segunda-feira, 21 de março de 2016

The great gig in the sky

252P e P2016, números, letras, dois cometas vindos de um só

Noite alta, céu risonho
A quietude é quase um sonho
O luar cai sobre a mata
Qual uma chuva de prata
De raríssimo esplendor

“Noite Cheia de Estrelas”
(Cândido das Neves)


Que o céu do hemisfério sul desta Terra é mais formoso (quando comparado à outra metade de norte), mais brilhante, mais cheio de estrelas e constelações zodiacais, astrônomos, navegantes, poetas e “stargazers” de muitos e muitos anos o tem como fato. É o que dizem: algumas partes do Universo somente podem observados a partir das latitudes do sul.


O centro da Via Láctea, por exemplo, é visualizado entre as constelações de Escorpião e Sagitário. Caso você esteja no hemisfério norte, é provável que não consiga tão facilmente avistar essa região.

Em noite sem nuvens, nessas latitudes do sul do Equador tem-se espetáculo cósmico ao alcance dos olhos (naked eye). O polo sul da Terra, que nunca vai estar no zênite – acima de nossas cabeças – sempre girando em sentido horário, traz procissão de estrelas arrumadas em constelações austrais.




Eta Carienae, estrela binária, em breve uma supernova
Nessa direção, em toda sua glória passam o Cruzeiro do Sul (Southern Cross), em destaque, envolvida pelo Centauro; o Lobo e o Escorpião, que parece um imenso “jota” no céu escuro. Dependendo da hora, passam a Vela do Navio, a Carena do Navio (com Canopus, sua mais brilhante estrela e a binária Eta Carinae, que em “breve” vai explodir como uma supernova); além do Cão Maior (com Sirius, a estrela mais brilhante no céu noturno) e Órion, com as famosas Três Marias (Alnitak, Alnilam e Mintaka) em seu cinturão, e Betelgeuse no ombro.




Não temos na abóbada celeste uma grande estrela indicando a posição do polo sul, como acontece no hemisfério norte, no qual a Estrela Polar, situada na constelação da Ursa Menor, é referência.

Se o observador estiver olhando para o Cruzeiro do Sul, saiba que, sem muito esforço, é possível ter a referência de onde fica o polo sul da Terra. Nesse mar de estrelas, é relativamente fácil imaginar uma linha que parte da distância média entre Rigil (alfa do Centauro) e Hadar (beta do Centauro), as duas estrelas que acompanham a cruz, conhecidas como Southern Pointers, e a alfa do Cruzeiro do Sul (Acrux), isto é, a estrela situada na parte de baixo dessa constelação; essas linhas formam um triângulo, em cujo vértice inferior fica aproximadamente a direção do polo sul de nosso planeta, na constelação de Oitante (Octans). Todo o céu que vemos, no hemisfério celeste sul, gira em torno desse ponto.



Tudo isso, só para dizer que, curiosamente, com a virada das estações, em 20 de março, o hemisfério sul presencia, no início do equinócio do Outono, a rara aparição de dois cometas, que passarão “perto” da Terra, com um intervalo de apenas um dia entre as duas trajetórias.


O 252P/LINEAR e o P/2016 BA14, como são conhecidos esses corpos celestes, pedem passagem, respectivamente, a 5,34 milhões e 3,5 milhões de quilômetros da Terra. Nenhum representa ameaça à integridade deste planeta, e suas distâncias podem parecer muito longe, mas em termos de magnitude cósmica não é nada.

Especialistas apontam que o último cometa que passou mais próximo da Terra foi um corpo chamado Lexell, que cruzou os céus do planeta em 1770, a 2,2 milhões de quilômetros.


Pela proximidade de aparição do 252P/LINEAR e do P/2016 BA14, estudiosos acreditam que os dois, na verdade, têm origem em um único cometa, que se dividiu em algum momento de trajetória errática pelo sistema solar.

Este show no céu (“the great gig in the sky”), evento raro na história da astronomia, promete ser fartamente documentado. O (telescópio espacial) Hubble, a Estação Espacial Internacional, e outros instrumentos de observação na Terra e nas alturas certamente mapearão cada instante da passagem dos dois corpos. Pelas análises, a ciência saberá dizer se vieram do Cinturão de Kuiper ou da Nuvem de Oort. Da mesma forma que o espectro luminoso denunciará suas composições.


E pensar que os cometas, diferentes de tudo que se move no espaço que suponhamos conhecer, foram um dia considerados prenúncios de grandes desordens, infortúnios e desgraças. Até que Galileu apontou sua luneta para o alto, numa noite em 1609....

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