segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Pequeno Dicionário Filosófico


Volta e meia um livro nos prende a atenção, como se tivesse o poder hipnótico de nos dominar e entreter por horas e horas e horas, dias e dias e dias. Aqui vai a ressalva de que dar poderes a um objeto inanimado é sempre algo perigoso. Tem gente que diz: “ah, esse livro veio até mim”, ou “não fui eu que procurei esse disco, foi ele que veio até mim”. Mentira. Afinal, a vontade é nossa; somos nós que pegamos um livro da prateleira e nos dispomos a ler. Ou, pegamos um disco e exercitamos a audição.


O livro em questão não é nenhuma novidade e, pelo conteúdo, digamos que contenha informações anacrônicas, muitas delas de comprovada inutilidade prática. Então, para que ler obra de cunho marxista, que no final das contas era mera peça de propaganda ideológica do extinto regime soviético? Perda de tempo, quem sabe.


Sem mais, o “Pequeno Dicionário Filosófico”, organizado pela dupla M. Rosental e P. Iudin, sobreviveu ao tempo, embora tenha passado a maior parte dos últimos 55 anos dormitando nas prateleiras de livros da família de Mr. Menezes. No auge da ditadura militar que se instalou no Brasil, nos anos 1960, este livro seria motivo de prisão para seu proprietário, pois, embora as botinhas e fardinhas não tivessem editado um index de obras proibidas para a população, o conteúdo bombástico do “Pequeno Dicionário...” justificaria sua classificação como “promiscuidade ideológica”.

Enciclopédia Barsa, coitada, era vermelha
No anedotário de absurdos da época do regime militar brasileiro, consta que muitos cidadãos alvos de ações da repressão tiveram confiscadas a boa a velha Enciclopédia Barsa, uma coleção de livros de capas vermelhas que reluziam nas estantes. Falam que, ao confiscar itens suspeitos, nas muitas invasões às residências que resultaram em humilhação e detenções arbitrárias de “subversivos”, os agentes levavam a coleção de livros achando que pela robustez e tamanho seria “O Capital”, de Marx. Quem viveu isso na pele sabe do que estamos falando.

O argumento aqui é o que ainda desperta de interesse nas definições que moldaram o pensamento marxista e seu método de atingir um ideal, passando, claro, pelos estágios pretendidos de derrubada de uma classe burguesa dominante, a instauração de uma ditadura do proletariado, e a arrumação socialista que levaria aos caminhos “libertadores” do comunismo.

Verbete sobre o materialismo dialético

Verbete sobre o misticismo
Eis o grande ensinamento deste “Pequeno Dicionário...”: bater na tecla de que a abordagem da realidade, isto é, o estudo dos fenômenos da natureza e da sociedade, tem um viés marxista, materialista, que difere radicalmente da concepção idealista que perdurou por séculos na história da humanidade. Basicamente, trata do problema central da filosofia, a relação entre o pensamento e o ser, motivo que atravessa séculos, desde que Tales de Mileto (623/624 a.C. - 556/558 a.C.) usou o raciocínio e não o temor religioso para explicar o mundo.

O sorridente Tales de Mileto


Portanto, burgueses, idealistas e religiosos, tremei, pois o “Pequeno Dicionário...” é pedrada na vidraça. Se você não tem medo desses temas e é despido de preconceitos, vale a pena folhear um exemplar, no mínimo pela curiosidade informativa que encerra. Embora editado em 1959, pela Gospolitizdat, a editora política da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), exemplares originais do “Pequeno Dicionário...”, publicados no Brasil pela extinta editora Livraria Exposição do Livro podem ser encontrados em toda a parte, a preços baratos, nos sebos físicos e virtuais.
O sorridente Marx

Marx
O sorridente Engels

Engels
O quase sorridente Lenin

Lenin
Quase sempre citando ilustres como os pensadores alemães Karl Marx (1818-1883) ("genial fundador do comunismo científico") e Friedrich Engels (1820-1895) ("dirigente e educador do proletariado"), que lançaram as pedras fundamentais do negócio comunista; e de Vladimir Ilitich Lenin (Lenine) (1870-1925) ("genial teórico e guia do proletariado mundial e de toda a humanidade trabalhadora"), o grande ideólogo da Revolução Russa de 1917, o dicionário é uma joia de instrução ideológica que, visto pelas lentes de hoje, sustentam ideias radicais, virulentas e outras até hilárias, dada a marcha da história e o que sabidamente aconteceu com o regime soviético, extinto quando a Glasnost e a Perestroika, de Mikhail Gorbachev, deu o tiro de misericórdia no regime que assombrou o mundo por anos, anos e anos.

In Gorbachev We Trust


Stalin
Sobre Josef Vissarionovitch Stalin (1878-1953), o dicionário obviamente deita as loas ("revolucionário profissional", "conduziu firme e decididamente o povo soviético pelo caminho da realização dos legados de Lenin, pelo caminho da construção do socialismo", "revolucionário proletariado").

O sorridente Trotski
Sobre Leon Trotski (1879-1940), claro, não há verbetes, mas a menção de que suas ideias foram desmascaradas, assim como as de dezenas de opositores ao regime instaurado na antiga Rússia.

O socialismo ruiu e o comunismo hoje só serve para espantar burgueses assustados com a perda do patrimônio pessoal. Aliás, no Brasil é incrível o quanto esse tema ainda causa pânico, com muitos anacrônicos acreditando que a cada eleição surge um comunista que vai passar o rodo na propriedade privada.


Pour epater le bourgeoisie, o "Pequeno Dicionário Filosófico".

Nenhum comentário:

Postar um comentário