When I heard that he was gone
I felt a shadow across my heart
Nobody's Hero (Rush)
Neil Ellwood Peart (1952-2020) |
Ginger Baker (1939-2019) |
O que dizer agora que Neil, falecido na alvorada de 2020, entra no seleto time de músicos que verdadeiramente se tornaram mitos? Em todo o planeta, quantos músicos (e não músicos) tiveram aquele insight, aquela vontade de rufar os tambores, atacar os pratos e fazer música depois de ver a performance de Peart na bateria?
Neste mesmo DVD, no segundo disco que registra a passagem do grupo pelo Brasil, em espécie de documentário, Neil Peart aparece em relance correndo após o show para se refugiar do assédio que certamente receberia daqueles ansiosos por cumprimentar o grupo, sucesso estrondoso de vendas no país desde os anos 1970.
Lifeson, Peart, Lee, ao vivo no Maracanã (2002) |
Rush In Rio, 23 de novembro de 2002 |
Lee, Lifeson e uma fã |
Esse era um dos pontos de realce quando se tratava de ouvir Neil Peart, em função da rotina de atender jornalistas e fãs durante as turnês. Ele simplesmente não falava. Entrevistas ao longo da carreira, talvez sejam poucas considerando os 40 anos de estrada do Rush, que havia anunciado o fim das atividades após a turnê R40, em 2015, justamente quando comemorou quatro décadas de batalha no mundo artístico-musical.
Fatos largamente documentados, Neil Peart evitava de maneira extremamente meticulosa o assédio de estranhos, principalmente depois de tragédias pessoais que marcaram sua vida. Como é sabido, em 1997 e 1998, em espaço de 10 meses, Peart perdeu a filha Selena em um acidente automobilístico e a esposa Jacqueline, que sucumbiu ao câncer.
À época, o baterista relatou aos companheiros de banda e amigos de longa data que poderiam considerá-lo aposentado do show business. Toda a dor do músico e como lidou com essas perdas - saindo sozinho de moto em longas viagens - foram descritos no livro Ghost Rider: Travels on the Healing Road (no Brasil, A Estrada da Cura).
Bem, a essa altura já dá para perceber o quão interessante foi o artista, o músico, a pessoa chamada Neil Peart. Voltando ao segundo disco do DVD Rush In Rio, uma passagem intrigante que recebeu comentários do baixista Geddy Lee diz respeito à devoção dos fãs, principalmente aqueles que absorveram não apenas a música, mas as muitas mensagens contidas nas letras da banda, sob a responsabilidade de Neil Peart. Uma garota dá um sentido depoimento entre lágrimas, lembrando a importância do grupo em sua vida. Geddy, àquela altura um homem maduro de 49 anos, não esconde a surpresa e também o constrangimento ao ver certa idolatria de pessoa tão jovem e entusiasmada com os artistas tão amados, finalmente realizando para milhares o sonho de tocar ao vivo no Brasil.
Voltando a Neil, esse desconforto com o assédio certamente não começou com os trágicos fatos que teve que enfrentar no período 1997/1998. Toda essa carga havia sido incrivelmente descrita em 1981, na canção Limelight (álbum Moving Pictures), que descreve o que é estar na ribalta, ter os holofotes direcionados e milhares de olhos acompanhando cada gesto, expressão e o que mais estiver em foco.
Living in a fisheye lens
Caught in the camera eye
I have no heart to lie
I can’t pretend a stranger
Is a long-awaited friend
Tradução livre:
Vivendo sob objetiva grande-angular
Capturado por olhos de câmera
Não consigo mentir
Nem posso fingir
Que um estranho
É um amigo que há tanto espero
Em 2017, falando para a revista britânica Classic Rock, no que talvez seja uma de suas últimas entrevistas, Neil é perguntado se ainda é a mesma pessoa que escreveu esses versos. Resposta afirmativa e com um adendo: “Nunca precisei me retratar. Minha habilidade de me expressar cresceu e evoluiu ao longo dos anos. Quando escuto as antigas canções, posso até me envergonhar tecnicamente falando, mas nunca no aspecto psicológico ou emocional. Cada palavra em Limelight continua fazendo sentido, em que pese a crueza com que possa ter sido expressada”.
Como dizia Millôr Fernandes, “sincero como um cara apavorado”.
Ironias a parte, a morte de Neil Peart tem o impacto e comoção mundial que vem se igualar aquelas causadas pelo desaparecimento dos grandes artistas amados pelo público. Foi assim com Elvis Presley, com Keith Moon, com John Lennon, com Freddie Mercury, enfim, com todo aquele que com sua arte cativou admiradores onde quer que se encontre neste planeta.
Led Zeppelin, circa 1971 |
John 'Bonzo' Bonham (1948-1980) |
John Winston Lennon (1940-1980) |
O mesmo pode ser dito do Rush. Quem acompanha a trajetória do trio canadense sabe que agora o grupo definitivamente acabou. La na frente, quem pode dizer, Geddy Lee e Alex Lifeson podem até voltar a tocar como Rush, utilizando algum baterista como substituto, em alguma homenagem ou coisa parecida. Mas sem Peart, seu talento, carisma e sua incrível polirritmia técnica vai ser difícil de ver. Afinal, o Rush era uma unidade, um trio coeso e criativo que escreveu o nome na história do rock. Ademais, Lee, Lifeson e Peart eram amigos, irmãos de longa data. Como você substitui alguém tão amado na família?
Neil Peart - Subdivisions (Drums only)
neilpeart.net
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