domingo, 30 de agosto de 2015

Plebe @ Torre de TV


Se acontecer de você estar pelo centro de Brasília, neste domingo, 30/08/2015, dê uma passada pela Torre de TV. A Plebe Rude faz show grátis, para marcar o lançamento nacional do CD "Nação Daltônica".


Inaugurada em 1965, a Torre de TV, você sabe, foi projetada pelo arquiteto e urbanista Lúcio Costa, o autor do projeto do Plano Piloto de Brasília.

Diz a Wikipédia que a Torre de TV é "um dos poucos edifícios importantes de Brasília que não são uma criação de Oscar Niemeyer".

"É a quarta estrutura mais alta do Brasil, etc.".

Everybody out there!

Mais detalhes: http://www.pleberude.com.br/

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Discos japoneses



Uma coisa interessante no meio do caminho. Na noite em que o quinteto do pianista japonês Makoto Kuriya (aumentado com as participações de Mônica Salmaso e do saxofonista Teco Cardoso) fez sua única apresentação, em Brasília, em 24/08/2015, a plateia foi surpreendida com uma exposição de discos em vinil japoneses, instalada em um café da Caixa Cultural Brasília.

Janete das Graças, presidente do Clube e Museu do Disco de Vinil de Brasília
A iniciativa foi de Janete das Graças Sousa, uma entusiasta de longa data nos bolachões, e segundo ela, os 200 lps japoneses expostos fazem parte do acervo do Clube e Museu do Disco de Vinil de Brasília.

Janete faz questão de dizer que essas verdadeiras joias japonesas foram gentilmente doadas ao Clube e Museu do Disco de Vinil de Brasília pelo Sr. Takeshi Tsu Kishima, 90 anos, também colecionador da bela música gravada em long-playings.

Olhando en passant, o ouvinte acidental parece necessário ter mil olhos para reconhecer uma capa, um nome em meio ao cipoal de ideogramas e estética clean, um tanto ingênua, mas definitivamente japanese, com muitas gueixas, cerejeiras, quimonos, bambus, ikebanas, pagodes, neve, o monte Fuji, enfim, uma coleção de retratos e sons de um Japão tradicional e romântico, como parece ser o antigo dono desses discos.


Este escriba bem que tentou encontrar algo familiar, um Yellow Magic Orchestra, um Ryuichi Sakamoto, um Tomita, um Stomu Yamashta, sei lá, um Kitaro, mas reconheceu apenas um disco do maestro Seiji Osawa e outro do grupo de jazz fusion Hiroshima. Como dito, a praia do Sr, Takeshi, ainda bem, parece ser outra.


À pergunta sobre a comercialização dos discos, Janete das Graças respondia de bate pronto que os lps doados não estão à venda: “Atos como o do Sr. Takeshi ajudam a construir o Clube e Museu do Disco de Vinil de Brasília, um espaço cultural sem fins lucrativos, que visa à preservação da cultura musical contida nos discos de vinil e outros suportes musicais”.


Janete afirma que busca parcerias com o poder público, a fim de viabilizar um espaço para a implantação do Clube. Será a oportunidade de o público conhecer o acervo de quase 5 mil exemplares que mantém, além de eletrolas, e toca-discos dos mais variados modelos e épocas . É uma vida inteira dedicada à fina arte do vinil.

Em outra oportunidade voltaremos a este assunto.

Fotos: Janete das Graças Sousa

Bob Dylan, o mais chato dos chatos (segundo Ruy Castro)

 
Para alguém acostumado a levar pedrada, deve ter machucado feito bolinha de papel na cabeça as queixas do escritor/jornalista mineiro/carioca Ruy Castro, que vociferou aborrecido contra (mais uma) lista publicada pela revista Rolling Stone, a dos “100 maiores compositores de todos os tempos”.

Tudo porque, encabeçando a lista, está um tal de Bob Dylan, que chegou à frente de Paul McCartney e John Lennon, respectivamente segundo e terceiro colocados na escolha. Tal fato (não exatamente a lista, mas os comentários de Ruy Castro) mereceu chamada de capa em um dos jornais mais influentes do país, a Folha de S.Paulo (edição de segunda-feira, 24/08/2015), além, é claro, do espaço que o escritor tradicionalmente ocupa, sempre na página 2, no rodízio de articulistas mantidos pelo periódico paulistano.

“Sua música é pobre, óbvia, sem interesse melódico ou harmônico. Serve só para carregar a letra, e olhe lá. Mas eu o poria em primeiro também – na lista dos 100 maiores chatos de todos os tempos”, esculhamba o renomado autor, entre outros, de “Chega de Saudade: a História e as histórias da Bossa Nova” e o “O Anjo Pornográfico: a Vida de Nelson Rodrigues”.

Ruy Castro de olho em você, Dylan
Segundo Ruy Castro, a lista da Rolling Stone é estapafúrdia, pois, além de Dylan na cabeça, só tem roqueiros ingleses e americanos, “incluindo um sujeito chamado Babyface, a dupla Timbaland e Missy Elliott e um tipo em andrajos, Kanye West”. Revolta mesmo porque nomes como Duke Ellington, Ary Barroso, e Ernesto Lecuona foram ignorados, idem gigantes do porte de Johann Strauss, Franz Lehar, Cole Porter e Noel Rosa.

Entra em cena o advogado do diabo. Primeiro, espernear sobre essas listas é pura perda de tempo. Depois, é óbvio que as listas são parciais (reflete a vontade de seus editores) e, principalmente: a Rolling Stone é publicação de origem americana, que desde o nascimento tem como matéria prima o rock, seus derivados e seu impacto na cultura anglo-saxônica. Portanto, caro Ruy Castro, é muito pouco provável que veremos Elomar, Gordurinha, Jackson do Pandeiro e Cartola brilhando em destaque nas páginas da Rolling Stone americana.

Um outro ponto de vista diz respeito às indisfarçáveis preferências musicais de Ruy Castro, conforme se depreende de seus escritos, em livros e crônicas. Se o leitor tiver alguma dúvida sobre a bossa nova, Carmen Miranda, o jazz e a música popular anglo-saxônica do século XX (sobretudo anos 1930, 1940 e 1950), basta correr as páginas de Ruy Castro, para elucidar mil e um fatos. Tudo temperado com uma escrita saborosa e elucidativa de alguém que conhece muito sobre esses fatos.


Em “Tempestade de Ritmos”, coletânea de artigos, Ruy Castro abre raro espaço para falar de rock. Quem o conhece sabe que guitarras rugindo e vocais berrados não são exatamente a sua praia. Mas no artigo “Macho mesmo era o velho rock and roll”, que o livro em questão assinala como originalmente publicado em 28/08/1999, Castro comenta sobre antigos “ritmos violentos dirigidos a jovens”, diversos do rock, tais como o charleston, o boogie-woogie, e o jitterbug.

Afirma o escritor: “Esse é um problema frequente em pessoas que ouvem rock demais: sabem pouco sobre o que aconteceu antes de sua geração, o que equivale a dizer que desconhecem a música do passado pré-rock”.


Daí, segue comentário sobre uma coletânea lançada pelo selo Rhino (especializado em reedições), chamada “Loud, fast and out of control”, “com 104 faixas de grande rock and roll gravadas entre 1953 e 1959”. Segundo o jornalista/escritor, as faixas da coletânea (que inclui números dos grandes Bill Haley e seus Cometas, Elvis Presley, Eddie Cochran, Chuck Berry, Gene Vincent, entre outros) demonstram “a riqueza e a variedade do rock and roll, qualidades que ele foi perdendo à medida que se tornou apenas rock e deixou de rolar”.

Sobre as pedradas em Dylan, Robert Zimmermann sabe de longa data de onde elas vêm. No ótimo documentário “Don’t Look Back”, de Don Alan "D. A." Pennebaker, lançado em 1967, temos várias delas: vemos um artista tentando se desvencilhar da histérica pecha de “gênio”. Um sujeito implora para que Dylan mostre as mãos, enquanto alguém da plateia o chama de “traidor” por ter abandonado a pureza folk em favor do rock turbinado por guitarras elétricas. Faz mais ou menos 50 anos que essa história se repete.

Bob Dylan em Brasília, segundo foto do jornal Correio Braziliense
Quem conhece Dylan sabe que suas belas canções jamais foram tocadas e cantadas pelo próprio do mesmo jeito. Sim, Dylan é um chato, mas um chato tolerável, desde que mantido à distância. Quando esteve em Brasília, em 17 de abril de 2012, óbvio, não deu entrevistas, não procurou ser simpático (mas também não foi mal-educado), e sua apresentação foi feita com os telões apagados.

Bob Dylan & Banda em Brasília, 17/04/2012
Quem estava lá atrás, no Ginásio Nilson Nelson, ouviu mas viu uma figura diminuta no palco. Para este escriba e maioria dos presentes, foi uma grande aula de rock and roll. Ruy Castro precisava estar lá.

Ah, sim, a lista da Rolling Stone:

100. Björn Ulvaeus and Benny Andersson
99. Tom T. Hall
98. Otis Blackwell
97. Taylor Swift
96. Timbaland and Missy Elliott
95. The Bee Gees
94. John Prine
93. Billie Joe Armstrong
92. Paul Westerberg
91. Eminem
90. Babyface
89. Felice and Boudleaux Bryant
88. Barry Mann and Cynthia Weill
87. Kris Kristofferson
86. Sam Cooke
85. R.E.M.
84. Kanye West
83. Nicholas Ashford and Valerie Simpson
82. Marvin Gaye
81. Björk
80. R. Kelly
79. Lucinda Williams
78. Curtis Mayfield
77. Allen Toussaint
76. Loretta Lynn
75. Isaac Hayes and David Porter
74. Patti Smith
73. Radiohead
72. Fats Domino and Dave Barthomolew
71. Walter Becker and Donald Fagen
70. Dan Penn
69. James Taylor
68. Jay Z
67. Morrissey and Marr
66. Kenny Gamble and Leon A. Huff
65. George Harrison
64. Bert Berns
63. Chrissie Hynde
62. Harry Nilsson
61. Doc Pomus and Mort Shuman
60. Willie Nelson
59. Tom Petty
58. George Clinton
57. Joe Strummer and Mick Jones
56. Madonna
55. Tom Waits
54. Kurt Cobain
53. Stevie Nicks
52. Notorious B.I.G.
51. Willie Dixon
50. Billy Joel
49. Don Henley and Glenn Frey
48. Elton John and Bernie Taupin
47. Neil Diamond
46. Norman Whitfield and Barrett Strong
45. Robbie Robertson
44. Jimmy Webb
43. Johnny Cash
42. Sly Stone
41. Max Martin
40. John Fogerty
39. David Bowie
38. Al Green
37. Jackson Browne
36. Jerry Garcia and Robert Hunter
35. Bono and the Edge
34. Michael Jackson
33. Merle Haggard
32. Burt Bacharach and Hal David
31. Dolly Parton
30. Pete Townshend
29. Buddy Holly
28. Woody Guthrie
27. Ray Davies
26. James Brown
25. Randy Newman
24. Elvis Costello
21. Robert Johnson
20. Van Morrison
21. Lou Reed
20. Jerry Leiber and Mike Stoller
19. Ellie Greenwich and Jeff Barry
18. Prince
17. Neil Young
16. Leonard Cohen
15. Eddie Holland, Lamont Dozier and Brian Holland
14. Bruce Springsteen
13. Hank Williams
12. Brian Wilson
11. Bob Marley
10. Stevie Wonder
9. Joni Mitchell
8. Paul Simon
7. Carole King/Carole King and Gerry Goffin
6. Mick Jagger and Keith Richards
5. Smokey Robinson
4. Chuck Berry
3. John Lennon
2. Paul McCartney
1. Bob Dylan

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Ongaku


Falar de um show musical que já rolou é meio chato. As palavras jamais conseguirão contar com exatidão e detalhes como foi, como as notas ecoaram no ar, como os instrumentos foram executados e que emoção e comoção a música provocou em corações e mentes que testemunharam determinada apresentação.

Em síntese, quem foi, foi. Quem perdeu, que corra atrás ou aguarde uma próxima oportunidade, que pode durar dias, meses, anos de espera. Ou, nevermore, como diz o Edgar Allan Poe.

De qualquer modo, no contexto dos 120 anos de amizade Japão-Brasil, a embaixada do Japão trouxe ao país o grupo de jazz nipônico do pianista Makoto Kuriya. O Makoto Kuriya Creative Jazz Ensemble Japan passou por São Paulo, Ribeirão Preto, Curitiba e Brasília, onde nesta cidade, no teatro da Caixa Cultural, nos mostrou um certo jazz com toques da terra do sol nascente.

Formado por Makoto Kuriya (piano), Gennoshin Yasui (percussão), Koichi Osamu (baixo), Hidenobu Otsuki (bateria) e Jiro Yoshida (guitarra e violão), o grupo teve em palco a companhia muito especial da cantora Mônica Salmaso e do saxofonista/flautista Teco Cardoso.

Com toda essa rapaziada tocando junto, o som só poderia ser uma fusão de estilos, tendo o jazz como fio condutor. Interessante como, ao piano, Makoto Kuriya imprime a sonoridade da delicada música tradicional do Japão, seja em improvisos típicos do jazz ocidental ou quando se aventura pelos caminhos da música popular brasileira.

Mônica Salmaso: blue notes
Aí que entra Mônica Salmaso, mestra das blue notes. A cantora nunca escondeu verve jazzística, e talvez melhor represente o segmento de cantoras que misturam o samba e a tradicional música popular brasileira (MPB) com o swing do jazz. Suas belas vocalises fazem com que seja um instrumento a mais no palco. “De Frente Pro Crime” (João Bosco e Aldir Blanc) e “Berimbau” (Baden Powell e Vinicius de Moraes) valeram a noite.

Menção honrosa ao percussionista Gennoshin Yasui. Utilizando um sampler e uma parafernália de instrumentos de percussão, com destaque para o pandeiro, o japa mostrou entusiasmo incansável e uma usina de ideias sonoras. Aliás, esse parece ser o grande lance do Makoto Kuriya Creative Jazz Ensemble Japan: uma música de grande inventividade, capaz de causar surpresa e admiração em quem a escuta.
Makoto Kuriya, grande jazz made in Japan
Perdeu? Última chance, só no Rio de Janeiro, dias 27 e 28 de agosto, na Cidade das Artes.

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Plebe Rude Remix (Extended Version)

Philippe Seabra (Plebe Rude), no estúdio Daybreak (foto: Pedro Ventura)
O material postado neste espaço é uma reciclagem. Um remix. Essa entrevista com Philippe Seabra, músico, mais conhecido pelo trabalho com a banda Plebe Rude, foi originalmente publicado na revista Roteiro Brasília, n° 239, de maio de 2015. O tamanho da conversa não coube no espaço da revista. Palavras grafadas em itálico são comentários deste autor. Agradecimentos aos editores da Roteiro Brasília pelo uso do material. E um agradecimento especial ao entrevistado, pela bondade e paciência para com o entrevistador, sempre interrompendo indevidamente o raciocínio alheio.


Sobre Philippe Seabra, eterno Plebe Rude, teria dito Herbert Vianna, certo dia, nos anos de ouro daqueles anos 1980: “É a melhor mão direita do rock nacional”. O tom mais eloquente, entretanto, viria depois, pelos lábios de Ian McCulloch, vocalista do Echo & The Bunnymen: “very British”.

O comentário foi a respeito do cara que o acompanhou em “Lips Like Sugar”, quando da passagem do Bunnyman por Brasília, em 23 de julho de 2004. Philippe Seabra impressionou McCulloch não só pela levada firme de guitarra, como também pelo conhecimento sobre o sempre cativante rock inglês.

Stuart Adamson (Big Country) (1958-2001)
Só uma ressalva, antes de adentrar no assunto. Roqueiro brasileiro que admire o rock britânico tem aos montes. Mas render honesta e inesperada homenagem com gaita de foles a Stuart Adamson (1958-2001), líder do Big Country (formado na Escócia!), como fez Philippe Seabra (na verdade, nascido em Washington, D.C., EUA) e a Plebe Rude em “O Que Se Faz” (faixa de abertura do disco “R ao Contrário”, 2006), significa que estamos diante de alguém com amplo conhecimento de causa. E que faz uma música boa pra caramba, rock com “R” maiúsculo.

Núcleo duro da Plebe Rude: Philippe, André X e Clemente (Inocentes)
Pois lá se vão 30 e tantos anos de Plebe Rude, still rocking and rolling, man! Desde que Seabra e André Mueller (o André X) se encontraram na entrada de um dos conjuntos da QI 8, do Lago Norte, em Brasília, e o último convidou o primeiro a formar uma banda, muitas pedras rolaram, numa longa e sinuosa estrada marcada pelo rock arguto, guitarreiro (guitarra + guerreiro), sempre coerente, de mordaz observação sócio-política etc. Muitos predicados denotam qualidade, não é verdade?

E que nos deu canções do barulho. “Até Quando Esperar”, do mini-lp “O Concreto Já Rachou” (1985) entra, tranquila, na categoria “perfect pop”, isto é, a canção perfeita, tanto em aspecto composicional, passando por arranjo e qualidade de gravação. Ademais, tem um raro riff de cello tocado por Jacques Morelembaum. O mais famoso riff de cello do rock nacional.

Nem precisa dizer, mas a Plebe Rude é parte da trindade mais conhecida do rock de Brasília. Legião Urbana e Capital Inicial são os outros vértices do triângulo.


O Concreto Já Rachou (1985)
 
Nunca Fomos Tão Brasileiros (1987)
Plebe Rude (1988)
Mais Raiva do Que Medo (1993)
R ao Contrário (2006)
Nação Daltônica (2015)
Com apenas seis discos de originais de estúdio lançados (“O Concreto Já Rachou”, 1985; “Nunca Fomos Tão Brasileiros”, 1987; “Plebe Rude”, 1988; “Mais Raiva do Que Medo”, 1993; “R ao Contrário”, 2006; e o mais recente, “Nação Daltônica”, 2014), a Plebe Rude é sobrevivente do boom do rock nacional dos anos 1980. O grupo continua nadando contra a corrente. Mudou integrantes (atualmente, Philippe Seabra, André X, Clemente e o baterista Marcelo Capucci) e mantém agenda de shows e projetos na ativa.

Blog do Hektor – A Plebe tem disco novo...

Philippe Seabra – Está saindo agora. Saiu no final do ano, mas que nem “O Concreto Já Rachou”, que saiu no finalzinho do ano, nem conta, então para a gente é um lançamento de 2015.

BH – Esse título, “Nação Daltônica”. Daltônico e aquele que não vê a diferenciação entre as cores. Esse tom é pejorativo? De não conseguir enxergar claramente as coisas? É o momento que a gente vive?

PS – É o foco. Talvez a letra mais didática da Plebe tenha sido “Proteção”. As outras, talvez, falem da relação governo versus sociedade. Sempre letras contundentes. É incrível pensar que a gente conseguiu chegar em programas de televisão com letras desse tipo. A gente tocou “Proteção” no (programa do) Chacrinha: a letra mais veemente contra a ditadura militar, em 1986 ou 1987. No Chacrinha, a gente tocou “Nunca Fomos Tão Brasileiros” e “Censura”, outra que também foi censurada Foram sinais positivos da abertura democrática que estava se consolidando.

Comentário: A Plebe (formação original, com Philippe, Jander "Ameba" Bilaphra, André X, e o baterista Gutje), usando gorro de Papai Noel, mimicando "Censura" no Cassino do Chacrinha, em 1987, é algo no mínimo hilário. Anarquista era o Velho Guerreiro!

BH – A Plebe está intimamente amarrada a um discurso político?

PS – Hoje em dia não é exatamente político, mas sócio-político. Comparado com o que tem rolado no rock brasileiro nos últimos 20 anos, é político. É meio que comparar literatura de Sidney Sheldon e Shakespeare.

BH – Olha que Sidney Sheldon deve vender mais que Shakespeare.

PS - A analogia é exatamente essa. Se compararmos a profundidade das letras da Plebe com o que rola por aí, é estarrecedor.

BH – No cenário atual do rock, como você vê esse discurso político, isto é, por esse viés da mensagem contida na canção popular?

PS – No caso singular da Plebe, vamos ver o seguinte: a gente cresceu em Brasília. Naquela época, ninguém tinha nascido em Brasília e fomos a primeira geração, o primeiro sotaque dado por essa rapaziada que veio de diferentes estados do Brasil. Depois, claro, apareceu gente nascida em Brasília. Esse discurso tinha que vir de algum lugar, e veio de algum lugar real e puro. Se essas músicas ressoam até hoje é por causa disso.

BH – A Plebe não perdeu a contundência e nem a qualidade do discurso.

PS – Sim, mas veja. Naquela época ninguém tinha perspectiva de viver de música, não tinha a música jovem na rádio, ninguém sonhava em ser músico.

BH – Éramos uma blank generation. Vivi aquela época, e lembro que ninguém acreditava em nada, todo mundo vivia puto da vida com a situação.


Brasília na década de 1970: isolation
PS – É verdade. Aqui em Brasília vivíamos culturalmente e fisicamente isolados. Culturalmente, os filmes demoravam meses para chegar, as peças de teatro não vinham, exceto aquelas coisas mais jargão, tipo Jô Soares e Chico Anísio. Fisicamente isolados, porque as passagens aéreas eram caras.

BH – Brasília então não gozava do prestígio que tem hoje.

PS – O propósito de Brasília ainda não tinha sido cumprido. Era para sediar o poder, e também integrar o centro do Brasil ao resto do país. Então a gente foi meio que rato de laboratório. A “tchurma”, como o Renato Russo dizia, era tudo, menos acomodada, pois eram filhos de pais acadêmicos Os punks paulistas falavam que éramos um bando de filhos de papai, não era bem assim.

BH – Você chegou em Brasília em 1976, não foi?

Deste saiu a clássica releitura de "Mas Que Nada" (Jorge Ben)
PS – Como menino americano, criado a base de pizza, sem falar português, minha única ligação com o Brasil (no tempo de infância, nos Estados Unidos) era um disco do Brasil 66, o grupo do Sérgio Mendes. O que ajudou a suavizar essa transição foi entrar na Escola Americana, onde estudavam os irmãos Mueller (Bernardo, que formou o XXX e Escola de Escândalo e o André, meu companheiro de Plebe), e os irmãos Ouro Preto, Dinho e Ico. O Ico, que foi do Aborto Elétrico, foi o mais importante, pois me inspirou a tocar violão. Eu estudava violão nos EUA, com 7 ou 8 anos de idade, mas não me interessei muito. Quando vim para o Brasil vi o Ico tocando na Escola Americana, as coisas mudaram.

BH – Como era Brasília nessa época?

PS – Quando cheguei vi que tinha algo meio torto com o Brasil. Achava estranho porque tinha propaganda militar na televisão (cantarola o verso “Esse é um pais que vai pra frente”), e crianças acenando bandeiras. O leite tinha um gosto esquisito. Brasília não tinha nada. Curti um pouco de vida de bloco, tinha uma turma na 105 Sul. Morava com meu avô, enquanto a casa (no Lago Norte) estava sendo construída.

Comentário: a casa onde mora, em Brasília, é a mesma onde compôs as músicas clássicas do disco “O Concreto Já Rachou” (1985). Philippe também lembra do dia em que estudantes encontraram o presidente Ronald Reagan, na Embaixada Americana. O futuro Plebe Rude, a cinco metros do presidente americano, cruzou os braços e não cumprimentou a figura, um cara nefasto para sua época. Aliás, foi nessa viagem, em 1982, que Reagan cometeu (mais) uma gafe ao fazer um brinde “ao povo da Bolívia!”.

BH – E esse isolamento de Brasília? Naqueles tempos tudo era mais longe.

PS – Tinha um amigo na QI 19. Nossa, parecia o fim do mundo. Mas esse isolamento do Lago Norte foi algo interessante porque eu mergulhei na música. Tinha dois gravadores. Gravava o violão em um e depois gravava em cima com outro violão. Foi aqui no Lago Norte que eu conheci o André. Éramos próximos por causa da escola Americana e porque éramos vizinhos, eu, o André e o Fê (Fê Lemos, do Capital Inicial). O André já sabia que eu tinha uma técnica avançada (de tocar), apesar da idade que tinha. Um ano antes, ele tinha me apresentado ao punk, o que mudou a minha perspectiva, mudou tudo na minha vida.

BH – O que você ouvia nessa época?

PS - Eu era um garoto americano normal que ouvia Van Halen, Aerosmith, só bandas americanas, Boston, Chicago, Kansas, tudo nome de cidades e estados. O André me apresentou o punk e um ano depois, ele com 18 e eu com 14, saiu a Plebe Rude, 34 anos atrás. Eu já abria show aos 13 com minha banda, Caos Construtivo, abria para o Aborto Elétrico.

BH – E o nome Plebe Rude?

PS – O tio do André falava da plebe ignara. O termo foi usado pelo Sergio Porto, o Stanislaw Ponte Preta.

Comentário rápido: a propósito, leiam a crônica “Arinete – a mulata”, no Febeapá, e vejam o que é a plebe ignara.

Tem a música da Gal Costa: “enquanto a plebe rude toca na cidade”...


Comentário: sorry, boy, apesar de conseguir cantarolar em tom Gal Costa, em verdade a canção se chama “Café Soçaite” (autor: Miguel Gustavo) e foi gravada pela Maria Bethânia, no disco “Recital na Boite Barroco”, de 1968. A letra diz assim:

“Enquanto a plebe rude na cidade dorme / Eu ando com Jacintho / Que é também de Thormes. / Teresa e Dolores falam bem de mim / Eu sou até citado na coluna do Ibrahim...”.

Vejam mais em http://www.luizamerico.com.br/fundamentais-maria-bethania.php

A gente estava entre esse nome e Os Zulus. A gente ia usar uma figura africana que seria a mascote da banda, um africano cheio de argolas no pescoço. Imagina se a gente tivesse insistido nesse nome, nessa figura, um tanto caricatural, o tanto de problema que nos teria dado. Foi bom termos ficado com Plebe Rude. O resto é história. Daí a gente começou a banda, já andava com a turma do Renato Russo, o Aborto Elétrico.

BH – Onde conheceu o Renato Russo?

PS – Através da turma, talvez na (lanchonete) Food’s, onde fazíamos os shows à tarde. Os grandes shows, os mais memoráveis foram à tarde, por isso que a gente está com esse projeto do rock na ciclovia.

 
Comentário: Philippe Seabra é o grande nome incentivador do “Rock na Ciclovia”, projeto que visa levar as bandas para tocar ao ar livre, nas tardes de sábado, em um aprazível local familiar, no Lago Norte, bairro situado na península de mesmo nome, em Brasília.

Por que Brasília foi tão fundamental no sotaque desse pessoal? Porque a gente conseguiu coisas com o embasamento de nossos pais. Leitura. Havia poucas coisas na tevê: tinha “Os Gatões”, “O Homem do Fundo do Mar”, “A Mulher Maravilha”. Coisas que passavam à tarde, não tinha as distrações que a gurizada de hoje possui.

BH – Alguém aqui influenciou você a gostar de rock?

PS – Meu irmão mais velho. Ele tinha todos os discos clássicos de rock da época. Tem coisas que eu não peguei, tipo Kiss, Ted Nugent, Bad Company. Foi seleção natural, não curti. O Kiss tem o “Love Gun”, que é um clássico. Só fui no show (em Brasília, abril de 2015) por causa desse disco. Mas outras coisas eu peguei, tipo Boston e Aerosmith, que fizeram a minha cabeça. Mas quando fui apresentado ao punk...

BH – O que você gostava de punk?

PS – É o pós-punk, o mais elaborado.

BH – Pegou Sex Pistols na ativa?

PS – Não, mas uns três anos depois, o Clash, na época. Um ano depois que ouvi o “London Calling” formei a Plebe.

BH – De fato, as coisas mudaram muito na passagem dos 70 para os 80.

Livro de Simon Reynolds é a bíblia do pós-punk
PS – O que nos influenciou não foi aquele punk moicano, três acordes. Mas coisas mais elaboradas, o pós-punk tipo Siouxsie and The Banshees, Comsat Angels, Psychedelic Furs, PiL. Tem um livro chamado “Rip It Up and Start Again”, sobre o nascimento do pós-punk. De acordo com o jornalista que escreveu (Simon Reynolds), a quebra foi o “Metal Box”, do PiL. Eu, aqui no Lago Norte, ouvindo essas coisas no isolamento de Brasília. Foi o que fez a minha cabeça.

BH – Como vocês conseguiam esses discos?

PS – Nossa internet na época eram as embaixadas. Como tinha muito filho de diplomata na turma, a gente conseguia essas coisas via o malote das embaixadas. Seguramente eu fui o primeiro cara no Brasil que teve em mãos o primeiro disco do Depeche Mode, o “Speak and Spell” (1981). A realidade de Brasília, os diplomatas, e o isolamento fizeram essa turma ter essa densidade de letras, a lucidez. O rock que vinha de São Paulo era muito incisivo, só que era muito didático, tipo (cantarola em tom punk): “Morte ao sistema. Eu odeio tudo”. Gosto do punk paulista. A gente toca música do Cólera até hoje, mas ele era um pouco didático demais.

BH – As coisas precisavam ser ditas...

PS – Sim, mas essas músicas acabaram não tendo a ressonância que as músicas de Brasília tiveram. O que vinha do Rio era o rock de bermudas; o Marcelo Nova chamava aquele som de rock de bermudas. As letras do Aborto, da Legião, Plebe falando em música urbana, que país é esse, até quando esperar, voto em branco. Foram essas letras que fizeram essa rapaziada ser presa em Patos de Minas, em 1982, no primeiro show Plebe e Legião.


Comentário: mais detalhes sobre esse episódio estão no documentário “Rock Brasília – Era de Ouro”, do cineasta Vladmir Carvalho.

Essa foi a nossa realidade. As pessoas sentem uma saudade dos anos 80, romantizam justamente por causa dessa pureza no som, dessa pureza da linguagem. Já nos anos 90, cá pra nós, a MTV já estava aqui, o advento do vídeo-clip já tinha rolado, as pessoas viram que tinha dinheiro nesse business, aí surgiram bandas, inclusive em Brasília, já naquela maldade de “opa, se eles conseguem, a gente também consegue”. Esse foi o diferencial do rock de Brasília.

BH – Interessante é que o discurso da contestação era atribuído aos grandes da MPB. No filme do Vladimir tem uma cena emblemática, da apresentação da Legião Urbana (tocando “Ainda É Cedo”), no programa do Chico & Caetano. A Globo mostra o Caetano, pasmo, o Chico, idem. O Caetano diz que a música era meio sem estrutura, mas que tinha adorado a dança do Renato.

Comentário: Vladimir Carvalho certamente teve permissão da Rede Globo para usar as imagens do programa Chico & Caetano. Além do registro precioso, trata-se de evento histórico que mostrou em rede nacional de televisão o confronto de gerações de artistas musicais que marcaram a formação cultural brasileira. Em outras palavras, foi quando o rock pareceu ser mais atraente que a MPB. No mínimo, a atitude do Renato Russo botou no bolso o nheco-nheco do Caetano.

 
 
PS – O rock que chegava às rádios era o rock mainstream. Casa das Máquinas, Rita Lee. Rita Lee era establishment total. Não tinha o discurso. De repente, chegou esse pessoal de Brasília com uma lucidez... O Capital, as letras do Aborto, da Legião, da Plebe. No “Rock Brasília”, assim como no “Faroeste Caboclo” e no “Somos Tão Jovens”, o fio condutor desses filmes é Plebe e Legião. No “Faroeste...” tem a Plebe tocando na UnB (Universidade de Brasília). O diretor Renê Sampaio filmou uma cena pensando na Plebe, é aquela cena em que ela (a personagem Maria Lúcia) pega ele (o João de Santo Cristo) traficando e eles brigam. Tem uma banda desfocada lá atrás, o som é Plebe Rude.

BH – Você fez a trilha sonora do “Faroeste Caboclo”. Dentre outros prêmios, esse filme ganhou um troféu de melhor trilha sonora.

Comentário: indicado em 13 categorias o filme “Faroeste Caboclo”, dirigido por Renê Sampaio, levou sete troféus no 13° Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, em 2014: melhor longa de ficção, melhor roteiro adaptado (Marcos Bernstein e Victor Atherino), melhor montagem (Marcio Hashimoto), melhor som (Leandro Lima, Miriam Biderman, ABC, Ricardo Chuí, e Paulo Gama), melhor direção de fotografia (Gustavo Habda), melhor ator (Fabricio Boliveira) e melhor trilha sonora original (Philippe Seabra).

PS – Voltando ao “Nação Daltônica”, esse foi um disco que demorou dois anos e meio para ficar pronto. Quando a gente começou, o André teve que sair e ficar mais de um ano e meio fazendo mestrado. Eu pausei o disco e, em seguida, recebi uma ligação do Renê para fazer a trilha. Aí eu tirei seis meses para fazer a trilha. Quando voltei, senti que a gente precisava mudar de empresário. Isso demorou mais um processo. A liberação da música do Comsat Angels levou uns três meses. Foi muito legal, pois ao receber a premiação a gente fechou uma etapa. O disco atrasou uns nove meses ao todo.

Comentário: a faixa “Mais Um Ano Você” é uma versão feita por Philippe Seabra e André X para a canção “Will You Stay Tonight?”, presente no disco “Land”, da banda pós-punk britânica Comsat Angels, lançado em 1983.

No ano passado, tocamos essa música ao vivo com a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro, com a regência do Claudio Cohen.

BH – Ao que consta, no novo disco vocês tiveram outra experiência com orquestra. A Sinfônica de Praga fez as cordas. Por quê esse pessoal e não com uma orquestra brasileira?

PS – Aqui é caro demais. Só para você ter uma ideia, gravar dois minutos e meio foi uns R$ 8 mil. Vai fazer isso aqui no Brasil. Acompanhamos a gravação pela internet. Não exatamente em real time.

BH – Em “Nação Daltônica” tem algo possamos chamar de retomada estilística? A capa lembra a arte de “Nunca Fomos Tão Brasileiros”.

PS – Não. Nunca tem uma retomada. Não levamos muito a sério bandas que falam de retomar, quando retomam o discurso político, quando retomam o rock. Nunca fizemos outra coisa diferente. Plebe é Plebe. Tem algumas bandas oportunistas que falam: “ah, a gente se inspirou nas manifestações”. O quê? O que aconteceu nos últimos 30 anos nesse país, para só agora, quando você vê que está em moda protestar? Sempre que produzo bandas, puxo essas bandas para o lado da coerência, para o lado mais sério das letras. Não necessariamente o lado político, mas o lado mais sério. Se uma banda começa com um som engraçadinho, aí faz sucesso. Depois quando tenta fazer um som mais sério, o seu público, que gostou do som engraçadinho não vai entender. E o público que leva rock a sério, não vai aceitar. Se você começar coerente com o seu som, não tem como se contradizer.

BH – As pessoas amadurecem, aquele que começou engraçadinho pode dar uma guinada...

PS – São casos raríssimos. Não existe. No Brasil, quem faz com propriedade... O primeiro disco já uma espécie de “Best of” do início de carreira, um acúmulo.

BH – Um statement?

PS – Isso, um statement, é isso que eu faço.

BH – Pode dar um exemplo?

PS – Um exemplo mais extremo disso foram Los Hermanos. Eles conseguiram um respeito enorme depois que pararam de tocar “Ana Júlia”. A gente vê muito essas coisas com algumas bandas emocore. O discurso não vem de um lugar muito sincero. Talvez sejam pessoas da geração mais recente, que cresceram com muita televisão, pouca leitura. Isso se reflete na música, não tem aquele embasamento.

BH – Em “Anos de Luta”, do novo disco, você faz uma alusão a “Dias de Luta”, do Ira! O discurso incluído nessa canção dá a ideia de que as pessoas estão cercadas por uma gama enorme de informação, mas não conseguem traduzir isso no dia a dia. De que adianta ter a internet com um milhão de coisas, mas você só extrai bobagem? Acho que ainda vamos pagar um preço muito alto por esse emburrecimento intelectual.

PS – Quando a gente tinha essa idade, era jovem, já frequentava cinemas. Não tínhamos muitos filmes, mas tinha as mostras que passavam nas embaixadas, Pasolini, Truffaut. Se as letras saem com esse nível e essa densidade, tem um motivo. Tem a mão guiadora dos pais. Não tinha distração. Acho um pouco injusto as pessoas tentarem comparar as eras porque não tinha essa distração. Hoje em dia tem vídeo game, cinema 3D, internet. A gente tinha telefone para ligar para os amigos, leitura e música. Por isso que a música, para essa geração, foi importante. Aquela coisa de pegar o vinil, ouvir com atenção... Não é aquela coisa de ficar apertando o ‘play’ a cada três segundos, ficar pulando. O cara acumula um monte de coisas no computador e acaba não ouvindo nada. Ele ouve a música durante cinco segundos, navegando no Facebook com headphone ruim.

BH – Essa coisa do gostei/não gostei parece meio terrível, não? Polegar pra cima, polegar para baixo. O parâmetro parece meio radical.

PS – Sim, isso isso vai criando uma database. São filtros. A gente fala disso em “Anos de Luta”, o que resume bem “Nação Daltônica”: “as decisões que tomam por você e as pessoas que te deixam eleger”. As decisões são aquelas coisas colocadas na televisão, os autores de novelas, que inventam uma palavra nova, ou fazem as coisas virar trending. Os políticos, que são escolhidos para você. A Dilma foi escolhida, vai ser ela...

BH – Você falou dessa mistura perigosa de entretenimento e política. Isso sempre existiu, não?

PS – Não é isso. O rock sempre teve a ver com política. Falo quando a política vira entretenimento. As pessoas vão para o panelaço porque é divertido.

BH – Como você vê essas manifestações de rua, que muitas vezes desembocam em ódio?

PS – As conquistas dos trabalhadores são inegáveis, mas tem um custo social muito grande envolvido. Parece que agora que a gente está vendo que essas coisas de propina, corrupção tem um custo muito alto para o país. O problema com essa grande decepção no país talvez tenha vindo em cima das promessas de que essa jogatina acabaria. A gente vê que isso não acabou.

BH – Você fala do discurso ético do PT de que não faria o que os velhacos sempre fizeram?

PS – Sim, infelizmente os jogadores ficam mudando. Mas o problema não são os jogadores, mas o jogo que não muda. Isso tem a ver com o lance do brasileiro que ainda não sabe votar. O Renan está por aí, o Collor está por aí....

BH – O Brasil é governado por três poderes, mas parece que a carga toda é direcionada só para a presidente. Parece que não há um esforço de cobrança em cima das decisões tomadas pelos outros poderes. O Legislativo toma decisões que nos afetam, idem o Judiciário.

PS – Sim, isso ainda está muito enraizado. O jogo tem que mudar. Por isso que a gente, em “Nação Daltônica”, está focando não mais tanto no governo, mas nas pessoas que permitem que o governo faça essas coisas. Os governos vão sempre fazer. As pessoas esquecem em quem votam.

BH – The Clash é uma referência para a Plebe. Você participa do Clash City Rockers. Fale um pouco desse projeto.

PS – Clash City Rockers é um projeto que a Plebe tem desde 1988. Todo mundo do rock nacional já participou. Pessoal do Ira!, Legião, Ultraje, Biquini, todo mundo já tocou Clash com a gente, uma vez ou outra nos últimos 30 anos. Tinha uma época que eu falava: é a única banda que importava (“the only band that matters”). Tanto que o disco “London Calling” foi eleito o melhor dos anos 80 pela revista Rolling Stone. Mais importante, foi a postura, a atitude que nos influenciava. Você ouve a Plebe, a Plebe não parece com nada. Eu fui muito influenciado pelo Pete Townshend, do The Who, a maneira de tocar com a mão direita.

BH – Você usa sempre guitarras Gibson?

PS – Sim, tanto que o Herbert Vianna disse n’O Globo que eu era a melhor mão direita do rock nacional.

BH – Não faz solos mirabolantes.

PS – Base é tudo.

BH – Você também gira os braços (à moda Pete Townshend)?

PS – Tentei fazer isso uma vez, mas fiz errado. Você tem que fazer de baixo para cima, mas aí, plein! Quase quebrei a mão contra o braço da guitarra.

BH – Já quebrou guitarra no palco? Cometeu essa loucura?

PS – Isso não. Mas é essa postura que influenciava o som desse pessoal. Veja Legião. Não soa como nada. Tudo bem, uma ou outra música parecia The Smiths na época, mas tinha propriedade.

BH – Interessante você dizer isso. Lembro que quando ouvi Legião pela primeira vez, eu já tinha essa noção do rock inglês e achava que Legião era um tanto calcada em U2 e Smiths. Os Titãs eu achava que lembrava Talking Heads. Paralamas, Police. Mas Plebe, não tinha nada parecido.

PS – Pode publicar isso. Na verdade, isso foi completamente pensado à época. Eu não queria que a Plebe soasse como uma versão sub de alguma coisa. Como produtor, às vezes chegam bandas até mim que dizem: nosso som é tipo Red Hot Chili Peppers. Eu digo: mas não já existe o Red Hot Chili Peppers?

BH – Você começa a fazer música e já se encaixa num rótulo. Isso é meio complicado, hein?

PS – Isso acontece muito aqui em Brasília por causa dessa praga de covers.

BH – Praga de covers?


PS – Sim, as casas noturnas se fecham para o rock autoral. Por isso que estamos revivendo o conceito de Rock na Ciclovia, para trazer o rock autoral de volta.


The End

Para finalizar, Philippe Seabra gentilmente se deu ao trabalho de tentar identificar coisas tocadas pelo entrevistador. A boa e velha cabra cega, para testar conhecimentos. No concurso público do rock, teria tirado nota para passar com louvor.

Cabra cega:

“4th of July” (X) – Provavelmente é americano, não é? Deve ser o pessoal da Georgia, sub-R.E.M, algo assim. X? Da California? Banda punk importantíssima. Essa música é bem mais leve, quase pop. Nunca curti muito o punk californiano. Fomos influenciados quase que exclusivamente pelo punk inglês, por poucas bandas americanas, como o Talking Heads, Blondie (nem tanto) e Ramones, claro.

“Under The Milky Way” (The Church) – Isso não chega a ser Lloyd Cole? Vê-se claramente a influência de Bowie. Lords of the New Church? Não? The Church? Da Austrália?

“Train To Lamy Suite” (California Guitar Trio) – Isso é versão do Led Zeppelin? Dois violões e uma guitarra? A levada é meio King Crimson. Foram alunos do Robert Fripp? É estranho, pois tem guitarra e violão, mas sem bateria por trás. Fica meio vazio. O riff é bem Led mas com amplificadores mais pesados.

"Tomorrow" (The Durutti Column) – Meio Morrissey. The Durutti Column? O André gostava disso. Faz tempo que não ouço. O grande connoiseur de música na Plebe é o André. Ele que abastecia a moçada com os discos.

“Ninguém Presta” (Tolerância Zero) – Não consigo identificar. É de Brasília? Tem um paralelo aí: enquanto os playboys tentavam dar porrada na gente, a gente saia com as namoradas deles. Na época, os playboys só andavam em bandos de homens, e na turma da gente tinha muita menina bonita. Isso incitava muito o ódio desses caras, a gente apanhou muito de playboy.

“Years Later” (Cactus World News) – Dá uma dica? Da Irlanda? That Petrol Emotion. Não? Cara, isso é muito Arcade Fire. O Arcade Fire bebeu muito nessa fonte. Dá mais uma dica. O tempo e a batida são o mesmo de “Até Quando...”.

“Não Me Diga Adeus” (Aracy de Almeida) – Não tenho muito acesso a esse tipo de som, mas me agrada. Aracy de Almeida a nossa geração conhece como a jurada rabugenta dos programas de televisão.

“Regina” (Ronnie Von) – Essa introdução parece Milton Nascimento, os discos mais grandiosos. O arranjo é bem final da década de 60. Não consigo identificar essa voz. Parece coisas do Clube da Esquina, Wagner Tiso. Ronnie Von disse que gostava do som de Brasília.

“Golden Brown” (The Stranglers) – Oh, c’mon. The Stranglers. "Golden Brown, texture like sun...". Essa é uma música sobre o vício em heroína.

“Evil” (Interpol) – Podia ser Big Star, mas a gravação é mais recente. Dá uma dica? Interpol? É legal, mas as influências são muito aparentes. É bem Joy Division. É que nem LCD Soundsystem. Legal, mas uma música é bem Wire, outra é igual Talking Heads, outra parece Joy Division. Isso me incomoda um pouco quando é muito próximo. Se fizermos um disco parecido com alguma coisa, somos massacrados. Mas quando nego faz na gringa, todo mundo fica: uau!

"Whiskey in The Jar" (Metallica) – C’mon, isso é cover tocado pelo Metallica. Cover do Neil Young? Eagles? Thin Lizzy? Engraçado, meu irmão tinha disco do Thin Lizzy, mas isso não fez a minha cabeça. É seleção natural, o disco escolhe a gente.

“Lost in The Supermarket” (The Clash) – Ah, vai, isso é sacanagem. Essa música é difícil de tocar. O riff de guitarra é meio difícil de tocar. Você vê como o punk é inclusivo. O som é meio discotheque. Quem canta é o Mick Jones. Os dois (Mick Jones e Joe Strummer) eram o Lennon e McCartney do punk.

“1963” (New Order) – Batida meio Gang of Four. Baterista que tocava assim, era o baterista do Big Country, Mark Brzezicki. A gente dedicou uma música ao Stuart Adamson no disco anterior, o R ao Contrário. A gente usou uma gaita de foles em “O que Se Faz”. Mas é um instrumento extremamente agudo, afinado em si bemol, muito difícil de encaixar. Mas eu conheço essa voz. É Bernard Sumner. New Order fez muito a nossa cabeça. Eu vi um show do New Order, em Washington, com o (André) Pretorius. Fui um dos últimos da turma e ver o Pretorius.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Me, Marlon Brando, Marlon Brando and I

MB e JK no set de filmagem de "O Grande Motim" (1961)

Roteiro 242 / Astronomy Domine


Um pouco atrasado, mas ainda em tempo de recomendar a leitura da revista Roteiro Brasília que, como o nome indica, circula em papel na região de Brasília (DF), Brasil, e no éter encontra-se, sobretudo, no endereço http://issuu.com/revistaroteirobrasilia.

Desta vez, o autor dessas linhas escreve sobre as atividades do Clube de Astronomia de Brasília, que realiza atividades públicas e gratuitas de observação de astros e coisas que estão no céu profundo. O ponto de encontro dos membros do CAsB normalmente é a Praça dos Três Poderes, vértice do Eixo Monumental, em Brasília. Detalhes no website http://www.casb.org.br/.

Lembrando que a Roteiro Brasília é revista que originalmente circulava como encarte semanal do extinto jornal Gazeta Mercantil, edição de Brasília. A tal crise e as facilidades promovidas pela internet levaram ao fechamento de centenas de publicações. A Roteiro Brasília resiste.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Aldous Huxley: Mente humana, perigo para o mundo

Aldous e Laura Huxley
Em agosto de 1958, o escritor britânico Aldous Huxley (1894-1963), acompanhado da esposa, a artista italiana Laura Huxley, passou alguns dias no Brasil, atendendo a convite do Ministério das Relações Exteriores. Eram os primeiros anos da era JK. O suicídio de Getúlio Vargas estava prestes a completar quatro anos e o país vivia uma tentativa de saltar para a modernidade, em que pese os drásticos números de pobreza e indicadores sociais da época, que não deixavam dúvidas: na primeira década pós II Guerra Mundial, o Brasil era uma típica nação do Terceiro Mundo, ora pendendo para o termo país em desenvolvimento, ora balançando perigosamente para o lado subdesenvolvido.

Jornal O Globo também destacou a presença de Huxley no Rio de Janeiro
Huxley vem ao Brasil, como muitas outras personalidades mundiais vieram e viriam, naquele contexto habilmente posto em prática por Juscelino Kubitscheck, de que éramos uma nação emergente, com muito a ser descoberto, e muito a oferecer ao mundo. A modernização industrial proposta por JK era uma louvável tentativa de mudar nossa cara de nação agrária e arcaica (o custo socioeconômico disso foi imenso, mas isso é outra história). Huxley, como outros, precisavam ver o que estava acontecendo e depois dar o testemunho ao mundo. Um aval de que éramos grandes e o planeta pouco sabia.


A passagem do autor de “Admirável Mundo Novo” pelo Brasil, incluindo a visita que fez a Brasília, nos anos que precederam sua inauguração (em 21 de abril de 1960), já foi comentada neste espaço. O que se oferece agora diz mais a respeito das ideias que tornaram Aldous Huxley um autor famoso.


O extinto jornal “Correio da Manhã”, do Rio de Janeiro, primeiro ponto de parada do casal Huxley, acompanhou a visita com entusiasmo. Contando com um jornalista do porte de Antonio Callado como editor-chefe, o matutino seguiu os passos do autor, pondo o ilustre visitante diversas vezes em destaque de primeira página.

Na edição de 14 de agosto de 1958, o jornal reportou a palestra dada por Aldous Huxley, na então sede do Ministério das Relações Exteriores. Segue a transcrição do texto da reportagem, conforme a diagramação utilizada. O autor não foi creditado. Teria sido o próprio Antonio Callado? Interessante notar o quanto dessas palavras permanecem úteis em nossos dias.

Correio da Manhã
Rio de Janeiro, quinta-feira, 14 de agosto de 1958

Antetítulo: Huxley no Itamarati

Título: Mente humana perigo para o mundo (sic)

Subtítulos (sutiã ou bigode): Profecias de 1932 ameaçam a vida de 1960 - Escravização da humanidade através do condicionamento do cérebro - Brain-washing método terrível - Experiências da Coreia e da China - Um exército de jovens fanáticos - Soma, a droga impossível, sairá dos laboratórios - Conferência de Aldous Huxley foi aula de terror

Texto-legenda da foto que ilustra a reportagem: O almoço que o Itamarati ofereceu ontem a Aldous e Laura Huxley (flagrante acima) foi presidido pelo embaixador Maurício Nabuco: o ministro das Relações Exteriores teve o gesto simpático (e certo) de ceder sua presidência do almoço a Nabuco, brasileiro que verdadeira vivência da cultura inglesa. Na elegante e breve alocução que fez ao homenageado, Nabuco deu por assim dizer a deixa da resposta de Huxley. Falando no imortal livro de Bates (amigo de Darwin e do avô de Aldous Huxley, o cientista T.H. Huxley) sobre a Amazônia, Nabuco lançou Huxley num improviso sobre o que tem visto do Brasil-terra, do Brasil-natureza. Depois de dizer que, como Darwin, ele também se espantara de ver a floresta tropical a quilômetros de uma cidade como o Rio ("this improbable City of Rio", como disse Huxley) o homenageado ecoou também a saudação ao falar no problema do desmatamento e da erosão. Em poucas palavras Aldous Huxley esboçou uma verdadeira Moral das relações do homem com a natureza. A natureza é mãe ou madrasta não em si própria: reage ao tratamento que lhe dá o homem. Tratada a fogo dá-nos a erosão, o deserta. Amanhada com carinho dá-nos até o vergel onde havia areia. E Aldous Huxley teve uma frase que este jornal pode usar como emblema da campanha de reflorestamento que ora leva a cabo. Disse ele: "Se destruirmos a natureza, a natureza nos destruirá".

Texto principal:

Aldous Huxley reage. Sente-se na carne do aprendiz de feiticeiro, do homem que previu o futuro e suas desgraças que agora dá tudo para fazer o público despertar, ajudá-lo a combater o inimigo comum - a mente humana. Sobre esse tema de terror, tendo um livro do próprio Huxley, "Brave New World" (Admirável Mundo Novo) como ponto de partida, mil pessoas tiveram ontem uma aula apavorante, dada com a minúcia de um estudioso e a emoção de um apaixonado.

- Peço desculpas por falar sobre um livro que eu mesmo escrevi, começou Huxley, mas os problemas que focaliza são tão urgentes, estão de tal maneira presentes na vida de cada um de nós e influenciarão a sociedade futura de forma tal que a falta de modéstia justifica-se. Quando em 1932 escrevi "Brave New World", retratando a sociedade superorganizada do futuro pensava que minhas profecias não se realizariam por muitos séculos. Escrevi de coração leve, brincando com a imaginação, traçando um retrato humorístico de um mundo terrível que jamais imaginei ver.

Profecias realizadas

No Brave New World, dois impulsos levavam ao totalitarismo e essas forças se apresentam com potência cada vez maior na época atual. Está presente hoje a superpopulação, que na obra de ficção era controlada por processos que não acredito sejam jamais postos em prática, tais como o estabelecimento de uma seleção genética pré-natal, fazendo com que cada indivíduo nasça em determinada classe cujos números seriam fixos, a formação de bebês em garrafas, os métodos de anticoncepção que denominei "malthusian drills". Em 1932, fixara a população mundial em 1 bilhão e 800 milhões de habitantes. Ela hoje é de 2,8 bilhões, aumenta 45 milhões cada ano. Esse excesso, com as pressões que fatalmente acarreta à vida econômica e às fontes de produção estabelece uma tendência a que o poder do Estado cresça cada vez mais, o individual decrescendo na mesma proporção. Outro caminho das ditaduras que eu previra e hoje se realiza é o da superorganização. O progresso da técnica exige organizações cada vez mais complicadas e o homem de amanhã se defrontará com o problema de como impedir que a organização se transforme em um fim próprio, um Baal estraçalhador de indivíduos.

Terror menos provável

Perigo maior para a humanidade que o excesso de população ou de organização é o desenvolvimento de técnicas que permitem o domínio das massas por uma minoria. Quando George Orwell escreveu, em 1949, seu livro magistral 1984, vivíamos uma época ainda impressionada pelas ditaduras terroristas de Hitler, Mussolini e Stalin. Brave NewWorld foi escrito sem as influências dos métodos de terror e creio que o totalitarismo usará para sua vitória as técnicas que imaginei, de preferência as técnicas violentas descritas por Orwell.

Cérebro, o inimigo

A escravização da humanidade por ser feita através da manipulação cerebral do homem, sem que este se aperceba e fazendo-o amar a escravidão. São conhecidos os métodos clássicos da propaganda elevados à perfeição por Hitler e Stalin, para fins comerciais pelos norte-americanos. O que me impressiona são as técnicas mais recentes, surgidas nos últimos anos. O cientista soviético Pavlov dedicou anos e anos ao estudo do condicionamento de reflexos. Suas experiências cientificamente impecáveis estão tendo uma sistemática aplicação política, transformando-se em incrível perigo para as democracias. É o brainwashing. O condicionamento de crianças, realmente importante para as ditaduras obrigadas a firmar seu poder no assentimento das gerações novas, não tem o mesmo estarrecedor sensacionalismo do condicionamento de adultos. Para uma ditadura é de imensa valia uma vítima que, tendo seu consciente inteiramente esmigalhado e seu modo de pensar invertido, transforme-se em propagandista ferrenho do regime que o destruiu.

Brain-washing

O brain-washing consiste no seguinte: Pavlov descobriu, fazendo experiências com cães, que qualquer cérebro submetido à pressão constante durante um lapso de tempo suficiente acaba desintegrando-se, caindo no estado nervoso chamado "nervous breakdown". Atingido esse ponto de decomposição da personalidade, é extremamente fácil imprimir-se ao indivíduo comportamentos e crenças novas, completamente diferentes dos que anteriormente tinha. Verificou-se ainda que as sugestões impressas no cérebro nesse estado são praticamente definitivas. Durante a guerra mundial, chegou-se à conclusão que a decomposição da personalidade dos homens submetidos a rudes condições de combate se processava em um perigo variável de 15 a 50 dias. Só os que eram pessoalmente desequilibrados ficavam imunes à loucura coletiva.

China e Coréia: experiências

Durante a guerra da Coreia os comunistas aplicaram o método de brain-washing em larga escala com os prisioneiros americanos. Conseguiram resultados espantosos. É com os próprios comunistas chineses, no entanto, que as experiências têm sido desenvolvidas mais profundamente e com sucessos estrondosos. Os jovens membros do partido destinados a doutrinar as populações distantes da China Vermelha são reunidos em uma espécie de campo de concentração. Durante seis meses são submetidos à tremenda pressão física e mental. O cérebro não resiste, atinge a beira da loucura, o estado ideal para que as doutrinas partidárias lhes sejam inculcadas. Com o processo, 20 por cento ficam loucos mas os restantes 80 por cento transformam-se no exército de jovens fanáticos que é a maior ameaça que as democracias já tiveram de enfrentar.

Aprender dormindo

Os políticos do Brave New World davam a maior importância a um sistema hipnótico de ensino que martelava slogans enquanto "estudantes" dormiam. Aprender dormindo não é mais imaginação e nos Estados Unidos existe uma florescente indústria de vitrolas e discos especiais que repetem sugestões enquanto a pessoa dorme. Segundo um fabricante, 8% dos compradores devolvem a aparelhagem, 30% escreve cartas entusiásticas e 62% não devolve nem aplaude mas, ao fim de certo tempo, parece beneficiar-se com o sistema. É fácil adivinhar o poder político dessas máquinas se ao invés de repetir frases inocentes como "Trate de emagrecer", "Não seja tímido" ou "Ganhe mais dinheiro", repetissem os slogans de uma ditadura. O sistema de transmitir sinais luminosos ou sons rápidos demais para serem percebidos pelo consciente humano, apesar de já haver sido ensaiado como veículo de propaganda ainda está em estágio técnico inferior. A técnica, no entanto, tende fatalmente a progredir e breve veremos esses métodos empregados em larga escala.

Estimulantes e calmantes

A ciência moderna está realizando outra de minhas profecias - a "soma", a droga milagrosa que imaginei, mistura de estimulante, tranquilizador e produtor de visões. O número de novos calmantes e estimulantes produzidos atualmente pela farmacologia é espantoso. Diferem dos produtos clássicos em uma questão fundamental: surtem efeito sem causar desgaste no organismo. Os soviéticos já anunciaram que estão fazendo pesquisas no sentido de encontrar um estimulante que, sem causar mal a quem o toma, aumente de muitas vezes a capacidade de trabalho físico e de concentração cerebral.

Um mundo consciente

O que podemos fazer contra essa série de perigos novos que surgem na mente humana? Os problemas ainda não estão em fase aguda mas, com a rapidez atual do progresso científico, talvez a situação seja diferente daqui a 10 ou 20 anos. Devemos despertar no público a consciência do perigo para que, através da legislação, educação ou ação religiosa possamos enfrentá-lo. É necessário que não sejamos apanhados de surpresa por esse desenvolvimento da técnica, evitando os sofrimentos que no passado atingiram as gerações que, por exemplo, não souberam ver a aproximação da Revolução Industrial. Se eu puder ser de alguma utilidade para despertar essa consciência pública, estarei fartamente recompensado.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Stop Radioactivity!


 
Tschernobyl, Harrisburgh, Sellafield, Hiroshima

Imagens do medo

O grande cinema sempre esteve aqui, ali, acolá. Em Brasília, os cineclubes sobrevivem, em que pesem os apelos e a disponibilidade de filmes nos cinemas, nas tevês por assinatura, streaming, etc. No centro da capital, no Setor Comercial Sul, a Universidade de Brasília (UnB) mantém a Casa de Cultura da América Latina (CAL). O cineminha da CAL tem programação regular, com sessões às 12h30 e 15h30, às terças e quintas. Grátis. Os filmes seguem sempre uma temática, que muda a cada mês. Em agosto, a programação foi batizada de "Imagem do Medo", com a escolha de filmes que passam pelo suspense, mistério, assombrações, ou seja, coisas relacionadas ao temor, aquela ansiedade irracional ou fundamentada que acomete os seres animais, homens e mulheres, em particular.
 


A estreia foi com um filmaço, "Le Salaire de La Peur", produção francesa de 1953, dirigida por Henri-George Clouzot (1907-1977), com o sempre sensacional Yves Montand, no comando de um caminhão carregado de nitroglicerina, trafegando por esburacadas estradas de terra, na Guatemala. Os entusiastas sabem que, em 1977, ano de falecimento de Clouzot, este filme foi rebatizado com o título "Sorcerer", desta vez com direção do inigualável norte-americano William "O Exorcista" Friedkin. No papel que foi de Montand, outro inigualável, o ator Roy Scheider (1932-2008), assunto para outra postagem, em breve.
 
Vejam a programação e, caso estejam por perto, compareçam.
 
Dia 4 de agosto (terça-feira)
O salário do medo (França). Direção de  Henri-Georges Clouzot, 1953, 153 min. Quatro homens desempregados e miseráveis, que vivem em condições quase desumanas em um pequeno vilarejo da Guatemala, aceitam uma perigosa e desafiadora missão: transportar uma carga altamente explosiva de nitroglicerina em caminhões sem nenhuma estrutura para tanto, ao longo de estradas em péssimas condições, até um incêndio que está acontecendo em um poço de petróleo de uma extratora estadunidense. Classificação: 14 anos
Robert Mitchum. Você convidaria esse cara para ir a sua casa?
Dia 6 de agosto (quinta-feira)
O círculo do medo (EUA). Direção de J. Lee Thompson, 1962, 106 min. Após cumprir pena, um perigoso psicopata pretende se vingar de um advogado que testemunhou decisivamente para a sua condenação. Extremamente frio e calculista, ele planeja se vingar do advogado e da sua família. Finalmente Sam, o advogado, decide colocar a vida de sua família numa terrível armadilha e enfrentar seu inimigo em um dos mais aterrorizantes confrontos já mostrados na história do cinema. Classificação: 14 anos

Dia 11 de agosto (terça-feira)
Os inocentes (Inglaterra). Direção de Jack Clayton, 1961, 100 min. Contratada para cuidar de dois irmãos que ficaram órfãos em circunstâncias misteriosas, a senhora Giddens, com o passar do tempo,  acredita que existe alguma coisa escondida nas trevas da mansão, fazendo com que as crianças tenham um comportamento muito assustador. E a jovem governanta não sabe se terá forças para enfrentar esse perigo, oculto na face de crianças inocentes demais para cometer algum mal. Classificação: 16 anos
 
Dia 13 de agosto (quinta-feira)
O orfanato (Espanha / México). Direção de  J.A. Bayona, 2007, 105 min. Laura passou os anos mais felizes de sua vida em um orfanato, onde recebeu os cuidados de uma equipe e de outros companheiros órfãos, a quem considerava como se fossem seus irmãos verdadeiros. Agora, 30 anos depois, ela retornou ao local com seu marido e seu filho, no desejo de restaurar e reabrir o orfanato, que está abandonado há vários anos. O lugar logo desperta a imaginação do seu filho, que passa a criar contos fantásticos. Classificação: 16 anos
 
 
Dia 18 de agosto (terça-feira)
A espinha do diabo (Espanha / México). Direção de Guillermo del Toro, 2001, 106 min. Durante a Guerra Civil Espanhola, Carlos é abandonado aos 12 anos no decadente orfanato de Santa Lúcia, que é dirigido pela aleijada Carmen e pelo misterioso professor Casares. Além de ser recebido com hostilidade e violência pelas outras crianças e pelo cruel funcionário Jacinto, as escuras dependências da nova casa representam horror e mistério para o garoto. Até que ele recebe a visita do fantasma de Santi, um menino que foi brutalmente assassinado na instituição, que implora alívio para seu tormento ealerta para a iminência de uma desgraça. Classificação: 16 anos
 

Dia 20 de agosto (quinta-feira)
O solar das almas perdidas (EUA). Direção de  Lewis Allen, 1944, 99 min. Dois irmãos em férias descobrem uma mansão abandonada na costa inglesa. Eles ficam maravilhados pela casa e a compram por doze mil libras, uma pechincha, pois o dono não tinha condições de manter a propriedade e quer deixar o dinheiro da venda para sua neta orfã, criada por ele. O encanto inicial que os novos donos tiveram pela casa diminui quando ouvem histórias fantasmagóricas sobre a mansão.  Classificação: 16 anos
 
The great Coffin Joe strikes back
Dia 25 de agosto (terça-feira)
A encarnação do demônio (Brasil). Direção de  José Mujica  Marins, 2008, 93 min. Após 40 anos preso, Zé do Caixão enfim é libertado. De volta às ruas, ele está decidido a cumprir sua missão: encontrar uma mulher que possa gerar seu filho perfeito. Caminhando pela cidade de São Paulo, ele enfrenta leis não naturais e crendices populares, deixando um rastro de sangue por onde passa. Classificação: 14 anos
Wendy, darling, light of my life. I'm not gonna hurt you...
Dia 27 de agosto (quinta-feira)
O iluminado (EUA). Direção de Stanley Kubrick, 1980, 146 min. Durante o inverno, um homem é contratado para ficar como vigia em um hotel no Colorado, e vai para lá com a mulher e seu filho. Porém, o contínuo isolamento começa a lhe causar problemas mentais sérios e ele vai se tornado cada vez mais agressivo e perigoso, ao mesmo tempo que seu filho passa a ter visões de acontecimentos ocorridos no passado, causados também pelo isolamento excessivo. Classificação: 16 anos

Entrada franca
 
Local: Auditório Gonzaguinha (térreo) da Casa da Cultura da América Latina (CAL/UnB), Brasília (DF)
SCS Quadra 4, Edifício Anápolis. Telefone 3321.5811
Hora: 12h30 e reprise às 15h30