Oh, the Sisters of Mercy
They are not departed or gone
They were waiting for me
When I thought that I just can't go on
And they brought me their comfort
And later they brought me their song
O, I hope you run into them
You who've been traveling so long.
Lux Interior (The Cramps): catarse |
Everybody's rocking |
Observem as várias definições de catarse e as coisas parecem se encaixar. Na etimologia da palavra, é a purificação, a purgação, o alívio da alma pela satisfação de uma necessidade moral. Para os gregos da Antiguidade o que era? Expulsão daquilo que consideravam estranho à essência do ser. Em outras palavras, o que corrompia a pessoa.
Édipo e Antígona, por Louis Duveau |
Na medicina, catarse é a evacuação do intestino. Ok. Na psicanálise, aquele procedimento de tratar neuroses, trazendo à consciência do paciente coisas inculcadas no inconsciente. Na psicologia, a liberação de emoções ou tensões reprimidas. Para encurtar, aquele efeito libertador dos medos e da raiva.
De onde saiu tudo isso, sabichão? (Dicionário) Houaiss, velho de guerra, sempre nos ensina alguma coisa. Como isso se conecta com o rock’n’roll? Bem, isso não está nos dicionários, mas não é difícil aduzir que todo aquele educado a base da história do rock, todo aquele que já ouviu muito som, que curtiu a discografia dos artistas acima relacionados, que, de alguma forma, teve coração e mente tocados pelo espírito da coisa, esse sabe a resposta.
Mas o canto é menor que vida de qualquer pessoa, dizia Belchior. Assim, saber a resposta nada significa. Por ora, deixemos de lado a contradição e vamos focar no rock com sentido catártico, de expiação e celebração, ou o contrário, depende do ponto de vista. E aí chegamos à banda britânica The Sisters of Mercy, em rara digressão pelo país, no final desse 2019.
Sisters passaram por Brasília. Aqui não vinham fazia 29 anos (!). A banda liderada pelo enigmático cantor Andrew Eldritch tocou no Toinha Brasil Show, casa especializada em rock na capital federal. Olha, quem testemunhou, viu que não foi mero exercício de nostalgia, levando em conta que o auge de sucessos do grupo se deu na segunda metade dos anos 1980.
The Sisters of Mercy @ Toinha Brasil Show, Brasília, 07/11/2019 |
The Secret Society @ Toinha Brasil Show, Brasília, 07/11/2019 |
O trio composto pelo baixista e cantor Guto Diaz, o baterista Orlando Custódio e o guitarrista Fabiano Cavassin apresentaram repertório autoral, músicas contidas no álbum Rites of Fire. Não poderia ter sido escolha melhor como banda de abertura.
Basta dizer que o som desses caras ora lembra Rush, ora Pink Floyd, mas não qualquer Rush ou imitação de PF. Digamos que parecia um Rush turbinado ou um Floyd cheio de testosterona. Melodias prog metal muito bem construídas e executadas por um entrosado power trio com um quê de virtuosismo e forte pegada pós-punk.
Ao vivo, a Secret Society sabe tomar a plateia pelo estômago. Como? Pelo estômago. A paulada sonora é daquelas que bate na caixa torácica, irradiando energia por todo o corpo de quem estiver na frente. Esse truque é infalível. Impossível ficar indiferente. Tipo da banda que prende a atenção o tempo todo. Diante do turbilhão sonoro, muitos preferiram ficar estáticos. Os vulneráveis e destemidos, ou seja, os que não estavam nem aí, esses aproveitaram bem, pois caíram na dança. Ficaram extáticos, hahaha.
Como dizia Márcia de Windsor, nota 10 para a Secret Society.
Sisters em som, luz e sombra |
Eis uma banda singular. Como sabido, Sisters não tem disco de inéditas desde Vision Thing, álbum lançado em 1990. De lá pra cá, fazem jus à honestidade contida nas palavras que estampam seu website: uma banda de rock’n’roll e uma banda pop; uma máquina de groove industrial; [autoproclamados] deuses do amor intelectual; volta-e-meia fazem discos; de vez em quando, turnês.
Ok. The Sisters of Mercy tocam o repertório antigo com a força do som atual. Do material mais antigo, Temple of Love e Alice aparecem com roupa nova. Marian, No Time To Cry, e First, Last & Always, do disco homônimo de 1985, ganham update tonificante. Do disco Vision Thing tocam quase todas: Doctor Jeep é apresentada em simbiose com Detonation Boulevard. Ribbons, More, I Was Wrong, Vision Thing, e Something Fast fazem ver a ênfase nesse que é o último disco de estúdio. O mesmo ocorre com Dominion/Mother Russia, Flood II, Lucretia My Reflection e This Corrosion, que encerra os trabalhos.
Christo e Smith, guitar heroes |
Andrew Eldritch |
Eldritch e Smith |
Alguma violência em vista? Sim, na estética e na poesia, pois não há como fugir desse espectro. Mas aqui tudo é sublimação catártica. Eldritch canta sempre em voz gutural: “I hear the roar of a big machine/ two worlds and in between/ love lost, fire at will/ dum-dum bullets and shoot to kill, I hear/ dive, bombers and/ empire down/ empire down” (Lucretia My Reflection).
Ben Christo e Andrew Eldritch |
Rock é cultura, brothers & sisters. E (ainda) liberta corações e mentes.
The Secret Society |