quinta-feira, 11 de maio de 2017

Pearls Before Swine e a conexão amazônica

Não lanceis aos cães as coisas santas, 
não atireis aos porcos as vossas pérolas, 
para que não as calquem com os seus pés, e, 
voltando-se contra vós, vos despedacem.

Matheus, 7-6

Give not that which is Holy unto the dogs; 
neither cast ye your PEARLS BEFORE SWINE, 
lest they trample them under their feet, 
and turn ye on, and rend ye.

Matthew, 7-6



A história de hoje aparece no meio das celebrações (se é que há uma) de 50 anos do lançamento do disco One Nation Underground, maravilhosa obra psicodélica da banda norte-americana Pearls Before Swine.

The Beatles - Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band
Pink Floyd - The Piper At The Gates Of Dawn

The Moody Blues - Days of Future Passed

The Jimi Hendrix Experince - Are You Experienced

The Doors - First Album

Isso, não são apenas os clássicos Sargent Pepper’s Lonely Hearts Club Band (The Beatles), e The Piper At The Gates of Dawn (Pink Floyd) que viraram cinquentenários. Neste 2017, completam 50 anos os álbuns Days of Future Passed (The Moody Blues), Are You Experienced (The Jimi Hendrix Experience), e o primeiro The Doors, todos tidos como obras que definiram os anos 1960, e importantes não apenas no âmbito do rock’n’roll, mas no contexto da cultura anglo-saxônica que se espalhou pelo mundo, sendo absorvida e reprocessada das mais diferentes formas, pelas mais diferentes culturas.



Tom Rapp, com o violão, nos anos 1960

Tom Rapp, atualmente
One Nation Underground é um disco obscuro, de uma banda mais obscura ainda, liderada por um cara não menos misterioso, chamado Tom Rapp, nascido em Bottineau (North Dakota), e hoje na casa dos 70 anos.



The Garden of Earthly Delights (Hyeronimus Bosch)

O álbum tem suas qualidades e é um deleite para os ouvintes abertos a uma aventura psicodélica. A capa é um detalhe da estranhíssima pintura O Jardim das Delícias Terrenas, de Hyeronimus Bosch (1450-1516), o mais psicodélico dos grandes mestres da pintura. As canções são estranhas, as letras, enigmáticas; o clima, onírico; com instrumentos que jamais você ouvirá por aí (swine horn, clavioline, sarangi); a voz única de Tom Rapp (anquiloglossia? Língua presa?), muitos detalhes que, combinados, fazem da experiência aural uma imersão em um mundo musical, depois identificado (ou classificado) como folk psicodélico.

Balaklava (1968)

These Things Too (1969)

The Use of Ashes (1970)

Tom Rapp - Journal of The Plague Year (1999)

Quanto a Tom Rapp, sua vida segue razoavelmente bem documentada na web: lançou grandes discos sob a alcunha Pearls Before Swine, largou a carreira musical, formando-se posteriormente em Direito, e lançou o último trabalho como artista solo, em 1999, com uma obra intitulada A Journal of The Plague Year, o qual teve a presença da baixista Naomi Yang e do baterista Damon Krukowski, ambos ex-Galaxy 500 e mais conhecidos como a dupla Damon & Naomi.

Advogado e professor Marco Alexandre Rosário (2017)
A lembrança de que o primeiro Pearls Before Swine faz 50 anos partiu de um conhecido, fã inveterado da banda, atualmente advogado e professor de Direito Penal, chamado Marco Alexandre Rosário.

Adepto da filosofia DIY (Do It Yourself), Marco Alexandre não se conteve em ouvir milhares de vezes o One Nation Underground, a partir dos anos 1980, quando conheceu a obra. Influenciado por toda uma vivência habituada à literatura dos mestres e a ouvir os clássicos, o jazz e o rock, esse cidadão passou a produzir poemas, pinturas e música com o que tinha à mão.


Fundou uma editora (Ogmios), lançou livros e discos, tudo de maneira artesanal. E o mais louco de tudo: de alguma maneira conseguiu atrair a atenção do Tom Rapp, o inventor do Pearls Before Swine.


Em 2001, depois de uma troca de correspondências, Tom Rapp enviou para Marco Alexandre uma fita cassete com a gravação que havia feito para o poema “Lírio”, escrito pelo brasileiro.

Jardim,
eu
ilumino
Com
meu
brilho
O teu
lamento
Eu me chamo
Lírio,
lírio,
lírio,
lírio.


Garden,
I
light up,
With
My
Shine
Your
lament.
My name is
Lily,
Lily,
Lily,
Lily.

Terrastock 5 (2002)

Um dos caras mais misteriosos do rock norte-americano tem esse coração generoso: não pode recitar o poema, esse era o combinado, quando de sua participação no festival Terrastock 5, em Boston (Massachssetts), ao invés disso, mandou a gravação, que ficou conhecida como Lily (Marco’s Song).

O Blog do Hektor conversou com Marco Alexandre e prefere que o próprio diga em suas palavras como tudo se passou.

Blog do Hektor – Primeiro, obrigado por lembrar que faz 50 anos que Tom Rapp entrou em estúdio para gravar o clássico One Nation Underground. O que há de tão especial na música de Tom Rapp/ Pearls Before Swine?

Marco Alexandre Rosário – Em primeiro lugar, acredito que foi a época em que o álbum foi gravado. O ano de 1967 foi um ano mágico, em que a música dita popular alcançou níveis jamais imaginados e jamais igualados. Era a época no Movimento Hippie, do Movimento Underground, da Contracultura, do Psicodelismo. No caso específico do One Nation Underground, o clima do álbum é um tanto medieval, experimental, e muito bonito. Os anos de 1966 e 1967, a começar pelo álbum Rubber Soul, dos Beatles (lançado na Inglaterra em dezembro de 1965), foram anos inigualáveis na música popular. Também é preciso lembrar a participação dos outros membros do grupo no álbum, como a belíssima parceria de Lane Lederer e Roger Crissinger na canção The Surrealist Waltz. Ou na parceria Tom Rapp/ Roger Crissinger, na canção Ballad To An Amber Lady. Havia também a participação de Wayne Harley, o outro membro do grupo. Também cito as canções Another Time e Morning Song, todas de Rapp. One Nation Underground causou alvoroço nas comunidades hippies de San Francisco, quando foi lançado, porque os cabeludos achavam que era um projeto secreto de Bob Dylan com os Beatles. Hahaha.  Estavam chapados de LSD.

BH – Sei que o seu interesse por Tom Rapp/ Pearls Before Swine tem uns 30 anos, quando nos conhecemos em Belém (Pará).

MAR – Exato. Foi o jornalista Heitor Menezes que me mostrou o álbum, em 1983, o álbum que mudou minha vida para sempre. O álbum era da época do lançamento, em 1967. Fiquei completamente extasiado por aquela música maravilhosa, experimental e bela.


BH – Depois da carta endereçada ao grupo, que acabou não sendo respondida, você continuou interessado em saber mais sobre Tom Rapp/ Pearls Before Swine? Isto é, conseguiu ouvir os discos subsequentes? Balaklava (1968), These Things Too (1969) e The Use of Ashes (1970), por exemplo.

Marco Alexandre Rosário, músico

MAR – Eu conheci o PBS em 1983. Em 1984, inspirado no grupo e na gravadora ESP-DISK, comecei a criar um projeto artístico que ficaria conhecido como Editora Ogmios (Seaculum Obscurum) / Gravadora Arte Degenerada. Quando fiz o primeiro livro-música (um livro artesanal com uma fita cassete, em março de 1986), resolvi entrar em contato com Tom Rapp. Havia um endereço na contracapa do álbum One Nation Underground, que era o endereço da gravadora ESP-DISK em Nova Iorque. Então, enviei, provavelmente em junho de 1986, uma carta para Tom Rapp, para o endereço que estava no álbum, em Nova Iorque. Obviamente, a carta foi até Nova Iorque e voltou para Belém do Pará, porque eu a enviei 19 anos depois do lançamento do álbum. Não havia ninguém mais morando lá. Posteriormente, já na década de 1990, conheci o segundo álbum, Balaklava, de 1968, através do CD que um amigo meu, Douglas Dias, havia comprado. Já no século XXI conheci os outros álbuns. O próprio Tom Rapp me deu de presente um CD do seu último álbum solo, de 1999, A Journal Of The Plague Year, para o qual o jornal americano The New York Times fez uma imensa reportagem como título “Músico, Advogado e Músico Outra Vez”.

BH – Como e quando você contatou Tom Rapp? Mandou um email? Do que tratava a correspondência entre vocês?

MAR – Falei com Tom Rapp pela primeira vez em 2001. Era a primeira vez que eu tinha contato com a Internet. Criaram um e-mail para mim. Comecei a mexer na Internet, buscando informações sobre o Pearls Before Swine. Vi um site imenso e, de repente, apareceu um link que dizia para enviar uma mensagem para Tom Rapp, por e-mail. Enviei a mensagem em português e ele respondeu em inglês, me chamando de Mr. Rosário. Foi o primeiro e-mail que eu enviei na minha vida. Eu falei na mensagem por e-mail as mesmas coisas que havia falado na carta de 1986. Depois repeti tudo em inglês por e-mail, já que ele só fala em inglês.

BH – Alguma vez ele manifestou interesse em vir ao Brasil?

MAR – Sim, mas ele disse que no momento não poderia vir. Isso foi em 2001, logo que entrei em contato com ele. Agora, dificilmente ele viria.

BH – E como ele veio a pôr música e gravou um poema que você escreveu?


MAR – Depois do primeiro contato, ficamos bastante próximos. Então, ele me disse que iria fazer uma apresentação no Terrastock, um festival de música folk, ambientalista e tudo mais, em Boston. Típico da esquerda americana. Então, eu pedi a ele que ele recitasse um poema de minha autoria no Festival. Ele disse que sim, e eu enviei a ele o poema “Lírio”, que eu havia escrito em 1985 para o livro “As Flores”, traduzido em inglês por um programa de computador. Um tempo depois, quando ele voltou do Festival, ele me disse que não pôde recitar o poema por motivo de horário e pela desorganização do Festival. Então, ele disse que iria fazer melhor, que iria fazer uma música para o meu poema. Assim, em novembro de 2002, ele me enviou uma fita cassete com a música Lily/Marco’s Song (Lírio/Canção do Marco), em que ele cantava e tocava gaita, juntamente com a apresentação em Boston. Posteriormente, quando eu já morava em Santarém (Pará), acrescentei um piano à gravação, dando à música o título de Lily (Overture) e a coloquei no livro-música Winona e as Cadeiras de Rodas, publicando isso no site da Editora Ogmios, em 2005. Em 2016 fiz um vídeo da música e o coloquei na minha conta no YouTube. Mas, havia um outro projeto, envolvendo Tom Rapp e a cantora americana Meredith Monk. Eu propus a eles que fizéssemos um grande livro de poesia, denominado Letters To Americas (Cartas às Américas). Eles toparam fazer o projeto, mas eu acabei ficando sem tempo para iniciar o trabalho. Seria um longo poema com trechos em espanhol, inglês, português (as três principais línguas das Américas) e idiomas indígenas e dialetos da população negra nas Américas. Infelizmente, não consegui realizar tal trabalho, mas eles ficaram muito interessados.

BH – Ainda tem contato com ele?

MAR – Sim, mas no dia do aniversário dele, quando Tom Rapp completou 70 anos de idade, agora em março de 2017, ele não me enviou resposta. Enviei e-mail para ele agora em maio, por ocasião dos 50 anos do One Nation Underground, mas até agora ele não respondeu. Em 15 anos de amizade foi a primeira vez que isso aconteceu. Talvez ele esteja com algum problema.

BH – Tal qual Tom Rapp, você tem formação em Direito. Hoje mais do que nunca o mundo precisa de defensores do direito. Acredita que a evolução social, isto é, a paz social só é possível judicializando a vida? Ou seja: qualquer coisa, acione a Justiça. E pague um advogado.

MAR – É verdade, sou advogado, como Tom Rapp, e professor de Direito Processual Penal e Direito Penal, na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), em Marabá (PA). Tom Rapp abandonou a música em 1976, voltando a estudar e se formando em Advocacia, nos Estados Unidos. O Direito existe para orientar a vida em sociedade. Assim, torna-se necessária a atuação do Direito em qualquer sociedade. Mas o Direito não é um fim em si mesmo. O objetivo maior é a felicidade e o progresso do ser humano a quem o Direito visa proteger e dar garantias sociais, econômicas e culturais.

BH – Sei do seu interesse pelo rock e a cultura dita alternativa. De que maneira esse tipo de coisa influencia sua vida, seu trabalho?

MAR – Eu parei de fazer música, poesia e pintura em 2008. Mas a Editora Ogmios continuou existindo, através dos sites (além do site acima mencionado, temos o www.seaculumobscurum.net, em português), do Youtube, do Facebook e do blog. Em 2015 fiz duas apresentações na UNIFESSPA em comemoração aos 30 anos da Editora Ogmios (1984-2014). Sei que a Editora Ogmios influenciou garotos e garotas mundo afora por causa dos sites. Acho isso bom, mas não existe mais uma coisa chamada movimento underground, contracultura, psicodelismo, tendo em vista que a época é outra. Mas, acredito que novas ideias parecidas estejam a caminho, porque há muitos jovens que desejam fazer coisas novas.

Submarino construído por narcotraficantes, apreendido em 2015
BH – Sei que você fez de sua dissertação de Mestrado um estudo sobre o tráfico de drogas na região amazônica. E sei também que neste você dedicou um capítulo inteiro ao pensamento de que, para além dos efeitos danosos e violentos que o tráfico traz ao mundo, as drogas, principalmente as psicotrópicas, estão intrinsecamente ligadas à civilização. O que é fato, o que é mito e o que é hipocrisia nessa história?

MAR – O Homem sempre usou drogas e sempre as usará. Porque as drogas causam esta sensação diferenciada da realidade cotidiana. Há drogas perigosas, como o álcool, e drogas com um grau menor de destruição, como a maconha (cientificamente comprovado). Mas, todas fazem mal à saúde. O que sempre achei é que há muita gente falando tolices, tanto contra como a favor, e que deveriam procurar pesquisar sobre o assunto para não causar preconceitos e nem incentivar o uso e o tráfico de drogas. Essa é uma questão muito séria e grave da civilização atual. Com relação às artes, principalmente em relação à música, sempre houve a influências das drogas nesse meio, seja o LSD do hippie dos anos 60, seja a cervejinha do sertanejo ou do pagodeiro atualmente.

BH – Sendo assim, ergamos uma taça de vinho a Tom Rapp, e a você, amigo, por bem representar o espírito da coisa.

MAR – Pode acrescentar que é uma honra ter tido um poema escrito por mim e musicado pelo Tom Rapp, já que ele fez o mesmo com poemas de escritores famosos, como é o caso de poeta irlandês William Butler Yeats (poema Silver Apples, lançado no álbum solo de 1999, A Journal Of The Plague Year). Além das canções Translucent Carriages, que parece que é um poema de Heródoto, o grego (creditada a Herodotus/Harley/Rapp, no álbum Balaklava), e Ring Thung (creditada a Tolkien/Rapp, do Balaklava também).

Tom Rapp, yesterday and today

4 comentários:

  1. Grande Marco Alexandre, sempre recheado de boas histórias. Parabéns ao blog pelo material.

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  2. Ouvir música abre a mente e expande as possibilidades. Hats off to Marco Alexandre. Obrigado.

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  3. Thomas Rapp merece todas as honras pelo belíssimo trabalho que realizou como músico e poeta que foi e é. Parabéns ao Heitor pela reportagem e coragem de falar em seu Blog dos 50 anos de um dos grandes álbuns lançados em 1967, mas pouco conhecido no Brasil. Marco Alexandre Rosário - Editora Ogmios (Seaculum Obscurum) Gravadora Arte Degenerada

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