segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Plebe Rude Remix (Extended Version)

Philippe Seabra (Plebe Rude), no estúdio Daybreak (foto: Pedro Ventura)
O material postado neste espaço é uma reciclagem. Um remix. Essa entrevista com Philippe Seabra, músico, mais conhecido pelo trabalho com a banda Plebe Rude, foi originalmente publicado na revista Roteiro Brasília, n° 239, de maio de 2015. O tamanho da conversa não coube no espaço da revista. Palavras grafadas em itálico são comentários deste autor. Agradecimentos aos editores da Roteiro Brasília pelo uso do material. E um agradecimento especial ao entrevistado, pela bondade e paciência para com o entrevistador, sempre interrompendo indevidamente o raciocínio alheio.


Sobre Philippe Seabra, eterno Plebe Rude, teria dito Herbert Vianna, certo dia, nos anos de ouro daqueles anos 1980: “É a melhor mão direita do rock nacional”. O tom mais eloquente, entretanto, viria depois, pelos lábios de Ian McCulloch, vocalista do Echo & The Bunnymen: “very British”.

O comentário foi a respeito do cara que o acompanhou em “Lips Like Sugar”, quando da passagem do Bunnyman por Brasília, em 23 de julho de 2004. Philippe Seabra impressionou McCulloch não só pela levada firme de guitarra, como também pelo conhecimento sobre o sempre cativante rock inglês.

Stuart Adamson (Big Country) (1958-2001)
Só uma ressalva, antes de adentrar no assunto. Roqueiro brasileiro que admire o rock britânico tem aos montes. Mas render honesta e inesperada homenagem com gaita de foles a Stuart Adamson (1958-2001), líder do Big Country (formado na Escócia!), como fez Philippe Seabra (na verdade, nascido em Washington, D.C., EUA) e a Plebe Rude em “O Que Se Faz” (faixa de abertura do disco “R ao Contrário”, 2006), significa que estamos diante de alguém com amplo conhecimento de causa. E que faz uma música boa pra caramba, rock com “R” maiúsculo.

Núcleo duro da Plebe Rude: Philippe, André X e Clemente (Inocentes)
Pois lá se vão 30 e tantos anos de Plebe Rude, still rocking and rolling, man! Desde que Seabra e André Mueller (o André X) se encontraram na entrada de um dos conjuntos da QI 8, do Lago Norte, em Brasília, e o último convidou o primeiro a formar uma banda, muitas pedras rolaram, numa longa e sinuosa estrada marcada pelo rock arguto, guitarreiro (guitarra + guerreiro), sempre coerente, de mordaz observação sócio-política etc. Muitos predicados denotam qualidade, não é verdade?

E que nos deu canções do barulho. “Até Quando Esperar”, do mini-lp “O Concreto Já Rachou” (1985) entra, tranquila, na categoria “perfect pop”, isto é, a canção perfeita, tanto em aspecto composicional, passando por arranjo e qualidade de gravação. Ademais, tem um raro riff de cello tocado por Jacques Morelembaum. O mais famoso riff de cello do rock nacional.

Nem precisa dizer, mas a Plebe Rude é parte da trindade mais conhecida do rock de Brasília. Legião Urbana e Capital Inicial são os outros vértices do triângulo.


O Concreto Já Rachou (1985)
 
Nunca Fomos Tão Brasileiros (1987)
Plebe Rude (1988)
Mais Raiva do Que Medo (1993)
R ao Contrário (2006)
Nação Daltônica (2015)
Com apenas seis discos de originais de estúdio lançados (“O Concreto Já Rachou”, 1985; “Nunca Fomos Tão Brasileiros”, 1987; “Plebe Rude”, 1988; “Mais Raiva do Que Medo”, 1993; “R ao Contrário”, 2006; e o mais recente, “Nação Daltônica”, 2014), a Plebe Rude é sobrevivente do boom do rock nacional dos anos 1980. O grupo continua nadando contra a corrente. Mudou integrantes (atualmente, Philippe Seabra, André X, Clemente e o baterista Marcelo Capucci) e mantém agenda de shows e projetos na ativa.

Blog do Hektor – A Plebe tem disco novo...

Philippe Seabra – Está saindo agora. Saiu no final do ano, mas que nem “O Concreto Já Rachou”, que saiu no finalzinho do ano, nem conta, então para a gente é um lançamento de 2015.

BH – Esse título, “Nação Daltônica”. Daltônico e aquele que não vê a diferenciação entre as cores. Esse tom é pejorativo? De não conseguir enxergar claramente as coisas? É o momento que a gente vive?

PS – É o foco. Talvez a letra mais didática da Plebe tenha sido “Proteção”. As outras, talvez, falem da relação governo versus sociedade. Sempre letras contundentes. É incrível pensar que a gente conseguiu chegar em programas de televisão com letras desse tipo. A gente tocou “Proteção” no (programa do) Chacrinha: a letra mais veemente contra a ditadura militar, em 1986 ou 1987. No Chacrinha, a gente tocou “Nunca Fomos Tão Brasileiros” e “Censura”, outra que também foi censurada Foram sinais positivos da abertura democrática que estava se consolidando.

Comentário: A Plebe (formação original, com Philippe, Jander "Ameba" Bilaphra, André X, e o baterista Gutje), usando gorro de Papai Noel, mimicando "Censura" no Cassino do Chacrinha, em 1987, é algo no mínimo hilário. Anarquista era o Velho Guerreiro!

BH – A Plebe está intimamente amarrada a um discurso político?

PS – Hoje em dia não é exatamente político, mas sócio-político. Comparado com o que tem rolado no rock brasileiro nos últimos 20 anos, é político. É meio que comparar literatura de Sidney Sheldon e Shakespeare.

BH – Olha que Sidney Sheldon deve vender mais que Shakespeare.

PS - A analogia é exatamente essa. Se compararmos a profundidade das letras da Plebe com o que rola por aí, é estarrecedor.

BH – No cenário atual do rock, como você vê esse discurso político, isto é, por esse viés da mensagem contida na canção popular?

PS – No caso singular da Plebe, vamos ver o seguinte: a gente cresceu em Brasília. Naquela época, ninguém tinha nascido em Brasília e fomos a primeira geração, o primeiro sotaque dado por essa rapaziada que veio de diferentes estados do Brasil. Depois, claro, apareceu gente nascida em Brasília. Esse discurso tinha que vir de algum lugar, e veio de algum lugar real e puro. Se essas músicas ressoam até hoje é por causa disso.

BH – A Plebe não perdeu a contundência e nem a qualidade do discurso.

PS – Sim, mas veja. Naquela época ninguém tinha perspectiva de viver de música, não tinha a música jovem na rádio, ninguém sonhava em ser músico.

BH – Éramos uma blank generation. Vivi aquela época, e lembro que ninguém acreditava em nada, todo mundo vivia puto da vida com a situação.


Brasília na década de 1970: isolation
PS – É verdade. Aqui em Brasília vivíamos culturalmente e fisicamente isolados. Culturalmente, os filmes demoravam meses para chegar, as peças de teatro não vinham, exceto aquelas coisas mais jargão, tipo Jô Soares e Chico Anísio. Fisicamente isolados, porque as passagens aéreas eram caras.

BH – Brasília então não gozava do prestígio que tem hoje.

PS – O propósito de Brasília ainda não tinha sido cumprido. Era para sediar o poder, e também integrar o centro do Brasil ao resto do país. Então a gente foi meio que rato de laboratório. A “tchurma”, como o Renato Russo dizia, era tudo, menos acomodada, pois eram filhos de pais acadêmicos Os punks paulistas falavam que éramos um bando de filhos de papai, não era bem assim.

BH – Você chegou em Brasília em 1976, não foi?

Deste saiu a clássica releitura de "Mas Que Nada" (Jorge Ben)
PS – Como menino americano, criado a base de pizza, sem falar português, minha única ligação com o Brasil (no tempo de infância, nos Estados Unidos) era um disco do Brasil 66, o grupo do Sérgio Mendes. O que ajudou a suavizar essa transição foi entrar na Escola Americana, onde estudavam os irmãos Mueller (Bernardo, que formou o XXX e Escola de Escândalo e o André, meu companheiro de Plebe), e os irmãos Ouro Preto, Dinho e Ico. O Ico, que foi do Aborto Elétrico, foi o mais importante, pois me inspirou a tocar violão. Eu estudava violão nos EUA, com 7 ou 8 anos de idade, mas não me interessei muito. Quando vim para o Brasil vi o Ico tocando na Escola Americana, as coisas mudaram.

BH – Como era Brasília nessa época?

PS – Quando cheguei vi que tinha algo meio torto com o Brasil. Achava estranho porque tinha propaganda militar na televisão (cantarola o verso “Esse é um pais que vai pra frente”), e crianças acenando bandeiras. O leite tinha um gosto esquisito. Brasília não tinha nada. Curti um pouco de vida de bloco, tinha uma turma na 105 Sul. Morava com meu avô, enquanto a casa (no Lago Norte) estava sendo construída.

Comentário: a casa onde mora, em Brasília, é a mesma onde compôs as músicas clássicas do disco “O Concreto Já Rachou” (1985). Philippe também lembra do dia em que estudantes encontraram o presidente Ronald Reagan, na Embaixada Americana. O futuro Plebe Rude, a cinco metros do presidente americano, cruzou os braços e não cumprimentou a figura, um cara nefasto para sua época. Aliás, foi nessa viagem, em 1982, que Reagan cometeu (mais) uma gafe ao fazer um brinde “ao povo da Bolívia!”.

BH – E esse isolamento de Brasília? Naqueles tempos tudo era mais longe.

PS – Tinha um amigo na QI 19. Nossa, parecia o fim do mundo. Mas esse isolamento do Lago Norte foi algo interessante porque eu mergulhei na música. Tinha dois gravadores. Gravava o violão em um e depois gravava em cima com outro violão. Foi aqui no Lago Norte que eu conheci o André. Éramos próximos por causa da escola Americana e porque éramos vizinhos, eu, o André e o Fê (Fê Lemos, do Capital Inicial). O André já sabia que eu tinha uma técnica avançada (de tocar), apesar da idade que tinha. Um ano antes, ele tinha me apresentado ao punk, o que mudou a minha perspectiva, mudou tudo na minha vida.

BH – O que você ouvia nessa época?

PS - Eu era um garoto americano normal que ouvia Van Halen, Aerosmith, só bandas americanas, Boston, Chicago, Kansas, tudo nome de cidades e estados. O André me apresentou o punk e um ano depois, ele com 18 e eu com 14, saiu a Plebe Rude, 34 anos atrás. Eu já abria show aos 13 com minha banda, Caos Construtivo, abria para o Aborto Elétrico.

BH – E o nome Plebe Rude?

PS – O tio do André falava da plebe ignara. O termo foi usado pelo Sergio Porto, o Stanislaw Ponte Preta.

Comentário rápido: a propósito, leiam a crônica “Arinete – a mulata”, no Febeapá, e vejam o que é a plebe ignara.

Tem a música da Gal Costa: “enquanto a plebe rude toca na cidade”...


Comentário: sorry, boy, apesar de conseguir cantarolar em tom Gal Costa, em verdade a canção se chama “Café Soçaite” (autor: Miguel Gustavo) e foi gravada pela Maria Bethânia, no disco “Recital na Boite Barroco”, de 1968. A letra diz assim:

“Enquanto a plebe rude na cidade dorme / Eu ando com Jacintho / Que é também de Thormes. / Teresa e Dolores falam bem de mim / Eu sou até citado na coluna do Ibrahim...”.

Vejam mais em http://www.luizamerico.com.br/fundamentais-maria-bethania.php

A gente estava entre esse nome e Os Zulus. A gente ia usar uma figura africana que seria a mascote da banda, um africano cheio de argolas no pescoço. Imagina se a gente tivesse insistido nesse nome, nessa figura, um tanto caricatural, o tanto de problema que nos teria dado. Foi bom termos ficado com Plebe Rude. O resto é história. Daí a gente começou a banda, já andava com a turma do Renato Russo, o Aborto Elétrico.

BH – Onde conheceu o Renato Russo?

PS – Através da turma, talvez na (lanchonete) Food’s, onde fazíamos os shows à tarde. Os grandes shows, os mais memoráveis foram à tarde, por isso que a gente está com esse projeto do rock na ciclovia.

 
Comentário: Philippe Seabra é o grande nome incentivador do “Rock na Ciclovia”, projeto que visa levar as bandas para tocar ao ar livre, nas tardes de sábado, em um aprazível local familiar, no Lago Norte, bairro situado na península de mesmo nome, em Brasília.

Por que Brasília foi tão fundamental no sotaque desse pessoal? Porque a gente conseguiu coisas com o embasamento de nossos pais. Leitura. Havia poucas coisas na tevê: tinha “Os Gatões”, “O Homem do Fundo do Mar”, “A Mulher Maravilha”. Coisas que passavam à tarde, não tinha as distrações que a gurizada de hoje possui.

BH – Alguém aqui influenciou você a gostar de rock?

PS – Meu irmão mais velho. Ele tinha todos os discos clássicos de rock da época. Tem coisas que eu não peguei, tipo Kiss, Ted Nugent, Bad Company. Foi seleção natural, não curti. O Kiss tem o “Love Gun”, que é um clássico. Só fui no show (em Brasília, abril de 2015) por causa desse disco. Mas outras coisas eu peguei, tipo Boston e Aerosmith, que fizeram a minha cabeça. Mas quando fui apresentado ao punk...

BH – O que você gostava de punk?

PS – É o pós-punk, o mais elaborado.

BH – Pegou Sex Pistols na ativa?

PS – Não, mas uns três anos depois, o Clash, na época. Um ano depois que ouvi o “London Calling” formei a Plebe.

BH – De fato, as coisas mudaram muito na passagem dos 70 para os 80.

Livro de Simon Reynolds é a bíblia do pós-punk
PS – O que nos influenciou não foi aquele punk moicano, três acordes. Mas coisas mais elaboradas, o pós-punk tipo Siouxsie and The Banshees, Comsat Angels, Psychedelic Furs, PiL. Tem um livro chamado “Rip It Up and Start Again”, sobre o nascimento do pós-punk. De acordo com o jornalista que escreveu (Simon Reynolds), a quebra foi o “Metal Box”, do PiL. Eu, aqui no Lago Norte, ouvindo essas coisas no isolamento de Brasília. Foi o que fez a minha cabeça.

BH – Como vocês conseguiam esses discos?

PS – Nossa internet na época eram as embaixadas. Como tinha muito filho de diplomata na turma, a gente conseguia essas coisas via o malote das embaixadas. Seguramente eu fui o primeiro cara no Brasil que teve em mãos o primeiro disco do Depeche Mode, o “Speak and Spell” (1981). A realidade de Brasília, os diplomatas, e o isolamento fizeram essa turma ter essa densidade de letras, a lucidez. O rock que vinha de São Paulo era muito incisivo, só que era muito didático, tipo (cantarola em tom punk): “Morte ao sistema. Eu odeio tudo”. Gosto do punk paulista. A gente toca música do Cólera até hoje, mas ele era um pouco didático demais.

BH – As coisas precisavam ser ditas...

PS – Sim, mas essas músicas acabaram não tendo a ressonância que as músicas de Brasília tiveram. O que vinha do Rio era o rock de bermudas; o Marcelo Nova chamava aquele som de rock de bermudas. As letras do Aborto, da Legião, Plebe falando em música urbana, que país é esse, até quando esperar, voto em branco. Foram essas letras que fizeram essa rapaziada ser presa em Patos de Minas, em 1982, no primeiro show Plebe e Legião.


Comentário: mais detalhes sobre esse episódio estão no documentário “Rock Brasília – Era de Ouro”, do cineasta Vladmir Carvalho.

Essa foi a nossa realidade. As pessoas sentem uma saudade dos anos 80, romantizam justamente por causa dessa pureza no som, dessa pureza da linguagem. Já nos anos 90, cá pra nós, a MTV já estava aqui, o advento do vídeo-clip já tinha rolado, as pessoas viram que tinha dinheiro nesse business, aí surgiram bandas, inclusive em Brasília, já naquela maldade de “opa, se eles conseguem, a gente também consegue”. Esse foi o diferencial do rock de Brasília.

BH – Interessante é que o discurso da contestação era atribuído aos grandes da MPB. No filme do Vladimir tem uma cena emblemática, da apresentação da Legião Urbana (tocando “Ainda É Cedo”), no programa do Chico & Caetano. A Globo mostra o Caetano, pasmo, o Chico, idem. O Caetano diz que a música era meio sem estrutura, mas que tinha adorado a dança do Renato.

Comentário: Vladimir Carvalho certamente teve permissão da Rede Globo para usar as imagens do programa Chico & Caetano. Além do registro precioso, trata-se de evento histórico que mostrou em rede nacional de televisão o confronto de gerações de artistas musicais que marcaram a formação cultural brasileira. Em outras palavras, foi quando o rock pareceu ser mais atraente que a MPB. No mínimo, a atitude do Renato Russo botou no bolso o nheco-nheco do Caetano.

 
 
PS – O rock que chegava às rádios era o rock mainstream. Casa das Máquinas, Rita Lee. Rita Lee era establishment total. Não tinha o discurso. De repente, chegou esse pessoal de Brasília com uma lucidez... O Capital, as letras do Aborto, da Legião, da Plebe. No “Rock Brasília”, assim como no “Faroeste Caboclo” e no “Somos Tão Jovens”, o fio condutor desses filmes é Plebe e Legião. No “Faroeste...” tem a Plebe tocando na UnB (Universidade de Brasília). O diretor Renê Sampaio filmou uma cena pensando na Plebe, é aquela cena em que ela (a personagem Maria Lúcia) pega ele (o João de Santo Cristo) traficando e eles brigam. Tem uma banda desfocada lá atrás, o som é Plebe Rude.

BH – Você fez a trilha sonora do “Faroeste Caboclo”. Dentre outros prêmios, esse filme ganhou um troféu de melhor trilha sonora.

Comentário: indicado em 13 categorias o filme “Faroeste Caboclo”, dirigido por Renê Sampaio, levou sete troféus no 13° Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, em 2014: melhor longa de ficção, melhor roteiro adaptado (Marcos Bernstein e Victor Atherino), melhor montagem (Marcio Hashimoto), melhor som (Leandro Lima, Miriam Biderman, ABC, Ricardo Chuí, e Paulo Gama), melhor direção de fotografia (Gustavo Habda), melhor ator (Fabricio Boliveira) e melhor trilha sonora original (Philippe Seabra).

PS – Voltando ao “Nação Daltônica”, esse foi um disco que demorou dois anos e meio para ficar pronto. Quando a gente começou, o André teve que sair e ficar mais de um ano e meio fazendo mestrado. Eu pausei o disco e, em seguida, recebi uma ligação do Renê para fazer a trilha. Aí eu tirei seis meses para fazer a trilha. Quando voltei, senti que a gente precisava mudar de empresário. Isso demorou mais um processo. A liberação da música do Comsat Angels levou uns três meses. Foi muito legal, pois ao receber a premiação a gente fechou uma etapa. O disco atrasou uns nove meses ao todo.

Comentário: a faixa “Mais Um Ano Você” é uma versão feita por Philippe Seabra e André X para a canção “Will You Stay Tonight?”, presente no disco “Land”, da banda pós-punk britânica Comsat Angels, lançado em 1983.

No ano passado, tocamos essa música ao vivo com a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro, com a regência do Claudio Cohen.

BH – Ao que consta, no novo disco vocês tiveram outra experiência com orquestra. A Sinfônica de Praga fez as cordas. Por quê esse pessoal e não com uma orquestra brasileira?

PS – Aqui é caro demais. Só para você ter uma ideia, gravar dois minutos e meio foi uns R$ 8 mil. Vai fazer isso aqui no Brasil. Acompanhamos a gravação pela internet. Não exatamente em real time.

BH – Em “Nação Daltônica” tem algo possamos chamar de retomada estilística? A capa lembra a arte de “Nunca Fomos Tão Brasileiros”.

PS – Não. Nunca tem uma retomada. Não levamos muito a sério bandas que falam de retomar, quando retomam o discurso político, quando retomam o rock. Nunca fizemos outra coisa diferente. Plebe é Plebe. Tem algumas bandas oportunistas que falam: “ah, a gente se inspirou nas manifestações”. O quê? O que aconteceu nos últimos 30 anos nesse país, para só agora, quando você vê que está em moda protestar? Sempre que produzo bandas, puxo essas bandas para o lado da coerência, para o lado mais sério das letras. Não necessariamente o lado político, mas o lado mais sério. Se uma banda começa com um som engraçadinho, aí faz sucesso. Depois quando tenta fazer um som mais sério, o seu público, que gostou do som engraçadinho não vai entender. E o público que leva rock a sério, não vai aceitar. Se você começar coerente com o seu som, não tem como se contradizer.

BH – As pessoas amadurecem, aquele que começou engraçadinho pode dar uma guinada...

PS – São casos raríssimos. Não existe. No Brasil, quem faz com propriedade... O primeiro disco já uma espécie de “Best of” do início de carreira, um acúmulo.

BH – Um statement?

PS – Isso, um statement, é isso que eu faço.

BH – Pode dar um exemplo?

PS – Um exemplo mais extremo disso foram Los Hermanos. Eles conseguiram um respeito enorme depois que pararam de tocar “Ana Júlia”. A gente vê muito essas coisas com algumas bandas emocore. O discurso não vem de um lugar muito sincero. Talvez sejam pessoas da geração mais recente, que cresceram com muita televisão, pouca leitura. Isso se reflete na música, não tem aquele embasamento.

BH – Em “Anos de Luta”, do novo disco, você faz uma alusão a “Dias de Luta”, do Ira! O discurso incluído nessa canção dá a ideia de que as pessoas estão cercadas por uma gama enorme de informação, mas não conseguem traduzir isso no dia a dia. De que adianta ter a internet com um milhão de coisas, mas você só extrai bobagem? Acho que ainda vamos pagar um preço muito alto por esse emburrecimento intelectual.

PS – Quando a gente tinha essa idade, era jovem, já frequentava cinemas. Não tínhamos muitos filmes, mas tinha as mostras que passavam nas embaixadas, Pasolini, Truffaut. Se as letras saem com esse nível e essa densidade, tem um motivo. Tem a mão guiadora dos pais. Não tinha distração. Acho um pouco injusto as pessoas tentarem comparar as eras porque não tinha essa distração. Hoje em dia tem vídeo game, cinema 3D, internet. A gente tinha telefone para ligar para os amigos, leitura e música. Por isso que a música, para essa geração, foi importante. Aquela coisa de pegar o vinil, ouvir com atenção... Não é aquela coisa de ficar apertando o ‘play’ a cada três segundos, ficar pulando. O cara acumula um monte de coisas no computador e acaba não ouvindo nada. Ele ouve a música durante cinco segundos, navegando no Facebook com headphone ruim.

BH – Essa coisa do gostei/não gostei parece meio terrível, não? Polegar pra cima, polegar para baixo. O parâmetro parece meio radical.

PS – Sim, isso isso vai criando uma database. São filtros. A gente fala disso em “Anos de Luta”, o que resume bem “Nação Daltônica”: “as decisões que tomam por você e as pessoas que te deixam eleger”. As decisões são aquelas coisas colocadas na televisão, os autores de novelas, que inventam uma palavra nova, ou fazem as coisas virar trending. Os políticos, que são escolhidos para você. A Dilma foi escolhida, vai ser ela...

BH – Você falou dessa mistura perigosa de entretenimento e política. Isso sempre existiu, não?

PS – Não é isso. O rock sempre teve a ver com política. Falo quando a política vira entretenimento. As pessoas vão para o panelaço porque é divertido.

BH – Como você vê essas manifestações de rua, que muitas vezes desembocam em ódio?

PS – As conquistas dos trabalhadores são inegáveis, mas tem um custo social muito grande envolvido. Parece que agora que a gente está vendo que essas coisas de propina, corrupção tem um custo muito alto para o país. O problema com essa grande decepção no país talvez tenha vindo em cima das promessas de que essa jogatina acabaria. A gente vê que isso não acabou.

BH – Você fala do discurso ético do PT de que não faria o que os velhacos sempre fizeram?

PS – Sim, infelizmente os jogadores ficam mudando. Mas o problema não são os jogadores, mas o jogo que não muda. Isso tem a ver com o lance do brasileiro que ainda não sabe votar. O Renan está por aí, o Collor está por aí....

BH – O Brasil é governado por três poderes, mas parece que a carga toda é direcionada só para a presidente. Parece que não há um esforço de cobrança em cima das decisões tomadas pelos outros poderes. O Legislativo toma decisões que nos afetam, idem o Judiciário.

PS – Sim, isso ainda está muito enraizado. O jogo tem que mudar. Por isso que a gente, em “Nação Daltônica”, está focando não mais tanto no governo, mas nas pessoas que permitem que o governo faça essas coisas. Os governos vão sempre fazer. As pessoas esquecem em quem votam.

BH – The Clash é uma referência para a Plebe. Você participa do Clash City Rockers. Fale um pouco desse projeto.

PS – Clash City Rockers é um projeto que a Plebe tem desde 1988. Todo mundo do rock nacional já participou. Pessoal do Ira!, Legião, Ultraje, Biquini, todo mundo já tocou Clash com a gente, uma vez ou outra nos últimos 30 anos. Tinha uma época que eu falava: é a única banda que importava (“the only band that matters”). Tanto que o disco “London Calling” foi eleito o melhor dos anos 80 pela revista Rolling Stone. Mais importante, foi a postura, a atitude que nos influenciava. Você ouve a Plebe, a Plebe não parece com nada. Eu fui muito influenciado pelo Pete Townshend, do The Who, a maneira de tocar com a mão direita.

BH – Você usa sempre guitarras Gibson?

PS – Sim, tanto que o Herbert Vianna disse n’O Globo que eu era a melhor mão direita do rock nacional.

BH – Não faz solos mirabolantes.

PS – Base é tudo.

BH – Você também gira os braços (à moda Pete Townshend)?

PS – Tentei fazer isso uma vez, mas fiz errado. Você tem que fazer de baixo para cima, mas aí, plein! Quase quebrei a mão contra o braço da guitarra.

BH – Já quebrou guitarra no palco? Cometeu essa loucura?

PS – Isso não. Mas é essa postura que influenciava o som desse pessoal. Veja Legião. Não soa como nada. Tudo bem, uma ou outra música parecia The Smiths na época, mas tinha propriedade.

BH – Interessante você dizer isso. Lembro que quando ouvi Legião pela primeira vez, eu já tinha essa noção do rock inglês e achava que Legião era um tanto calcada em U2 e Smiths. Os Titãs eu achava que lembrava Talking Heads. Paralamas, Police. Mas Plebe, não tinha nada parecido.

PS – Pode publicar isso. Na verdade, isso foi completamente pensado à época. Eu não queria que a Plebe soasse como uma versão sub de alguma coisa. Como produtor, às vezes chegam bandas até mim que dizem: nosso som é tipo Red Hot Chili Peppers. Eu digo: mas não já existe o Red Hot Chili Peppers?

BH – Você começa a fazer música e já se encaixa num rótulo. Isso é meio complicado, hein?

PS – Isso acontece muito aqui em Brasília por causa dessa praga de covers.

BH – Praga de covers?


PS – Sim, as casas noturnas se fecham para o rock autoral. Por isso que estamos revivendo o conceito de Rock na Ciclovia, para trazer o rock autoral de volta.


The End

Para finalizar, Philippe Seabra gentilmente se deu ao trabalho de tentar identificar coisas tocadas pelo entrevistador. A boa e velha cabra cega, para testar conhecimentos. No concurso público do rock, teria tirado nota para passar com louvor.

Cabra cega:

“4th of July” (X) – Provavelmente é americano, não é? Deve ser o pessoal da Georgia, sub-R.E.M, algo assim. X? Da California? Banda punk importantíssima. Essa música é bem mais leve, quase pop. Nunca curti muito o punk californiano. Fomos influenciados quase que exclusivamente pelo punk inglês, por poucas bandas americanas, como o Talking Heads, Blondie (nem tanto) e Ramones, claro.

“Under The Milky Way” (The Church) – Isso não chega a ser Lloyd Cole? Vê-se claramente a influência de Bowie. Lords of the New Church? Não? The Church? Da Austrália?

“Train To Lamy Suite” (California Guitar Trio) – Isso é versão do Led Zeppelin? Dois violões e uma guitarra? A levada é meio King Crimson. Foram alunos do Robert Fripp? É estranho, pois tem guitarra e violão, mas sem bateria por trás. Fica meio vazio. O riff é bem Led mas com amplificadores mais pesados.

"Tomorrow" (The Durutti Column) – Meio Morrissey. The Durutti Column? O André gostava disso. Faz tempo que não ouço. O grande connoiseur de música na Plebe é o André. Ele que abastecia a moçada com os discos.

“Ninguém Presta” (Tolerância Zero) – Não consigo identificar. É de Brasília? Tem um paralelo aí: enquanto os playboys tentavam dar porrada na gente, a gente saia com as namoradas deles. Na época, os playboys só andavam em bandos de homens, e na turma da gente tinha muita menina bonita. Isso incitava muito o ódio desses caras, a gente apanhou muito de playboy.

“Years Later” (Cactus World News) – Dá uma dica? Da Irlanda? That Petrol Emotion. Não? Cara, isso é muito Arcade Fire. O Arcade Fire bebeu muito nessa fonte. Dá mais uma dica. O tempo e a batida são o mesmo de “Até Quando...”.

“Não Me Diga Adeus” (Aracy de Almeida) – Não tenho muito acesso a esse tipo de som, mas me agrada. Aracy de Almeida a nossa geração conhece como a jurada rabugenta dos programas de televisão.

“Regina” (Ronnie Von) – Essa introdução parece Milton Nascimento, os discos mais grandiosos. O arranjo é bem final da década de 60. Não consigo identificar essa voz. Parece coisas do Clube da Esquina, Wagner Tiso. Ronnie Von disse que gostava do som de Brasília.

“Golden Brown” (The Stranglers) – Oh, c’mon. The Stranglers. "Golden Brown, texture like sun...". Essa é uma música sobre o vício em heroína.

“Evil” (Interpol) – Podia ser Big Star, mas a gravação é mais recente. Dá uma dica? Interpol? É legal, mas as influências são muito aparentes. É bem Joy Division. É que nem LCD Soundsystem. Legal, mas uma música é bem Wire, outra é igual Talking Heads, outra parece Joy Division. Isso me incomoda um pouco quando é muito próximo. Se fizermos um disco parecido com alguma coisa, somos massacrados. Mas quando nego faz na gringa, todo mundo fica: uau!

"Whiskey in The Jar" (Metallica) – C’mon, isso é cover tocado pelo Metallica. Cover do Neil Young? Eagles? Thin Lizzy? Engraçado, meu irmão tinha disco do Thin Lizzy, mas isso não fez a minha cabeça. É seleção natural, o disco escolhe a gente.

“Lost in The Supermarket” (The Clash) – Ah, vai, isso é sacanagem. Essa música é difícil de tocar. O riff de guitarra é meio difícil de tocar. Você vê como o punk é inclusivo. O som é meio discotheque. Quem canta é o Mick Jones. Os dois (Mick Jones e Joe Strummer) eram o Lennon e McCartney do punk.

“1963” (New Order) – Batida meio Gang of Four. Baterista que tocava assim, era o baterista do Big Country, Mark Brzezicki. A gente dedicou uma música ao Stuart Adamson no disco anterior, o R ao Contrário. A gente usou uma gaita de foles em “O que Se Faz”. Mas é um instrumento extremamente agudo, afinado em si bemol, muito difícil de encaixar. Mas eu conheço essa voz. É Bernard Sumner. New Order fez muito a nossa cabeça. Eu vi um show do New Order, em Washington, com o (André) Pretorius. Fui um dos últimos da turma e ver o Pretorius.

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