sexta-feira, 15 de abril de 2016

Quando ouvir música virou crime


Conforme visto aqui neste espaço, a comodidade (sempre ela) é uma boa explicação para o fato de que hoje não é mais necessário fazer o download de músicas para o computador. Streaming é o lance e é com ele que as gravadoras pretendem recuperar o terreno perdido na batalha contra a pirataria de música na web.


Um bom resumo de tudo o que aconteceu com a indústria fonográfica nos últimos 18 anos (na verdade, como chegamos até aqui) pode ser visto nas páginas de “How Music Got Free” (no Brasil, “Como a Música Ficou Grátis – O Fim de Uma Indústria, A Virada do Século e o Paciente Zero da Pirataria” [Editora Intrínseca]), do jornalista norte-americano Stephen Witt.


“O que acontece quando uma geração inteira comete o mesmo crime?” Eis a pergunta que o jornalista gosta de fazer. Estão ali, o nascimento do MP3, e o esforço científico de aplicação prática dos fundamentos da psicoacústica; a supressão de frequências sonoras, de modo a fazer com que um arquivo digital diminua de tamanho e, mais leve, possa ser ouvido em diferentes meios (o computador, o telefone, o player portátil, a partir do pendrive, etc), com pouca perda de qualidade. Perdem-se os detalhes, sim, mas fica o todo, quer dizer, ainda é a mesma música que antes só podia ser ouvida a partir da reprodução de um LP ou de um CD.

Karlheinz Brandenburg, o pai do MP3
Só pela explicação desses fundamentos, o livro já vale a leitura. A premissa dos pesquisadores – com destaque para os engenheiros alemães do Fraunhofer Institute, considerados os pais do MP3 – era a de que a maior parte daquilo que é gravado nos estúdios fonográficos, melhor dizendo, a maior parte das informações contidas em gravações é inaudível ao ouvido humano, que não consegue perceber certas frequências sonoras, e pode ser descartado, com pouca perda de qualidade.

A batalha pelos padrões de compressão de sons é explicada de modo jornalístico, sem cansar o leitor com pouca ou nenhuma noção de algoritmos aplicados às gravações sonoras. Na disputa supervisionada pelo Moving Picture Experts Group (MPEG), comitê padronizador, o MP3, desenvolvido nos laboratórios do Fraunhofer Institute, demorou anos mas acabou levando a melhor sobre os concorrentes.


Da mesma forma, em “Como a Música Ficou Grátis”, o jornalista Stephen Witt esmiúça como a indústria fonográfica ficou para trás, ao não perceber que a guinada estava se dando no sentido da eliminação da mídia física, mas não no hábito de ouvir música.

Dell Glover, o paciente zero da pirataria
No livro, somos apresentados a personagens interessantes, como Benny Lydell “Dell” Glover (“the man who broke the music business”, segundo reportagem da revista New Yorker), um funcionário da fábrica de CDs da PolyGram, que passou a jogar na web discos tirados ilegalmente do ambiente fabril. É ele o tal paciente zero da pirataria. Acusado de infringir direitos autorais, Glover foi pego pelo FBI, em 2007. Passou apenas três meses na cadeia.

Retrocedendo ao início do novo século, algo incontrolável se passava no reino discográfico, onde as gravadoras davam as ordens: artistas de todos os pesos viam suas músicas circulando de forma exponencial na internet, antes mesmo que tais obras fossem lançadas em formato físico.


Naquele momento, ninguém sabia o que fazer com esse novo jeito de conseguir música, muito menos com as redes de compartilhamento. Lembram do Metallica processando o Napster, e por tabela os fãs de música?


Sobram páginas para o desleixo e patetice da indústria, que tardou a perceber como se relacionar com a novidade tecnológica dos arquivos comprimidos e a rapidez e facilidade com que apareciam na rede. Enquanto apostavam no crescimento da venda de CDs e DVDs, a pirataria digital nadava de braçada lá na frente. Até hoje muito ainda estão atordoados, fácil achar um artista reclamando que não vende mais nada, porque tudo está “de graça” na web.

Para os que gostam de analisar as coisas através dos números, eis alguns demonstrados por Witt: a pirataria digital estaria por trás do desabamento do faturamento, fazendo a coisa despencar de US$ 39 bilhões em 1999 para US$ 14,9 bilhões em 2014. US$ 15 bilhões, em 2015, comemora a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI).

Mas sejamos otimistas, pois o pior, dizem, já passou. Falam hoje no convívio, na coexistência de diferentes formatos, diferentes mídias, uma coisa que o próprio mercado estaria dando um jeito, porque, sabem, o show tem que continuar, idem os negócios e a roda do capitalismo.

Por esse raciocínio, tem espaço para as diferentes mídias (o LP, o cassete, o CD, o DVD, o Blu-Ray, o MP3, etc). A IFPI sabe que atualmente o controle do streaming, isto é, da música canalizada da web, sem a necessidade de suporte físico, é o campeão, o negócio da vez, batendo fácil em números os downloads digitais.

Projeção indica que os downloads vão continuar caindo

Não é preciso mais baixar a música e encher o HD do computador ou do telefone. Assina-se música. Tudo está armazenado em servidores. Tudo o que é necessário é uma boa conexão de internet.

Segundo a Nielsen Company, especialista em informação e pesquisa de mercado, em 2015, os serviços de streaming on-demand de música online, atingiu a casa de 317 bilhões de streams, o dobro do registrado em 2014 (164.5 bilhões de canções acessadas). De maneira surpreendente, cresceu a venda de vinis, no mesmo período, respondendo por 9% da fatia de venda de álbuns em formato físico. A recuperação dos vinis, segundo a IFPI, estaria ocorrendo desde o ano de 2007, tendo alcançado, em 2013, a cifra de US$ 218 milhões, bem diferente de anos anteriores quando chegou ao fundo do poço em termos de vendagens.

O mais irônico: o livro de Stephen Witt foi pirateado e disponibilizado na web um mês antes do lançamento.

Trecho inicial de “Como a Música Ficou Grátis”:

Faço parte da geração pirata. Em 1997, quando entrei na faculdade, nunca tinha ouvido falar em mp3. No final do primeiro período meu HD de dois gigabytes já armazenava centenas de músicas pirateadas. Ao me formar, eu possuía seis HDs de vinte gigabytes cheios. Em 2005, quando me mudei para Nova York, já contava com uma coleção de 1.500 gigabytes de música, o equivalente a quase quinze mil álbuns.1 Levava uma hora só para carregar minha biblioteca, e, se você organizasse as músicas em ordem alfabética por artista, teria que passar um ano e meio ouvindo para ir de ABBA a ZZ Top. 

Eu pirateava em escala industrial, mas não contava a ninguém. Era um segredo fácil de manter. Eu nunca era visto em lojas de discos e não atuava como DJ em festas. Conseguia os arquivos em salas de chat e por meio do Napster e do BitTorrent. Não compro um álbum com meu próprio dinheiro desde a virada do milênio. Os colecionadores de vinil de antigamente tinham porões inteiros lotados de capas empoeiradas, porém minha coleção digital caberia em uma caixa de sapatos. 

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