sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Elifas Andreato - 50 Anos

Advertissement: o material a seguir é uma versão expandida do originalmente publicado na revista Roteiro Brasília, edição 248 (fevereiro de 2016), que pode ser visto aqui. Agradecimento aos editores pela oportunidade.





Exposição de Elifas Andreato no Museu dos Correios, em Brasília, é chance de conferir imagens marcantes da cultura brasileira nos últimos 50 anos.

Depois do Rio de Janeiro, agora é a vez de Brasília conferir a exposição
Adeptos do vinil, curtidores dos long-playings, vulgos bolachões, sabem que, além do som com muito mais personalidade, esse suporte da música desperta outro fetiche, outra tara, a admiração pelas capas dos discos.

Com tantos exemplares que tocam fundo na alma, capas espetaculares que marcaram artistas e gerações, interessante que essa seja uma questão mal resolvida em nossos dias.

Primeiro pensou-se que o CD iria liquidar os LPs; depois viu-se que os compact discs não eram lá a salvação da pátria (som sem chiado, um disquinho imune a arranhões etc), e ainda apresentavam como problema a arte da capa em formato reduzido. Veio a compactação do som digital (o mp3) e os CDs viraram incômodo maior que os LPs. Digamos que o CD até que foi uma boa invenção, mas o estojo de acrílico, total ideia de mané.

Tudo migrou para os arquivos digitais e ninguém mais (especificamente o gado que segue as modas) quer discos na vida. Pior, parece que a tendência é eliminar os pendrives e players de música, pois esta se encontra nas nuvens. All ou need is an internet connection. Basta estar na rede, para a música, catálogos infinitos de fonogramas, surgirem do éter, na forma de streaming.



Elifas Andreato recebe admiradores na abertura da exposição, em Brasília
Toda essa conversa cai por terra quando paramos para admirar a obra de um artista original como Elifas Andreato, tema de exposição comemorativa, em cartaz no Museu dos Correios, em Brasília.




Em 80 trabalhos, temos um belo panorama da obra de um dos mais importantes artistas deste país, artista gráfico que explorou como poucos as possibilidades desse meio e ilustrou e conceituou “n” capas de discos de grandes artistas da música popular brasileira, músicos da geração de ouro, como Chico Buarque, Elias Regina, Martinho da Vila, Adoniran Barbosa, Beth Carvalho, Clementina de Jesus, Zeca Pagodinho, Vinicius de Moraes, Paulinho da Viola, dentre tantos.

Paulinho da Viola - Nervos de Aço (1973)
Chico Buarque - Almanaque (1981)
Martinho da Vila - Canta, Canta, Minha Gente (1974)
Chico Buarque & Convidados - Ópera do Malando (1979)
Paulinho da Viola - Bebadosamba (1996)
Adoniran Barbosa e Convidados (1980)

Pegue a capa de “Nervos de Aço” (1973), ou de “Bebadosamba” (1996), de Paulinho da Viola; “Canta, Canta, Minha Gente” (1974), de Martinho da Vila; ou a “Ópera do Malandro” (1978), de Chico Buarque, só para citar alguns trabalhos. Impossível acreditar que estamos diante de mera embalagem para um produto, o disco, Além de mergulhar de corpo e alma na obra do artista retratado, Elifas Andreato nos oferece um grafismo único, uma arte intrinsecamente ligada a momentos marcantes de nossa música, de nossa história cultural.

Martinho da Vila - Batuque na Cozinha (1972)
Clementina de Jesus - Clementina & Convidados (1985)

O lindo retrato de Clementina de Jesus foi apelidado de 
a "Mona Lisa" brasileira, por Hermínio Bello de Carvalho. 

“A verdade reveladora é que, quando se fala em Elifas Andreato, talvez a primeira lembrança que venha são as capas de discos. O que a exposição demonstra é que ele atua em vários outros segmentos da sociedade, da cultura, de um jeito muito marcante. Elifas foi muito importante para o teatro brasileiro, fez cartazes, cenografia, figurinos, com os grandes atores, e diretores de seu tempo”, exalta o jornalista João Rocha Rodrigues, curador da exposição “Elifas Andreato – 50 Anos”.

Autor do documentário “Elifas Andreato – Um Artista Brasileiro”, João Rocha Rodrigues chama a atenção para o fato de que, além das capas, o artista se projetou em outros meios, como a arte gráfica de vários projetos da Editora Abril, onde começou como estagiário, em 1967, e depois como diretor de arte e coordenador de produções que fizeram história.

Editado em 2009, o almanaque compila datas e fatos da cultura popular brasileira

Exemplares da primeira edição dos fascículos História da Música Popular Brasileira:








Andreato é o nome por trás do consagrado projeto “História da Música Popular Brasileira”, coleção de discos e fascículos voltados para contar a história de nossa música. Na primeira metade dos anos 1970, era uma alegria ir à banca de revista comprar um por um dos fascículos e descobrir nomes como Cartola, Nelson Cavaquinho, Elton Medeiros, Herivelto Martins, Capiba, apesar da resistência do setor comercial da editora, que achava que só intelectual se interessava por samba de raiz.

Exemplares da segunda edição da coleção Nova História da Música Popular Brasileira:





Essa coleção foi tão vitoriosa, sucesso histórico de vendas que, em 1976, a Abril reeditou os fascículos, desta vez com o nome “Nova História da Música Popular Brasileira”, apresentando novos títulos e desmembrando outros. Mr Menezes junta-se às vozes que consideram essas coleções fundamentais na formação de ouvintes, além de terem sido o bê-a-bá, introdução a um universo incrível, de grandes nomes, grandes canções, grande música. Well, um projeto com Elifas Andreato e gente tarimbada como o jornalista Tarik de Souza e José Ramos Tinhorão, como podia dar errado?

Revista Placar, fevereiro de 1971

Revista Realidade, abril de 1971

Revista Veja, janeiro de 1969
“Elifas Andreato também tem o nome escrito na história da imprensa brasileira. Participou da criação de revistas que fizeram história, como a Veja, Placar, Realidade, Quatro Rodas”, ressalta o jornalista João Rocha Rodrigues.



“Elifas não recusou os chamados da história. Esses últimos 50 anos de história do país foram ilustrados por ele. Tanto na imprensa alternativa, na abertura política, no movimento das Diretas Já, a Constituinte, a questão da tortura, a revelação da morte do Vlado, os 50 anos do Golpe de 64; o nascimento do movimento sindical; o auge da MPB. Em síntese, é impossível contar a história dos últimos 50 anos sem passar pela obra do Elifas.


Como bem lembrou, em síntese, a exposição “Elifas Andreato – 50 Anos” é, de fato, uma bela oportunidade de passar os olhos em revista sobre os momentos mais marcantes da cultura brasileira desses últimos 50 anos. Dela emerge a ideia de que o paranaense Andreato, 70 anos completados em janeiro, é um artista múltiplo (jornalista, ilustrador, cenógrafo, editor de publicações, mestre da arte gráfica), e não apenas um grande autor de capas ou um sujeito que bolou incríveis projetos, em nada deixando a dever para os artistas de capas de discos que tão bem fizeram isso lá fora.


Da mesma forma que artistas gráficos como Roger Dean, Aubrey Powell e seu colega Storm Thorgerson cravaram no imaginário mundial imagens históricas, como as capas dos discos do Yes e do Pink Floyd, no Brasil, Elifas Andreato é a referência. Poucos como ele fizeram o mesmo, e o mais bacana, com original brasilidade e extremo bom gosto. Basta percorrer as capas, é o Brasil humano, sua gente, suas cores e suas coisas que estão lá.

Como lembrou, no documentário, o jornalista e historiador Sérgio Cabral, os artistas da música disputavam (no bom sentido) Elifas Andreato como autor de capa de disco. O público, então, diante de uma coisa assim, não sabia se guardava o álbum na estante ou se pendurava na parede, tal a beleza plástica do objeto que tinham em mãos.


Além dos discos, temos a chance de ver outros trabalhos, como capas de publicações jornalísticas e os cartazes de obras que marcaram o teatro brasileiro, sobretudo dos anos 1970. Andreato bolou coisas para Augusto Boal, Renato Borghi, Fernando Peixoto, Flavio Rangel.

Cartaz para a peça "Mortos Sem Sepultura" (1977), direção de Fernando Peixoto

Tela "Vlado - 25 de Outubro" denuncia o assassinato do jornalista Vladimir Herzog
Igualmente impactante é o registro de nossos piores momentos, quando este país foi dominado pela insensatez das baionetas e a democracia e a liberdade, por conta de um status quo enfiado na base da porrada, eram artigos capazes de custar a vida de muita gente. Está lá a referência ao martírio do jornalista Vladimir Herzog, assassinado nos porões da ditadura.



Da mesma forma, o angustiante painel de 5,5 metros “A Verdade Ainda Que Tardia”, que o artista fez como forma de marcar os trabalhos da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça (a Comissão da Verdade), incumbida de investigar violações de direitos humanos por agentes do Estado. A exposição no Museu dos Correios exibe uma reprodução. O original encontra-se na Câmara dos Deputados e, a despeito da verdade das imagens, incomoda muita gente que pensa que tudo (repressão, tortura, desaparecimento e morte) pode ser justificado e não passou de um “mal necessário”.

Elifas Andreato, na abertura da exposição, em Brasília, fevereiro de 2016
“As ideias que eu ilustrei são maiores do que a obra que posso fazer”, afirma Andreato com indisfarçável humildade. “Sempre achei necessário fazer um desenho que fosse capaz de comunicar as ideias. Ou usar técnicas que alcançassem essa proximidade com a obra que quero divulgar. Usei de tudo, desde uma ossada de cavalo, como no cartaz da peça ‘Rezas de Sol para a Missa do Vaqueiro’, ao entalhe na capa do disco ‘Pelas Terras do Pau Brasil’, de João Nogueira; ou esculturas, para comunicar aquilo que me interessava. Foi isso que fiz a vida toda e continuo fazendo”, declara.

Vê-lo perder a voz, se emocionar e ficar momentos em silêncio diante do painel “A Verdade Ainda Que Tardia”, como testemunhado na abertura da exposição, no Museu dos Correios, ajuda compreender o homem e a verdade que está falando.

Tela "Menino com a Bandeira" (1998)

Serviço:

Exposição Elifas Andreato - 50 Anos

De 5 de fevereiro a 3 de abril de 2016
De terça a sexta, das 10h às 19h
Sábado, domingo e feriados, das 12h às 18h
Entrada franca
www.elifas50anos.com.br

Museu dos Correios
Setor Comercial Sul
Quadra 4, Bloco A, 256
Brasília (DF)
www.correios.com.br/cultura


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