domingo, 7 de fevereiro de 2016

Kailash Sathyarthi

Kailash Sathyarti, Prêmio Nobel da Paz em 2014
Por forças das circunstâncias profissionais, Mr. Menezes esteve frente a frente com o ativista dos direitos humanos, o indiano Kailash Satyarthi, Prêmio Nobel da Paz em 2014. Depois de passar por Recife e São Paulo, Satyarthi esteve em Brasília, no Tribunal Superior do Trabalho (TST), onde participou da cerimônia de encerramento da Campanha Nacional de Combate ao Trabalho Infantil 2015/2016 da Justiça do Trabalho.



Antes de esmiuçar o assunto, convém esclarecer que pode parecer estranho haver o “encerramento” de uma campanha de combate ao trabalho infantil, quando a realidade nos pede ação permanente e mostra que crianças, desde as pequenas aos jovens até 17 anos, não têm infância; têm educação precária, assistência social idem, e trabalham, trabalham muitas vezes, na cidade e no campo, em regime de total exploração escravagista. No pior dos cenários, submetidos à degradação (física, mental e sexual) da mais deplorável e hedionda.


Uma das violências inaceitáveis de nosso mundo moderno e conectado é a triste estatística de que o planeta abriga cerca de 168 milhões de crianças trabalhadoras, 3,5 milhões delas no Brasil. O TST afirma que o encerramento da campanha, em verdade não existe. O que houve foi uma cerimônia, com a presença do Prêmio Nobel da Paz, na qual se pretendeu trazer os holofotes da mídia para o fato e para o alcance do assunto.


"A campanha publicitária termina, mas o combate ao trabalho infantil continua", explica a ministra Kátia Magalhães Arruda, uma das gestoras do Programa Nacional de Combate ao Trabalho Infantil da Justiça do Trabalho. A campanha 2015/2016 adotou o slogan "Trabalho Infantil. Você não vê, mas existe". "Queremos que a sociedade não seja omissa", afirmou a ministra.


Feita a consideração, dessa forma tivemos Kailash Satyarthi em pessoa, claro, no refrigerado ambiente palaciano da mais alta corte de justiça do trabalho do país. No auditório do tribunal, plateia formada por magistrados, procuradores federais, advogados, ativistas, gente do governo, servidores, jornalistas e talvez alguns raros curiosos. Deixa estar que esse senhor de 62 anos – pelo menos 25 anos de intensa atividade pelos direitos de crianças e adolescentes – sabe onde está pisando.




Uma pena, entretanto, que o Nobel da Paz 2014 (prêmio dividido com a ativista paquistanesa Malala Yousafzai) não estava em outro lugar, falando para um público brasileiro que desesperadamente precisa de (bons) conselhos e de uma palavra fraterna, um recado de esperança.

Foi preciso que Kailash Satyarthi, um ex-engenheiro elétrico, fosse laureado com o prêmio proposto pelo inventor da dinamite, Alfred Nobel, para que agora, pelo menos no Brasil, seu trabalho seja visto e ouvido de outra forma. Satyarthi, fundador da Marcha Global Contra o Trabalho Infantil, e da organização BBA (Bachpan Bachao Andolan) já esteve em diversas outras ocasiões no país, tendo acompanhado ações das autoridades brasileiras no resgate de crianças e adultos confinados em terrível situação moderna de escravidão.


Em todas as passagens, o indiano repetiu o mantra: criança deve ter proteção, para brincar, estudar e assim caminhar preparada para a vida adulta. Trabalhar e receber maus tratos, jamais. Pode parecer simples, em muitos países – como é o caso do Brasil – essa recomendação aparece expressa em textos constitucionais, porém a realidade é outra. Que o digam as mais de 83 mil crianças resgatadas na Índia por sua organização, BBA (Movimento Salve a Infância).




Destacando sempre que as crianças são o lado que mais sofre com as crises econômicas e com as sistemáticas ações (ou falta delas) que excluem os mais vulneráveis, Kailash Sathyarthi citou estudos que apontam que, para cada US$ 1 investido em educação, o retorno mensurado é de US$ 7. Nesse raciocínio, sustenta, as 168 milhões de crianças trabalhadoras são parentes de 200 milhões de adultos desempregados. Em suas vidas, a lógica da sobrevivência fala mais alto. "Uma das consequências do trabalho infantil é o desemprego no futuro. Sua erradicação, portanto, é uma séria questão econômica. Se acabarmos com o trabalho infantil, muitos empregos serão criados”.

Aos que julgam o Brasil como o paraíso perdido, o Nobel da Paz lembrou que nosso país, em que pese o triste quadro de mais de 3 milhões de crianças vivendo como trabalhadores explorados, possui avançadas leis de proteção e, como resultado da adoção de programas de transferência de renda, conseguiu mitigar a situação de milhões de pessoas que viviam na miséria.


Isso, Kailash Sathyarti defendeu programas como o Bolsa Escola, e agora o Bolsa Família que, para boa parte da abastada e preconceituosa classe média brasileira, só serve para dar dinheiro para quem não quer trabalhar. Pior: de seu conforto acredita essa classe média que esses programas só servem ao propósito dos atuais governantes para manipular miseráveis e massas de baixa escolaridade e precário nível social.


“Inclusão social é a resposta”, afirma. “Os jovens estão bastante conectados, tendo o conhecimento e a informação na palma das mãos, via internet e smartphones. Toda exclusão e discriminação leva aos caminhos da injustiça. Para os que vivem em zonas de conforto, o mundo não é mais como há 50 anos. Esses jovens, portanto, não vão tolerar essa situação que só aumenta as tensões sociais. A classe média fica mais segura quando tem trabalhadores melhor educados. E trabalhadores educados surgem quando é dada a oportunidade a suas famílias. Essa oportunidade vem através de programas sociais, como o Bolsa Família”.

“This is the perception and the class interest. Now we live in a more free and more democratized world. Every day the world is getting freer with this knowledge and information, in terms of market and economy. The young people in all sections of society are much more well connected with knowledge and information through the internet, smartphones and so on. Therefore, everybody should realize that any kind of exclusion, discrimination leads to injustice. The social divide create more social tensions. Those who think that they can make money and enjoy a happy life, safe, comfortable, and those who have created comfort shells, comfort zones; they have to realize that this is not the world that it was 50 years ago, this is the world of the young people, they are not going to tolerate this. Things would go worst in the social tensions in society. So inclusion in the society is the answer to these problems. And inclusion begins with bringing the optimization of the poorest people in any society, in any place of the world, including Brazil. Middle class is safer if they have educated workers. Educated workers would be created if you give the opportunities to their families, through social protect programs, like Bolsa Família, so that you can create an educated class. They will be workers that are more skilled.”




Alguém pergunta o que ele sente quando liberta uma criança reduzida à condição de trabalhador escravizado, situação vivida centenas de vezes nas ações de sua organização, especialmente na Índia.


“Nada se compara às lágrimas de alegria, às lágrimas no rosto de uma criança que saiu do cativeiro. Eu sinto os lampejos da presença de Deus quando vejo essa situação. Quando devolvemos uma criança a sua família e vejo as lágrimas de alegria e alívio das mães que receberam os filhos de volta, nesse olhar eu sinto a presença de Deus. Não sei quem já viu Deus, muitos dizem já ter visto, mas posso dizer que já O vi dezenas de centenas de vezes, nos rostos dessas crianças. Na verdade, quando liberto uma criança, sinto que também me liberto”.


Uma das frases de destaque de sua palestra realizada no TST foi: “temos que globalizar a compaixão”, isto é, por em prática a solidariedade, estender a mão aos necessitados, fazer isso de forma organizada em todo o planeta, de maneira a fazer deste um mundo melhor.

Deste repórter partiu por escrito a seguinte pergunta, a ser eventualmente respondida por email: “Como podemos globalizar a compaixão se vivemos em um mundo em crise espiritual?”.


Mr Sathyarti gentilmente recebeu o papel, disse que não podia prometer responder por email, mas depois que viu a pergunta, parou e disse o seguinte:

“Sei que espiritualidade não é uma coisa simples. Enfrentamos muitas crises, mas a espiritualidade é parte da essência de cada um de nós. Através dela nos conectamos. Quando falo em globalizar a compaixão, dou a seguinte fórmula: faça uma criança sorrir. Dessa maneira, você faz acontecer a compaixão”.

“The thing is that I strongly feel that spirituality is not easy. We face lots of crisis but spirituality is a special essence of each one of us. We can connect through that. When I talk of globalization of compassion I give a simple formula: make a child smile every day. You realize compassion.”

Aqui, o discurso de Kailash Sathyarti, ao receber o Prêmio Nobel da Paz 2014, no dia 10 de dezembro de 2014, em Oslo (Noruega).


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