quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Roberto Menescal, senhor dos mares da Bossa Nova

Menescal, primeiro à direita
Só mesmo ouvidos embrutecidos ou lamentavelmente sem afinidade cultural para não gostar ou crer que a Bossa Nova é coisa do passado. Não é, pois o que nasceu para virar clássico tem a qualidade perene de sempre encantar. Na música popular, que é o que nos interessa, é a qualidade que distingue os grandes, aqueles que em seus quadrados juntaram acordes e letras e, uh!, imortalizaram canções, entidades imateriais vitais para a nossa existência.


Cortando o caminho, sorte tem quem vive ou está em Brasília, pois no dia 17 de fevereiro de 2017, no auditório do Centro de Convenções Ulysses Guimarães, um grande elenco de músicos revive o fino da Bossa Nova e suas canções mais marcantes, no show “Bossa Nova In Concert”.


Vejam, pode parecer um show a mais com os clássicos da BN; rotina, dizem os céticos. Antes, é a celebração da grande música inventada no Brasil e que no ano de 2018 completa 60 anos. Para nós, ouvintes, a constatação de que é toda uma vida de contribuição ao enriquecimento cultural desta nação, mas nada na passagem do tempo, se considerarmos que muitos de seus inventores ainda estão por aí na ativa.

Aos saudosistas e amantes da canção popular, nem precisa dizer que é o carinho no ouvido que tanto esperam, caso estejam em sintonia com o que fazem hoje com o nosso cancioneiro.

Roberto Menescal e Wanda Sá
Isso sem falar na alegria de ver de perto ídolos da BN, caso dos lendários Roberto Menescal, ênfase desta publicação, e Wanda Sá (a “fã número um da Bossa Nova”); além de artistas de alto nível, que nos fazem suspirar a cada canção, como Ivan Lins, Leila Pinheiro, Paula e Jaques Morelenbaum e Roberta Sá.

Ivan Lins
Roberta Sá
Pessoas que nasceram bem depois precisam admitir que o tal “Bossa Nova In Concert” é oportunidade ímpar de acesso direto à fonte. Os discos e os livros estão por aí, mas nada como a experiência sensorial de estar diante do palco, no ritual de ouvir com atenção o que os artistas estão cantando e tocando. Em síntese, altamente recomendável.


“Bossa Nova In Concert” é destaque na revista Roteiro Brasília, na qual este autor recomenda o espetáculo, à guisa de dica cultural. Aqui, a retificação de que os dois discos que marcam o início da Bossa Nova – “Canção do Amor Demais”, de Elizete Cardoso; e “Chega de Saudade”, de João Gilberto – foram lançados em 1958, e não em 1968, como informa o artigo publicado na revista.




Roberto Menescal
Sobre o guitarrista, compositor, e produtor capixaba Roberto Batalha Menescal, um dos criadores da Bossa Nova ao lado de Antonio Carlos Jobim, João Gilberto, Carlos Lyra e Vinicius de Moraes, o próprio inúmeras vezes enfatizou que é apenas o cara que estava no lugar certo, na hora certa em que as coisas aconteceram.


Sua trajetória pessoal e profissional o confirmam como testemunha e protagonista privilegiados dos grandes fatos concernentes à Bossa Nova. Vejam. Em 1957, pouco antes do início de tudo, em plena festa de bodas dos pais, Menescal viu entrar pela porta de seu apartamento um cara dizendo: “Eu sou o João Gilberto”. E assim, meio atônito, passou pelo meio dos convidados, levando João para um quartinho, pois este já chegou perguntando por um violão. Lá nos fundos, o cara que inventou a batida da Bossa Nova manda “Ho-ba-la-la”, de sua autoria, em uma audição que pirou a cabeça do indeciso Menescal, àquela altura em conflito se virava arquiteto ou marinheiro, embora a música ocupasse todo o seu pensamento. Também, imagina João Gilberto cantando só para você.



O resto é história, muito bem documentada ali e acolá, como em “Chega de Saudade”, bíblia obrigatória sobre a BN, de autoria do jornalista e escritor Ruy Castro. Iniciantes ou não têm um coquetel desses causos no documentário “Coisa Mais Linda – História e Casos da Bossa Nova” (2005), dirigido por Paulo Thiago. Neste, Menescal e Carlos Lyra, responsáveis pela famosa “academia” de violão, em Copacabana, conduzem a narrativa como testemunhas oculares da História em um painel abrangente, tendo ao fundo, claro, o espetacular Rio de Janeiro, na virada dos 50 para os 60, lugar perfeito para um dia de luz, festa de sol.




Também dignos de nota duas “recentes” obras de autoria da jornalista Bruna Fonte, com mais causos e mais histórias da Bossa Nova: “O Barquinho Vai... Roberto Menescal e suas histórias” e “Essa Tal de Bossa Nova”, sendo o último coescrito pelo músico, e com episódios obscuros da época da ditadura.



Roberto Menescal esteve presente no famoso concerto da Bossa Nova, em 21 de novembro de 1962, no prestigiado Carnegie Hall, mítica sala de concertos em Nova York. Foi nesse show, aliás, que o músico teria decretado seu fim como cantor, passando então a se ater apenas aos violões e guitarras (e que violões e guitarras!).


Naquele registro, auxiliado pelo quarteto de Oscar Castro Neves, Menescal canta com uma voz que não é lá grandes coisas a não menos mítica “O Barquinho”, uma das inúmeras parcerias de sucesso ao lado de Ronaldo Bôscoli. Nesse mesmo show, Menescal ainda emplacou a linda “Ah Se Eu Pudesse”, parceria com Bôscoli, na voz de Ana Lúcia. É pouco?


“Minha carreira de cantor começou no Carnegie Hall e acabou ali mesmo, três minutos depois” é uma das frases de Menescal que entraram para a história.

Como marco divisor de águas, aquele concerto no Carnegie Hall fez com que muitos músicos deslanchassem carreira em solo norte-americano, casos de Sergio Mendes, Oscar Castro Neves, Milton Banana, e Luis Bonfá, enquanto outros tomaram o caminho de volta, a exemplo de Menescal, que havia deixado noiva esperando no Rio.

Interessante que Menescal tenha dado uma pausa na carreira, em 1970, quando, convidado por André Midani, virou executivo da gravadora Polygram. Ruy Castro diz que ele parou de compor e tocar para não constranger os contratados da gravadora.


Ao longo de 15 anos, até 1985, quando largou esse negócio de artista e repertório (alheios), o músico se dedicou à produção, tendo visto surgir estrelas do naipe de Raul Seixas, artistas populares com Odair José, além de ter cravado incrível parceria com Chico Buarque, na gloriosa “Bye Bye Brasil” e seus queixosos versos “Estou me sentindo um jiló / Eu tenho tesão é no mar”.

Coletânea O Sorriso (1996) (selo Albatroz)

Jazz Zen: standards em clima de Bossa Nova
De 1985 para cá, Roberto Menescal foi em busca do tempo perdido e com a experiência adquirida nas batalhas do mercado musical tratou de se organizar. Lançou vários discos, e fundou um selo, Albatroz, pelo qual como independente lançou inúmeros projetos sempre ligados à Bossa Nova.


Aliás, se tem alguém que soube honrar as origens e enxergou o potencial da Bossa Nova como estilo musical perene, altamente requintado, essa pessoa se chama Roberto Menescal.

Andrea Amorim e Roberto Menescal
Se a BN não morreu nas esmagadoras décadas de 1980 (quando só dava o roque brasileiro), 1990 (quando a BN era a música de gente mais velha), entrando pelo novo século, agradeçam a artistas como Roberto Menescal.

10 perguntas para Roberto Menescal

Roberto Menescal gentilmente respondeu às seguintes perguntas formuladas por email:

Blog do Hektor – Como é ver a Bossa Nova atravessar décadas e ainda despertar tanto interesse, inclusive de pessoas que nem eram nascidas à época?

Roberto Menescal – Vejo a Bossa Nova fazendo o mesmo caminho do jazz. Nunca foi um sucesso popularesco, mas está aí há quase 60 anos.

Com Leila Pinheiro, no Japão, em 2012

BH – Os japoneses têm mais adoração pela Bossa Nova do que os brasileiros?

RM – Os japas são muito apaixonados por nossa música em geral, especialmente pela Bossa Nova e, como vamos lá basicamente uma vez por ano, eles não perdem nossas apresentações. Por isso só sabemos a extensão desse público através do que vemos nos shows. Tivemos uma boa amostra em três anos seguidos no começo desse século, quando fizemos apresentações para um público de cerca de 10 mil pessoas em Tokyo, em cada show.

Com a amiga Nara Leão, no Japão
BH – É verdade que o senhor já tocou mais vezes lá (no Japão) do que no Brasil? Nosso mercado exauriu o interesse pela Bossa Nova?

RM – Claro que toco mais aqui no Brasil do que lá fora, apesar de termos tocado em todos os lugares mais importantes do mundo, cerca de 20 países diferentes. Mas trabalhamos muito aqui no Brasil, hoje mais do que no começo da Bossa Nova. Acontece que nossa música, assim como o clássico e o jazz, não é uma música que está nas mídias populares como o Faustão etc.

Cris Delano e Roberto Menescal
BH – Existe Bossa Nova contemporânea? É possível surgir novas canções que venham a fazer parte do Livro de Ouro da Bossa Nova?

RM – Claro que continuamos fazendo muitas músicas novas, mas devemos lembrar que muitos dos nossos maiores compositores foram mais apressados e nos “deixaram” muito cedo, então diminuiu muito a criação. Tenho ouvido muitas músicas novas boas sendo gravadas. Agora mesmo se você ouvir o novo CD de Wanda Sá (“Cá Entre Nós”) vai ouvir coisas muito boas, no nível das melhores já feitas.

Wanda Sá - Cá Entre Nós (2016)

BH – Qual a sua reação quando um novo artista lhe procura dizendo que quer tocar/cantar Bossa Nova?

Maria Luiza e Roberto Menescal

RM – Primeiramente peço para que me mande um demo de seu trabalho e, se gosto, dou força, em alguns casos até participo, como fiz com a jovem e ótima cantora Maria Luiza.

Menescal e Maysa, Buenos Aires (1961)
BH – O senhor esteve presente no grupo que acompanhou Maysa em sua turnê à Argentina, em 1961. Apesar do sucesso, há relatos de que a turnê foi um tanto conturbada, dadas as estrepolias aprontadas pela cantora e seu empresário Ronaldo Bôscoli. Que lembranças mais vivas o senhor tem dessa turnê?

Com Maysa, na Argentina. No bandoneon, Astor Piazzola
RM – Realmente o sucesso foi grande, um mês, todos os dias na maior casa de shows da Argentina na época, mas tanto Bôscoli como Maysa eram dois “moleques”, todos os dias aprontando muito!

Ronaldo Bôscoli e Roberto Menescal
BH – Pode falar da amizade com Ronaldo Bôscoli com quem o senhor divide a autoria de “O Barquinho”?

Maysa - Barquinho (1961). Menescal com o violão
RM – Ronaldo era o meu oposto e talvez por isso foi meu maior parceiro, com mais de 100 músicas gravadas. Era um craque escrevendo. E mesmo opostos fomos grandes amigos de muitas aprontações!!!

Luiz Eça, Oscar Castro Neves, Nara e Vinicius (de Tom Jobim, só o cabelo)
BH – Pode falar sobre Luiz Eça? Chegaram a gravar juntos?

Raridade: Paul Winter com Bonfá, Menescal e Eça (1964)
RM – Luiz Eça era um gênio! Ele não sabia a extensão de sua genialidade, reconhecida pelos maiores e mais importantes músicos no exterior. Fizemos muitas gravações juntos e produzi discos dele também.


BH – O senhor esteve pressente na turnê Chega de Saudade, em 1992, baseada no livro do jornalista Ruy Castro, e produzida pela dupla Miéle e Bôscoli? Consta que o encerramento dessas apresentações foi em Brasília. Tem lembranças dessas apresentações?

RM – Primeiramente, o “senhor” está no Céu!!! Eu participei somente do primeiro show da turnê, pois vi que seria um projeto muito “louco”, na minha opinião com muito maluco junto e também muita bebida. Avisei logo que não viajaria, pois sou muito mais tranquilo do que aquela turma e preferi ficar por aqui, realizando meus trabalhos com tranquilidade. Acho que foi aí que surgiu a expressão “Me inclui fora dessa”.

Bôscoli e Menescal no tempo das pescas, anos 1950
BH – O senhor ainda pratica pesca submarina?

RM – Não, confesso que fui um terrível predador submarino, mas que hoje luta pela natureza e paga por seus pecados!

Clássicos de Roberto Menescal:

1969

1967


1966