terça-feira, 29 de março de 2016

Roger Casement no Breazáil II

"...all the mysterious life of the wilderness that stirs in the forest, in the jungles, in the hearts of wild men. There's no initiation either into such mysteries. He has to live in the midst of the incomprehensible, which is also detestable. And it has a fascination, too, that goes to work upon him. The fascination of the abomination - you know, imagine the growing regrets, the longing to escape, the powerless disgust, the surrender, the hate".

Joseph Conrad - Heart of Darkness

Roger Casement no Brasil
A surpreendente ligação do herói irlandês Roger Casement (1864-1916) com o Brasil parece ir além dos episódios chocantes de sua atuação como diplomata estrangeiro que denunciou toda sorte de absurdos cometidos contra os povos indígenas, na loucura que se seguiu à exploração da borracha, em solo amazônico, no início do século XX.

Dr Angus Mitchell

Igualmente surpreendente e nebuloso foi o seu papel no desmonte do ciclo econômico da borracha na região. Como notou o historiador Angus Mitchell, no livro "Roger Casement no Brasil - A borracha, a Amazônia e o Mundo Atlântico - 1884-1916", ficou o enigma, uma vez que o antigo cônsul britânico no Brasil - em que pese o papel fundamental na defesa dos direitos das populações indígenas - atuou no sentido de interromper a maneira como a borracha era explorada na Amazônia.

Julio Cesar Arana
Os ingleses, óbvio, não queriam mais a exploração da borracha nas mãos de um barão sanguinário como o empresário e político peruano Julio Cesar Arana (1864-1952), que comandava a Peruvian Amazon Company (PAC), vejam só, com o capital britânico. Isso era péssimo para os negócios, porque uma eventual condenação em corte internacional ensejaria uma volumosa quantia de dinheiro como compensação das populações afetadas.

Quando enviaram Casement para relatar os casos escabrosos de exploração na região do Putumayo, os ingleses já sabiam que não era possível manter a produção de borracha na selva amazônica, numa situação que fugia completamente do controle e que acabava comprometendo toda a cadeia produtiva.

Seringueiras
Nativa da região da bacia do Rio Amazonas, a Hevea brasiliensis foi levada estrategicamente pelos britânicos para o solo asiático, onde se adaptou muito bem às condições oferecidas em lugares como a Malásia e o Sri Lanka. E o melhor: sem essa de escravizar índios preguiçosos.

The world has a new hero
"Seu tempo no Brasil foi decisivo para sua própria evolução e transformação de imperialista em revolucionário", afirma Angus Mitchell, para quem Casement foi muitos: o diplomata aplicado, agindo em nome dos interesses da Coroa; o ser humano altruísta e sensível com a situação de penúria a que estavam expostos seus semelhantes e, secretamente, o ativista subversivo e patriota irlandês que enxergava e se indignava com a exploração sem fim do Império Britânico. No Congo e na Amazônia, Casement se preparou para o epílogo surpreendente de sua vida, quando decidiu largar tudo e aderir à causa irlandesa, que culminou com sua execução por enforcamento, em 1916.

Casement chega a Corte de Justiça, em Londres (1916)



Alta Traição 1916 - O Recurso de Roger Casement, quadro do pintor irlandês Sir John Lavery
Nas longas cartas que escreveu ao longo de sete anos de trabalho no Brasil, Roger Casement abordou inúmeros aspectos da vida no país, como era de se esperar de um diplomata em serviço em um país estrangeiro. Em Santos, Belém e Rio de Janeiro, locais onde atuou, o diplomata lançou esse olhar estrangeiro sobre a vida brasileira, em observações que iam dos esclarecimentos técnicos ao aborrecimento e ao encantamento com as coisas deste país.

A parte mais interessante, que estabelecia uma ligação direta com sua Irlanda, está contida em texto no qual discorre sobre as origens do nome Brasil.


"[...] O nome Brasil é, provavelmente, o nome de mais doce som que qualquer grande raça da Terra já possuiu. O modo pelo qual esse nome sonoro passou a ser atribuído ao grande país da América do Sul não havia me interessado até o momento seguinte de meu desembarque em Santos, no outono de 1906...".


Pau-brasil (brazilwood) (Caesalpinia echinata)
Casement afirma que há um erro consagrado em atribuir o nome do país à árvore pau-brasil, tal qual disseminado no senso comum e na literatura: "Nenhum escritor jamais foi além disso: apesar de que alguns já estiveram no limiar da verdade, sem o saber. Pois não há dúvida nenhuma de que, ao derivar o nome Brasil da madeira Pau-Brasil do comércio medieval, o livro escolar, o indivíduo brasileiro, a enciclopédia e os dicionários estão todos errados".

"[...] Por mais estranho que possa parecer, o Brasil não deve o seu nome à abundância de certa madeira Pau-Brasil, mas à Irlanda. Acredito que a honra de nomear o grande país sul-americano pertence, seguramente, à Irlanda e a uma antiga crença irlandesa, tão antiga quanto a própria mente Celta".


Roger Casement adentra aqui em solo fantástico. Sua referência é a lenda da Ilha Brasil, ou Hy-Brasil, mítico pedaço de terra situado a oeste da Irlanda, no oceano Atlântico. Segundo a lenda, essa ilha vive envolta em névoas e só é vista uma vez, a cada sete anos, porém permanece inatingível.



Hy-Brasil também é chamada Hy-Breasal, Hy-Brazil, ou Hy-Breasil. A imagem central na bandeira brasileira, o círculo com a faixa branca, seria o símbolo de Hy-Brasil que aparece em antigos mapas. Nessas referências míticas, tão antigas quanto as origens do povo celta, a ilha lembra o mito de Atlantis: é o lugar de rica civilização avançada, a Terra Prometida.

Ilha Breazáil, em mapa da Europa, 1375
Ilha Breazáil, no mapa de Piri Reis, 1513
Detalhe da Ilha Brasil, no mapa de Piri Reis

Ilha Breazáil, no mapa de Abraham Ortelius, 1595
Antes mesmo da "descoberta" do país, em 1500, pela esquadra do navegador português Pedro Álvares Cabral, o nome Brasil já era visto em mapas medievais. No século XV, o nome Brasil aparece deslocado para a região dos Açores, que chegou a ser grafada como Ilha Brazil.

Saint Brendan of Clonfert
Como um nome celta acabaria batizando um país em um continente tão distante? Na mitologia celta, o nome provém de Bres, filho de Ériu, cujo pai é Eletha, um deus fomoriano. Bresil seria um reino mágico, nem tanto mar, nem tanto terra, os dois.

Estátua de São Brandão, em Fenit Harbour, Tralee (Irlanda)

O nome Brasil aparece nos escritos de São Brandão (Naomh Breandán), o Navegador, monge irlandês que viveu entre 484 e 577, no período que marca o fim do Império Romano do Ocidente. De uma célebre viagem rumo ao desconhecido - naquele tempo poucos tinham a certeza de que a terra era redonda - , mas que almejava chegar aos Jardins do Éden, o religioso e seus companheiros teriam estado, por volta do ano 566 d.C. em uma terra chamada Hy Brazil. Desses relatos teriam surgido as indicações nos mapas medievais.

Os Livros da Magia (Books of Magic), de Neil Gaiman
Atlântida é Hy-Brasil, segundo Neil Gaiman
A história é cheia de outros indícios. Há quem diga que é a América, e há quem garanta ter estado lá e até ter visto um escocês com roupas antigas, um castelo, cavalos e coelhos negros, como no conhecido relato do capitão irlandês John Nisbet. Em "Os Livros da Magia", Neil Gaiman nos indica onde está Hy-Brasil, e que ela também tem outros nomes.

Cinábrio (cinnabar)
Sementes de pau-brasil
Há quem defenda ainda que o nome Brasil tenha origem no vocábulo hebraico barzel. Seja como for, o nome é anterior ao país. Seria uma ilha, a madeira, de onde se extrai tinta vermelha ou mesmo o mineral cinábrio. Hebreus e fenícios comerciavam o corante retirado do sulfureto de mercúrio, de cor avermelhada.

Na etimologia da palavra aparece a variante kinnabar (grego). Em celta, com a inversão das sílabas, kinnabar teria virado barkino, depois barcino, nome dados aos animais de pelo vermelho. O equivalente em gaélico irlandês seria breazáil, ou brazil. Provavelmente, no mundo antigo, fenícios viajaram pelo globo, junto com gregos e celtas. Aí adentramos no lado oculto da história.

Um comentário:

  1. Terminei um livro: O monge irlandês e a descoberta do Brasil no século VI, ainda não publicado. Realmente o nome Brasil não vem da madeira pau brasil, mas sim de Bhreasil, que significa o óxido de estanho encontrado na Irlanda e comercializado nos países mediterrâneos. Vejam um artigo no facebook: Saint Brendan the discoverer of Brazil in the 6th Century. Grato

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