadas nessa época, segundo o Ecad.
O Ecad se auto intitula instituição que atua na defesa dos direitos autorais de autores, intérpretes, músicos, editores e produtores fonográficos, e afirma ser responsável pela arrecadação e distribuição dos devidos valores dessa execução pública.

Uma pausa. Não vamos aqui nos ater aos meandros obscuros atribuídos ao Ecad, se de fato faz o que faz e se faz chegar mesmo ao bolso dos autores aquilo que arrecada. Sabemos através do noticiário que o Ecad não é exatamente o que afirma ser. Metam Ecad no motor de busca e vocês verão coisas incríveis sobre esse órgão arrecadador.

Alvo de várias CPIs (Comissão Parlamentar de Inquérito) por causa de acusações de apropriação indébita, fraude, cartel, o escambau, o Ecad segue firme afirmando fazer o que faz.
Criado em 1973, numa época em que a mão de ferro governava este país, o Ecad teria surgido no contexto do controle estatal da execução de obras públicas. Isso, o Estado tinha o controle de, digamos, proteger obras de criação intelectual. Para tanto, valeu-se do diploma legal, a Lei 5988/73, que previa que as diversas associações de autores poderiam se reunir em único órgão, sob a supervisão do extinto CNDA – Conselho Nacional de Direito Autoral. Este CNDA tinha a legitimidade para cobrar, em todo o país, os direitos autorais dos membros dessas associações, no caso de execução pública de suas obras.

Nessa onda surgiu o Ecad - Escritório Central de Arrecadação e Distribuição de Direitos Autorais, empresa privada que, amparando-se na tal Lei 5988/73, poderia atuar na tal cobrança, sob a fiscalização do CNDA. Perceberam o lance? O CNDA, organismo estatal, em pleno regime militar, devia ser formado apenas por burocratas, que não poderiam (não tinham como, não estavam a fim, não tinham o menor interesse) sair por aí fazendo as tais cobranças. Terceirizaram esse serviço para o Ecad.

O resto é história. O Ecad passou por transformações, afastou várias associações que originalmente lhe deram corpo, viu chegar a nova Constituição (1988), nem foi no enterro do CNDA (que, entre outras coisas, tinha a obrigação de elaborar a tabela de cobrança), e lentamente se consolidou como expressão máxima de “arrecadação e distribuição de direito autoral” neste país.

Uma pessoa jurídica de direito privado com poderes de entrar na festa junina da paróquia, no clube, no baile de debutantes, no show, enfim, em qualquer lugar público onde estejam tocando música. Com que objetivo? Arrecadar e distribuir direito autoral. Isso mesmo. Os fiscais entram, pedem a autorização, não tem, sacam o boleto de cobrança e crau! Amigos, isso é tão complicado, porque estamos falando de constrangimento ilegal e também porque o entendimento do que seja público inclui batizados, casamentos, quartos de hotel e motel.
Ah, se o Ecad pudesse: puxaria o fone de ouvido dos zumbis que estão nos ônibus, nos metrôs e nas ruas e tacaria a cobrança pela música que cada semovente está ouvindo. Abestados, nesse caso a execução é privada, não pode, e que isso sirva de alerta aos manés que ligam os fones externos do telefone apenas porque estão querendo que o momento tenha uma trilha sonora. Se o Ecad te pega, prego, é capaz de levar o teu telefone.

Em 2012, o Ecad queria cobrar pela execução de músicas no Youtube, mas como nem tudo é fácil demais e a internet não é um território em que impera exclusivamente os desvarios brasileiros e, em face da repercussão negativa nos meios internacionais, a iniciativa (por enquanto) não vingou. Os caras foram mexer com o Google, vejam só.
Os Stones já viram de tudo nessa vida, mas como essa do Ecad...
Temos memória curta, mas essa vale a pena lembrar. Corria o ano de 2006 e na cidade do Rio de Janeiro, a expectativa era grande devido ao show gratuito dos Rolling Stones. O noticiário da época registrou a ação “preventiva” do Ecad, que ameaçou melar o show dos Stones, caso a banda não depositasse, antecipadamente, R$ 1 milhão, à guisa de direitos autorais. Vejam, a banda veio para um show gratuito (quem pagou por isso não vem ao caso agora) e iria tocar as próprias músicas, mas o Ecad entendeu que execução pública de músicas pressupõe que se deve pagar por ela. Disseram que o Ecad esperaria os Stones no aeroporto com o boleto de cobrança. Não tenho como afirmar aqui, mas acho que isso, felizmente, não aconteceu.

O mais incrível, em que pese uma paulada de ações judiciais que ao longo do tempo foram postuladas questionando a “legitimidade” do Ecad para fazer o que faz em nome de associados e não associados, os tribunais superiores brasileiros tem longo histórico de jurisprudências em favor do Ecad. Como e porque, é uma questão que só o saber jurídico e todo o seu obscurantismo (i)lógico podem explicar.
Em 2013 artistas tiveram movimentação intensa em torno de mudanças na cobrança de direitos autorais
Em agosto de 2013 um novo capítulo começou a ser escrito quando a presidente Dilma sancionou a “lei do Ecad”, na verdade a lei 12.853/13, que dispõe sobre a gestão coletiva de direitos autorais. Com esse novo diploma, o governo federal afirma entrar em cena na regulamentação e fiscalização do processo de arrecadação e distribuição dos direitos autorais. Notícias da época revelam a movimentação de artistas nos corredores do parlamento (leia-se lobby) em favor de mudanças no estado de coisas.

O Ecad? Bem, a nova lei não acabou com o Ecad, mas sublinhou que o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição de Direitos Autorais continua responsável por recolher os “direitos” e será submetido a “normas mais rigorosas” de atuação e transparência, com taxa de administração fixada em incríveis 15% (antes tal taxa era de 25%). De cada R$ 10,00 arrecadados, R$ 1,50 vai para os cofres do Ecad.

Forçando a barra, quem é mesmo o Ecad? Ao que consta, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição de Direitos Autorais, segundo afirma em seu website, é composto por nove associações de música e “representa todos os titulares de obras musicais filiados a elas”.

As associações: Associação Brasileira de Música e Artes (ABRAMUS), Associação de Músicos, Arranjadores e Regentes (AMAR), Associação de Intérpretes e Músicos (ASSIM), Sociedade Brasileira de Autores, Compositores, e Escritores de Música (SBACEM), Sociedade Independente de Compositores e Autores Musicais (SICAM), Sociedade Brasileira de Administração e Proteção de Direitos Intelectuais (SOCINPRO), União Brasileira de Compositores (UBC), além da Associação Brasileira de Autores, Compositores, Intérpretes e Músicos (ABRAC) e da Sociedade Administradora de Direitos de Execução Musical do Brasil (SADEMBRA).

Conhece alguma delas? Nomes estranhos, hein. Sobre o Ecad, corre o seguinte comentário: a entidade seria controlada pelas empresas multinacionais do ramo do entretenimento. A IFPI-Latina (a seção latina da Federação Internacional de Produtores Fonográficos) seria um dos braços fortes. A IFPI diz representar a indústria fonográfica em todo o planeta (algo em torno de mais de 1400 empresas fonográficas em 75 países, como membros). Entre os membros da IFPI nomes como a Universal Music, dentre outros muito poderosos. Pensam que a indústria fonográfica acabou ou que dependia apenas da vendagem de unidades físicas, como cds e dvds, que estão em declínio faz uma data?

Estamos na superfície das investigações. No submundo corre a informação de que o Ecad e seu controle são ingredientes de outras brigas, como a das biografias, aquele rolo que envolveu biógrafos, Roberto Carlos e o pessoal do Procure Saber (Caetano, Gil, Chico etc). Na falta de um parlamento que realmente faça as leis, recentemente tivemos a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e seu ativismo judiciário decretando o fim da autorização prévia ou vedação de publicação de biografias por parte de biografados que querem o controle absoluto sobre o que se diz a seu respeito (um outro assunto, outra longa conversa).
Ecad: onipresente país afora
Em seu website, o Ecad esclarece que tem estrutura e tanto: sede no Rio de Janeiro e “possui 34 unidades próprias instaladas nas principais capitais do Brasil, além de dezenas de agências autônomas credenciadas”. Segue na homepage da instituição uma janela de busca onde está escrito: “Encontre o representante do Ecad mais próximo de você”.

Vejam, esse espaço não pretende ser um tutorial de como acessar o Ecad na internet, longe disso, mas informamos aqui que na homepage do órgão é possível encontrar serviços e facilidades “online”, tais como a impressão de segunda via de boleto de “cobrança de retribuição autoral”; atualização cadastral, para que seja mais fácil o Ecad te encontrar; “envio de programação musical” e “simulação de cálculo”.

No ícone “envio de programação musical”, por exemplo, temos a divisão em “tv”, “cinema” e “shows/eventos”. Dependendo do caso, tem-se, a ser devidamente preenchido, a planilha de programação musical, o “processo necessário para o envio do borderô e roteiro de cinema”, e, para os que vão realizar shows/eventos um guia de como “enviar a programação musical correta”.

Na simulação de cálculo, como o nome diz, é uma simulação do cálculo da “retribuição autoral”. Esta deverá ser validada pela “unidade ou representante do Ecad mais próximo”.

Por que as coisas são assim? Boas perguntas. Uma coisa meio brasileira, digamos, talvez explique uma parte do todo.
Falecido em 2006, Mario Zan continua firme e forte no período de festas juninas
Fato é que, no período de festas juninas, aqueles que adoram os folguedos logo percebem quando a festa está boa. Tá tocando Gonzagão, Mário Zan, Anastácia, Dominguinhos? Certamente a paróquia/clube pagou por isso. Se os herdeiros do Gonzagão, do Mário Zan, da Anastácia e do Dominguinhos estão, de fato, recebendo por isso, bem, a conversa é outra.

Como complemento a esse escrito, segue a tabela divulgada pela assessoria de imprensa do Ecad acerca do ranking dos autores com maior rendimento nas festas juninas de 2014. A especificação pecuniária correspondente não foi divulgada. Segundo o release, “em 2014 mais de oito mil artistas receberam quase R$ 2 milhões pela execução pública de suas músicas no segmento de Festas Juninas”.

Ranking de autores mais tocados nas festas juninas (2014):

1 Gonzagão
2 Mário Zan
3 Tato
4 Zé Dantas
5 Sorocaba
6 João Silva
7 Dorgival Dantas
8 Lamartine Babo
9 Alberto Ribeiro
10 Palmeira
11 Dominguinhos
12 Humberto Teixeira
13 Alceu Valença
14 Petrúcio Amorim
15 Cecéu
16 Antônio Barros
17 Luiz Fidélis
18 Accioly Neto
19 Thomas Roth
 20 Zé Ramalho

Ranking de obras mais executadas nas festas juninas de 2014:

Ranking - Título da obra musical - Referência autoral

1 Festa na Roça (Palmeira/Mário Zan)
2 O Sanfoneiro Só Tocava Isso (Haroldo Lobo/Geraldo Medeiros)
3 Pagode Russo  (João Silva / Gonzagão)
4 Olha Pro Céu (Gonzagão/José Fernandes de Carvalho)
5 Quadrilha Brasileira (Gerson Filho/José Maria de Aguiar Filho)
6  Asa Branca (Humberto Teixeira/Gonzagão)
7  Lepo Lepo (Magno Santana/Filipe Escandurras)
8  São João Na Roça  (Zé Dantas/Gonzagão)
9  O Xote das Meninas  (Zé Dantas/Gonzagão)
10  Esperando na Janela (Raimundinho do Acordeon/Targino Gondim/Manuca Almeida)
11 Eu Só Quero um Xodó (Anastácia/Dominguinhos)
12 Marcando a Quadrilha (Mário Zan)
13 Antônio, Pedro & João (Benedito Lacerda/Oswaldo Santiago)
14 Pula a Fogueira (João Bastos Filho/Amor)
15 Sonho de Papel (Alberto Ribeiro)
16 Frevo Mulher (Zé Ramalho)
17 Chegou a Hora da Fogueira (Lamartine Babo)
18 Vai no Cavalim (Big Big/Samy Coelho)
19 Rindo à Toa (Tato)
20 Todo Mundo (tema da Coca-Cola FWC)

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